Ana Cristina, de São José dos Campos (SP)

Há pouco mais de 15 dias, três greves no Vale do Paraíba, no interior de São Paulo, vêm ganhando repercussão nacional e até internacional. Funcionários das empresas Sun Tech, em São José dos Campos, Blue Tech e 3C, em Caçapava, a maioria mulheres, estão de braços cruzados desde o dia 6 de abril, após a multinacional sul-coreana LG anunciar o fechamento da divisão de produção de celulares em todo o mundo, o que levará à demissão em massa de pelo menos 1.100 trabalhadores.

Cerca de 700 serão demitidos em Taubaté, onde se localiza a sede da LG e é base do sindicato filiado à CUT. A maioria dos postos de trabalho na planta é da divisão de celulares, mas outra parte produz monitores e notebooks e também será afetada, pois a empresa anunciou ainda que transferirá essa produção para Manaus (AM) atrás de incentivos fiscais.

Nas fornecedoras, localizadas nas cidades vizinhas, base do Sindicato dos Metalúrgicos de São José e região, filiado à CSP-Conlutas, serão fechados 430 empregos. Tudo isso sem falar nas demissões indiretas em razão do impacto na economia da região. Nas terceiras, inclusive, há o risco de calote.

A mobilização chama a atenção pela disposição de luta e firmeza das trabalhadoras, apesar dos receios e incertezas em meio ao atual cenário de pandemia, de aumento do desemprego e crise social no país.

As operárias e operários têm mantido piquetes diariamente nas portas das empresas e realizado vários protestos, como passeatas, atos e cobranças aos governos, num importante exemplo de que é possível lutar contra os desmandos de multinacionais como a LG e suas terceirizadas e defender empregos e direitos.

Queremos nossos direitos

Trabalhadoras denunciam superexploração a serviço do lucro

A situação nas três fornecedoras da LG revela os efeitos de um dos principais mecanismos utilizados pelas empresas para impor uma superexploração e aumentar lucros: a terceirização. Formalmente são empresas independentes, mas na prática as fornecedoras trabalham exclusivamente para a LG.

A maior parte da produção e montagem dos aparelhos ocorre nas três empresas, sendo remetida posteriormente para a LG apenas para acabamento final. Como relatam as próprias trabalhadoras, havia demanda e pressão direta da LG com cobrança de metas e produtividade. Alta rotatividade, baixos salários, jornadas exaustivas, com constantes horas extras, e alto índice de doenças ocupacionais, características do trabalho terceirizado, também marcam a situação dessas trabalhadoras e trabalhadores.

Trabalhamos de segunda a sábado, entrando às 6h da manhã e saindo às 5h da tarde, para garantir as horas extras. Eu mesma tive de trabalhar até o último dia da minha gestação. Minhas colegas têm lesão nos braços pelo serviço puxado. Agora como vamos ficar? Acho que é muita falta de respeito da LG com os trabalhadores”, desabafou C., funcionária da 3C há dois anos.

Todo plano que a LG mandava para a 3C a gente dava conta. Mesmo com dor eu já trabalhei. Só não chorava porque tenho meus filhos em casa”, contou a trabalhadora A, de 31 anos.

O medo do desemprego assusta a todas e todos, mas há também a consciência de que a luta é a forma para garantir seus direitos. “A gente sabe como está a situação aqui fora. Não tem emprego. Muitas fábricas fechando. A maioria aqui é chefe de família, o único sustento da casa. É o meu caso. Como a gente vai fazer? Pois se depender deles a gente sai com uma mão na frente, outra atrás”, disse a jovem S., de 26 anos, funcionária da Blue Tech. “Para trabalhar, a gente deixa filho em casa. Deixamos até de cuidar da nossa saúde para trabalhar. Tudo isso para chegar numa situação como agora, em que essas empresas deixam a gente na mão”, disse.

A LG não tá falindo. Ela tá fechando para investir em outros setores. Então a gente quer a nossa parte, os nossos direitos. Que dividam com a gente o que a gente ajudou a construir”, reforçou C.

Avançando na luta

Piquetes mostram a força da auto-organização dos trabalhadores

São mais de 15 dias de paralisação. Uma mobilização que vem ocorrendo com piquetes permanentes nas portas das fábricas, para impedir qualquer tentativa de retirada de equipamentos e máquinas pelas empresas, mas também para fortalecer a luta.

As trabalhadoras e trabalhadores têm se auto-organizado, definindo o revezamento ao longo do dia, acompanhando o desenrolar da situação com as empresas e discutindo sobre os rumos da luta. As horas passam em rodas de conversas, em que também há muita troca de experiências e camaradagem.

Para muitos é a primeira experiência de luta e paralisação. É o caso da jovem de 21 anos, L., trabalhadora da Sun Tech. É o primeiro emprego dela numa fábrica e também a primeira vez que entra em greve.

Eu venho para cá todo dia. A gente acorda às 5h da manhã. É cansativo, mas tenho aprendido muita coisa com as meninas do sindicato sobre o que é uma greve, sobre meus direitos, o que são as fábricas”, relatou. “É uma luta muito forte. Acho que se fosse uma coisa ainda maior a gente poderia mudar até o nosso país. Mudar essa situação em que não temos vacina, por exemplo. Se o movimento que a gente tá fazendo aqui pode pressionar a LG, numa luta maior poderíamos pressionar os governos”, completou.

Programa

Empresas como a LG precisam ser nacionalizadas e estatizadas sob controle dos trabalhadores

Como no caso do fechamento da Ford, o que rege o fechamento da LG não são os prejuízos alegados por essas multinacionais em suas operações de produção. Trata-se de um processo de reestruturação para aumentar as margens de lucro da empresa.

Estudo do Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese), encomendado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José, revela que a LG, na verdade, vive um de seus melhores momentos. Em plena pandemia, encerrou 2020 com um faturamento de US$ 53,6 bilhões e registrou lucro de US$ 1,6 bilhão.

O Brasil fica nas mãos das decisões dessas multinacionais, porque o país não completou seu ciclo de industrialização, não desenvolve uma indústria nacional. Ao contrário, a partir dos anos 1990, tem sido cada vez mais desindustrializado. Uma situação que é fruto da posição subalterna do país na divisão mundial do trabalho, a partir dos interesses dos países imperialistas, para que sejamos a “fazenda do mundo” para produzir e exportar commodities.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e região defende que caso a LG e as empresas não mantenham a produção e os empregos, as fábricas devem ser estatizadas e colocadas sob controle das trabalhadoras e trabalhadores. “As empresas não podem simplesmente ficar aqui dezenas de anos lucrando, remetendo boa parte do lucro para o exterior, depois anunciar fechamento e os governos não fazerem nada”, afirmou o presidente do sindicato, Weller Gonçalves.

Achamos que a luta tem de ser para cima da LG, porque ela é a responsável pelos empregos e direitos das terceirizadas, mas também tem que ser, principalmente, para cima do governo federal. Qual era o discurso do Bolsonaro na campanha eleitoral? Ele dizia que os trabalhadores teriam que escolher entre empregos e direitos. Hoje não temos nem direitos nem empregos. Por isso, temos que travar uma luta pela estatização da LG, sob controle dos trabalhadores. Temos total condição de produzir celulares de marca nacional ou adequar a produção para outro tipo de produto”, completou.

Exemplo

É preciso intensificar a organização e mobilização pela base

Os trabalhadores estão sofrendo as consequências da grave crise sanitária e social instalada no país, provocada pela política genocida e ultraliberal do governo de Bolsonaro e Mourão. A classe trabalhadora, especialmente os mais pobres, enfrenta o risco da morte pela Covid-19 ou o risco do desemprego e da fome.

A situação das trabalhadoras da Blue Tech, 3C e Sun Tech é emblemática nesse sentido, pois são fábricas formadas majoritariamente por mulheres, muitas negras e LGBTs, exatamente os setores mais oprimidos, explorados e precarizados no sistema capitalista.

Por isso, a luta que essas operárias e operários estão realizando, com uma forte mobilização pela base, se reveste de tamanha importância. É essa organização por baixo, estimulando cada vez mais a democracia operária e a auto-organização das trabalhadoras, que pode avançar a consciência e fortalecer a luta.

As greves na Blue Tec, 3C e Sun Tech foram exemplo para que os trabalhadores da LG também cruzassem os braços no dia 12 de abril, após rejeitar uma proposta de indenização. Isso deu ainda mais força à mobilização, mas equivocadamente o sindicato cutista defendeu o retorno ao trabalho para negociar separadamente um novo pacote para as demissões, e a greve em Taubaté foi suspensa no dia 19. Uma decisão que divide e enfraquece a luta.

Não é momento de jogar a toalha enquanto o jogo está rolando. Fazer essa demissão em massa, a maioria de mulheres, em plena pandemia é covardia e desumano. O caminho é fortalecer a mobilização e unificar a luta dos trabalhadores pela base para pressionar a LG, a verdadeira responsável por todas essas trabalhadoras, e os governos Bolsonaro  e Mourão, estadual e municipais.

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