Foto Paulo Marcelino da Silva Lisboa
Redação

O que o escândalo de corrupção tem a ver com a atual fase do capitalismo e a crise econômica?

A Operação lava-jato tem mostrado cenas surpreendentes num país onde a impunidade de ricos e políticos é a regra. Ver alguns dos maiores empresários do país e seus comparsas da política sendo algemados e presos, mesmo que não por muito tempo, pode fazer muitos acreditarem que estamos diante de um evento “moralizador” da sociedade brasileira. Alguns vêem o juiz Sergio Moro, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal como exemplos de agentes institucionais que finalmente atuam de acordo com a legalidade, defendendo com honestidade o interesse público, doa a quem doer.

Por outro lado, muitos defensores do PT alegam que por trás dessa operação está uma manobra com o objetivo de enfraquecer o partido da presidenta Dilma e seus aliados. Tudo não passaria de uma ação da “velha direita” para prejudicar um suposto governo da “esquerda”. Uma maneira de irmos além das aparências dessa operação, é vermos quais são os verdadeiros interesses afetados. E nada é mais verdadeiro do que o interesse econômico.

Corrupção: a cínica face do Estado na época imperialista
É sabido que a relação promíscua entre as grandes empresas e os políticos vem de longa data. Desde sempre, na verdade. Faz parte do funcionamento normal do Estado burguês.

Lênin, quando no início do século XX se dedicou a interpretar a era imperialista, momento a partir do qual o capitalismo se convertia do livre mercado à era dos grandes monopólios e do domínio do capital financeiro sobre o industrial, identificou a corrupção como uma característica estrutural dessa fase do capitalismo.

Nessa nova fase, no que diz respeito à grande indústria, por maior que seja a produtividade de uma empresa, o capital investido na produção não só é a maior do que o seu próprio caixa, mas também remunera cada vez uma quantidade maior de parasitas que fornecem crédito sem tirar suas barrigas detrás de suas mesas. Ou seja, só é possível manter a taxa de lucro de uma empresa de ponta obtendo incessantemente novos mercados, seja através da destruição e incorporação dos concorrentes, ou convertendo uma área de atuação do setor público em mais uma iniciativa privada, através de privatizações, subornos, e tudo o mais que for necessário.

Essa necessidade se combina com os tentáculos cada vez maiores da burocracia estatal na fase imperialista, ou seja, um consórcio de numerosos burocratas que vivem de roer o orçamento e a renda do Estado. Daí se destacam desde os doleiros, como Alberto Youssef, até as dezenas de milhares de cargos comissionados que o governo Dilma cedeu aos partido da base aliada para garantir uma governabilidade cada vez mais promíscua. Nesse cenário, para alimentar essa camada de parasitas, a corrupção dos negócios do Estado caem como uma luva. Uma mão lava a outra. O corrupto mantém os seus privilégios e os corruptores uma fatia maior do mercado.

Crise econômica é a raiz da Lava Jato
Portanto, a Lava-Jato não desvendou nada de novo.  O fator novo é que raras vezes vimos uma operação policial e judiciária ir  tão a fundo nos detalhes de um consagrado esquema que envolve fraudes bilionárias a licitações, combinadas com financiamentos de campanhas políticas. Apesar de ser um esquema criminoso usado indiscriminadamente em grandes obras e em empreendimentos governamentais de todas as áreas (transportes, saúde, educação, infra-estrutura, etc), a Polícia Federal e a Justiça mostraram que tem um interesse específico nos contratos das grandes empreiteiras com a Petrobrás.

A delimitação dessas investigações em torno da petrolífera (e alguns contratos da Usina de Angra III) não é aleatória ou acidental. Por trás da devassa da PF contra doleiros, “operadores” do esquema, políticos e empreiteiros, é possível enxergar uma disputa de grandes conglomerados econômicos pela renda do petróleo brasileiro e pelo mercado mundial da construção civil pesada.

Por ser atualmente a principal matéria-prima e fonte energética do mundo, a renda do petróleo é colossal e uma das mais disputadas pelas diversas facções dos capitalistas do planeta. Em períodos de crise econômica, devido à queda na taxa de lucro das empresas, essa disputa fica ainda mais acirrada, pois nenhum setor se dá o luxo de abrir mão de qualquer centavo dessa importante fonte de riqueza.

A Petrobrás não fica de fora desse campo de batalha. Com a transformação da empresa em uma companhia de sociedade anônima (S.A.), quase 50% da do capital social da antiga estatal foi parar em mãos privadas. Do total das ações da empresa, cerca de 30% é propriedade de acionistas estrangeiros através das ADR’s (American Depositary Recepts) negociadas na Bolsa de Valores de Nova York e 3% por ações na BOVESPA. A maior parte desse controle está na mão de grandes fundos de investimento controlados diretamente pelo grande capital financeiro internacional. Ou seja, a maior parte do lucro da Petrobrás destinada a investidores privados vai para o capital transnacional.

No entanto, não são apenas os investidores privados que são agraciados com essa renda petroleira. Aproveitando-se da grande expansão da Petrobrás na última década, com construção de novas refinarias, sondas, etc., grandes empreiteiras brasileiras de porte internacional se aliaram com o governo federal do PT para pilhar essa renda através de um esquema criminoso.

Esse esquema é bem conhecido do público brasileiro e se repete há décadas: as empresas de um determinado ramo formam um cartel e partilham os contratos do governo ou de uma estatal de forma combinada através de licitações fraudadas, superfaturando em muito os preços. Durante a execução das obras esse preço é ainda mais ampliado, através de aditivos aos contratos. No final do processo, uma determinada empreiteira constrói uma refinaria, por exemplo, mas recebe o valor equivalente a três ou quatro. Em contrapartida, os partidos políticos, dirigentes do governo ou da estatal e operadores do esquema recebem uma comissão oriunda do roubo.

A terceirização, uma forma mais camuflada de privatização, é mais uma porta escancarada para a corrupção. Na Petrobrás, para cada trabalhador contratado diretamente, há cinco trabalhadores contratados por empresas terceirizadas. O funcionamento desse esquema em muito se assemelha com os superfaturamentos de obras citados anteriormente. Porém, contém o agravante de submeter uma quantidade enorme de trabalhadores a condições precárias de trabalho e de direitos trabalhistas para manter os lucros das empresas terceirizadas, além dos subornos de gerentes e diretores que facilitam a contratação dessas mesmas empresas.

Fica claro que esse esquema de desvio de dinheiro da Petrobrás não prejudica apenas os cofres do governo. Afeta diretamente os lucros dos investidores privados. Não é à toa que paralelamente à Operação Lava-Jato, vários grupos de acionistas entraram com processos nos Estados Unidos para serem reparados pelas suas perdas com a corrupção na companhia brasileira.

Essa disputa fica ainda mais aguda com o papel de destaque que a Petrobrás assumiu no mercado mundial de petróleo nos últimos anos. A estatal tem sido, com a descoberta das jazidas do pré-sal, uma das principais responsáveis pela expansão das reservas mundiais de óleo cru. Na recente queda dos lucros das petrolíferas, provocada pela diminuição da atividade econômica mundial e consequente queda no preço do barril, a Petrobrás foi a menos afetada, tornando-a ainda mais cobiçada pelo capital internacional.

Combustível da crise econômica e política
A Operação Lava-Jato acabou por sintetizar uma conjuntura de crise por qual passa o Brasil. O aspecto mais evidente é a crise política. As investigações na Petrobrás potencializaram a desmoralização do PT em sua condução do Governo Federal, acabando por igualá-lo, de uma vez por todas e para toda a população, com todos os demais partidos quanto às suas alianças e suas práticas criminosas.

No aspecto econômico, a operação ajudou a contribuir com o arrefecimento da economia brasileira, contribuindo na paralisação de grandes obras do país. Já a disputa entre diferentes setores burgueses fica atrás de uma cortina de fumaça. Não é de interesse da burguesia demonstrar para a classe trabalhadora que ela não é homogênea e tem suas contradições. Mas afastando o véu da cobertura midiática e colocando luz nos interesses em jogo, vemos grandes setores capitalistas que se armam e se enfrentam para arrancar do Brasil uma das suas maiores riquezas naturais, o petróleo.

Petrobrás 100% Estatal sob o controle dos trabalhadores é a única solução
A única forma, portanto, de os trabalhadores brasileiros impedirem mais esse assalto às nossas riquezas, como foi feito com o pau-brasil, o ouro, e fazem diariamente com o suor dos trabalhadores nas multinacionais, é lutando pela completa estatização da Petrobrás, sob controle dos trabalhadores, e a volta do monopólio estatal do petróleo quebrado por FHC.

E, nesse caminho, caberá à classe trabalhadora brasileira tirar da sua frente esse obstáculo chamado governo Dilma, que segue privatizando a Petrobrás com leilões e vendas de ativos, mas também os tucanos, que querem abocanhar um pedaço ainda maior do pré-sal através da PLS 131.

Errata: a foto em destaque é de autoria de Paulo Marcelino da Silva Lisboa