Após 50 dias, terminou na sexta-feira 22 a ocupação da reitoria da USP. Ao saírem do prédio, os estudantes traziam consigo o sentimento e o entusiasmo de quem fez história no movimento estudantil. A partir dali, nada será como antes.

Para entender a trajetória do movimento, vale a pena voltar aos seus primeiros dias. A ocupação começou com pretensões modestas. A intenção era pressionar a reitoria para que houvesse um pronunciamento oficial da universidade sobre os decretos de José Serra (PSDB) e negociar a pauta específica dos estudantes. Naqueles dias, a proporção que o movimento ganharia era inimaginável.
A força que o movimento adquiria a cada dia superava seus objetivos iniciais. A luta ganhava um caráter político crescente, de enfrentamento com o governo Serra, questionamento do projeto neoliberal para a educação e aliança com trabalhadores e estudantes de outras universidades. Ao mesmo tempo, havia assembléias com milhares, cerca de 800 pessoas por dia passavam pela ocupação, cursos que nunca entraram em greve votavam pela paralisação com centenas de estudantes e crescia o apoio de trabalhadores e jovens por todo o país. O movimento tomou conta da universidade, começou a despertar os estudantes brasileiros e ganhou a simpatia de parcela expressiva da população.

Recuo de Serra
A força da ocupação desencadeou uma das maiores greves unificadas das universidades estaduais paulistas. Estudantes, professores e funcionários uniram-se para derrotar os decretos. Como uma luta contra Serra, seria natural e até mesmo oportuno que a UNE e o DCE da USP, ambos controlados pela aliança governista PCdoB/PT/PMDB, mobilizassem suas bases para desgastar o governador do PSDB, presidenciável em 2010.

Não foi isso o que aconteceu. A possibilidade de as mobilizações ganharem uma dinâmica própria, livre das amarras das direções tradicionais, e o medo de que a luta contra Serra se virasse também contra Lula, fizeram com que o DCE e a UNE não pisassem na USP durante quase dois meses.

O repúdio a essas direções foi tamanho que por pouco a atual gestão do DCE não foi destituída em assembléia. No encontro das estaduais paulistas, foi votado por ampla maioria que a UNE não falava em nome dos estudantes em luta.

Assim, quando a ocupação se combinou com a greve unificada, o governo tucano, as reitorias e a UNE tremeram. No mesmo dia em que os estudantes e os trabalhadores das universidades levavam seis mil às ruas, o governo Serra apresentava seu decreto. Esse documento apresentava um claro recuo do governo: caíam a proibição da contratação de docentes e funcionários, o privilégio das pesquisas operacionais, o engessamento do remanejamento autônomo de verbas, etc. A Secretaria do Ensino Superior permaneceu, mas ela e seu secretário – José Pinotti – foram desmoralizados politicamente. Em síntese, a ocupação e a greve forçaram Serra a um recuo expressivo. O governo selava sua derrota política: seu projeto de acabar com a autonomia das universidades fracassava em grande medida.

Despertar do novo A ocupação conseguiu obrigar o governo Serra a um importante recuo e arrancou da reitoria uma negociação específica vitoriosa (330 moradias, contratação de professores, reformas de prédios, congresso paritário para discutir o estatuto da universidade, transporte e bandejões nos fins de semana, etc.).
Junto com essas vitórias parciais expressivas algo mais profundo foi alcançado: o despertar do movimento estudantil. A ocupação demonstrou que é preciso lutar e possível vencer. Os estudantes enfrentaram vários inimigos: a mídia burguesa e suas mentiras de que se tratava de um ato isolado; o governo de Serra, que contou com apoio de Lula pelo fim da autonomia; a UNE, que nem moção de apoio mandou; a burocracia universitária, que pedia a tropa de choque; e a ideologia de que o movimento estudantil não leva a nada. Apesar de tudo isso, a ocupação resistiu.
A correlação de forças entre o movimento estudantil e os inimigos da educação pública mudou. O resultado dessa nova situação é claro: os estudantes se sentem mais fortalecidos para enfrentar os ataques no próximo período. Lula, os governos estaduais e as reitorias que se cuidem: o movimento estudantil vem com tudo.

Foi apenas o começo…
A direção da USP se encontra em crise declarada, Serra sai derrotado politicamente, estudantes em todo país começam a enfrentar a reforma de Lula e os ataques à educação. De fato, os ventos são outros, mas os desafios continuam presentes. O projeto de destruição do ensino superior público continua tanto na reforma universitária de Lula quanto nos planos de Serra. A USP continua a ser a universidade mais autoritária e elitista do país, as fundações privadas continuam a comandar as pesquisas, a grande maioria dos trabalhadores, dos negros e dos pobres continuam sem acesso à educação superior.

O desafio do movimento agora é definir os próximos passos a partir das conquistas obtidas. É necessária a unificação dos estudantes em luta com os trabalhadores, para derrotar as reformas neoliberais que pretendem acabar com direitos históricos e pela universidade pública, gratuita, de qualidade e a serviço dos trabalhadores.
Por fim, vale dizer que tudo isso foi apenas o começo. A ocupação da USP e a greve das estaduais iniciaram um processo que tende a crescer. Os estudantes nas escolas e universidades não têm outro caminho senão a luta contra esse modelo destruidor. Como dizia umas das faixas na saída do prédio da reitoria: “Lula e Serra, os seus dias estão contatos, nós voltaremos“.

Post author Gabriel Casoni e Ellen Ruiz, estudantes da USP e militantes do PSTU
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