Leia o poema escrito por uma moradora da mesma comunidade em que o músico Evaldo e o catador de material reciclável Luciano foram barbaramente assassinados pelo Exército, a comunidade do Muquiço. Stephanie Assumpção e Júlia, sua filha de 10 anos, transformam em versos a dor e as dificuldades da população negra e pobre das comunidades do Rio. Durante o ato contra a ação criminosa do Exército na comunidade, a pequena Júlia declamou os versos da mãe.
“OI (tenta)?!”
Oi, Oi tenta, tenta estar no meu lugar e escutar o meu dilema
Oi tenta, tenta andar no meu rolê sem encontrar nenhum problema
Oi tenta, tenta ouvir o som de TA TUM que me acorda
Oi tenta, tenta um dia ser preto e não ter medo do racismo que te aborda
Oi tenta, tenta ser criança sem ouvir essas histórias
Oi tenta, tenta não perder a inocência vivendo essa trajetória
Oi tenta, tenta ter um pai, amar e ter ele como exemplo
Oi tenta, tenta abrir os olhos e ver a dor que eu contemplo
POESIA DE RESISTÊNCIA AO ASSASSINATO DO EXÉRCITO!Esta é a Julia, filha da Stéphani Assumpção. Elas residem próximo a comunidade do Muquiço, onde aconteceu o bárbaro assassinato do Exército, que agora acumula duas mortes com o falecimento do catador de lixo Luciano Macedo, que se aproximou do carro de Evaldo dos Santos Rosa para tentar socorrê-lo e levou três tiros nas costas. No ato que realizamos no domingo passado exigindo a punição dos responsáveis por este crime bárbaro, fomos agraciados com a presença da Julia, que usou o microfone para recitar a poesia de sua mãe. Foi um lindo momento, que mostra que a arte, também, é uma forma de luta. Que a nossa luta permita que a Julia e as outras crianças como ela de todas as favelas e periferias possam viver e ter muitas conquistas, num mundo melhor que este que estamos vivendo agora.
Posted by Cyro Garcia on Friday, April 19, 2019
Oitenta foram os disparos que eu ouvi e me assustei
Minha mãe disfarçava enquanto eu pensava
De onde vem dessa vez?
Será que é da favela?
Lá dentro do muquiço?
É da polícia ou do bandido?
Tenho medo eu admito!
Oitenta de repente a notícia
Mais um preto pra estatística
Oitenta tiros disparados acertaram um pai de família
QUE DOR… podia ser o meu que ali partia!
Eu sei que onde eu moro é perigoso
E que algum dia pode acontecer de novo
Por isso toda criança preta tem que ser consciente
Oitenta em um pai que eu não conhecia
Amanhã pode ser o pai da gente!
Stephanie Assumpção e Julia Assumpção