Os Estados Unidos têm um novo presidente para os próximos quatro anos. Muito mais que uma eleição presidencial, os votos depositados nas urnas dos estados norte-americanos durante todo o dia 4 de novembro tiveram o significado de um plebiscito. Em filas de espera de até quatro horas nos locais de votação, um eleitorado recorde de mais de cem milhões de pessoas ansiava por dizer “não” ao presidente George W. Bush e sua política de guerra externa e interna contra os explorados e povos pobres de todo o mundo.

Queriam dizer “não” à guerra do Iraque e do Afeganistão, com o comparecimento recorde de jovens às urnas. “Não” ao seu ataque aos imigrantes, transformando a longa luta da população latina contra as perseguições e humilhações sofridas numa chuva de votos em Obama. “Não” à crise econômica e à farra dos banqueiros, fazendo com que o candidato democrata vencesse em redutos republicanos tradicionais. “Não” ao sempre presente preconceito racial, aumentando a porcentagem do eleitorado negro nesta eleição e, acima de tudo, “não” ao aumento do desemprego, aos cortes do orçamento em saúde e previdência do Estado e à perda de poder aquisitivo, que aumentaram a rejeição, já tradicional, aos candidatos republicanos entre a classe operária.

Barack Obama, o novo presidente, negro e jovem, conseguiu galvanizar um espectro enorme de setores em torno à sua candidatura, utilizando habilmente o tema da “mudança”. Em seu discurso da vitória, reafirmou por duas vezes esta idéia, dizendo que “nesta eleição, neste momento de definição, a mudança chegou à América” e que “este é o verdadeiro segredo da América, que a América pode mudar”.

John McCain, o candidato republicano, tentou desligar-se da imagem de Bush, mas não conseguiu. A impopularidade extrema do atual presidente contaminou sua campanha e condenou-o à derrota prematura.

Obama venceu em eleição indireta
Nos Estados Unidos as eleições são indiretas. Cada estado tem direito a certo número de “votos eleitorais” e são necessários 270 “votos eleitorais” para o candidato ser declarado vencedor. A Califórnia tem 55 votos eleitorais, enquanto Nova Iorque tem 31 e Michigan possui 17 votos. Mas Utah, por exemplo, tem apenas cinco votos. Como o voto não é obrigatório, isto faz com que a presença nas urnas determine o peso de cada voto. Isto é, o voto num estado pode “valer” mais que em outro e ser determinante para a vitória de um candidato.

Os “votos eleitorais”, além disso, não são proporcionais aos votos populares: o candidato que tiver maioria simples ganha todos os votos eleitorais do estado, embora não tenha conquistado todo o eleitorado. É uma eleição antidemocrática, embora todos tenham direito de votar. Todos, menos os imigrantes considerados ilegais, que são explorados pelos patrões durante todo o ano sem qualquer ilegalidade, mas não podem escolher os governantes que fazem as leis que regulamentam sua própria vida.

Obama, contudo, venceu por larga margem, com 349 votos computados até agora, deixando clara a vontade de mudança do eleitorado norte-americano.

As mudanças defendidas por Obama
Em sua campanha eleitoral, Obama apresentou suas propostas como se fossem mudanças radicais em relação à administração Bush. Mas um exame mais apurado mostra que são as mesmas idéias de manutenção do poder imperialista sob uma nova roupagem, num momento em que este poder vem sendo questionado pelas massas em luta em várias regiões do mundo.

Em relação a um dos principais temas, a guerra do Iraque, prometeu retirar rapidamente as tropas daquele país. Não para devolver os soldados a seus lares, mas sim transferi-los para o Afeganistão, onde o Taliban dá mostras de revigoramento e controla várias regiões do país. Agora, alguns analistas mostram-se céticos quanto a essa idéia, não só porque o Iraque passa por uma estabilização política e militar, mas principalmente porque contraria a necessidade de corte de gastos, já que a manutenção de tropas no Afeganistão é muito mais cara que no Iraque.

Prometeu continuar a “guerra ao terror” de Bush, ameaçando invadir o Paquistão com forças de ataque rápido e exigindo o fim da pesquisa nuclear pelo Irã. Quanto ao massacre israelense contra os palestinos, nenhum sinal de mudanças, apenas o permanente apoio incondicional do imperialismo norte-americano a Israel.

Na política interna, Obama defendeu vagas mudanças na securidade social, aposentadoria, educação pública, assistência aos pobres e nas leis de imigração, mas nunca deixou claro o que faria. Mas sua atuação frente ao estouro da bolha financeira que arrastou vários bancos de investimento à falência foi bastante concreta.

Obama esteve na linha de frente do Partido Democrata para apoiar o pacote de US$ 700 bilhões criado por Bush para salvar os bancos, cuja primeira versão só não foi aprovada pelos votos contrários dos republicanos, já que a ampla maioria dos democratas, inclusive Obama que reassumiu sua vaga no senado nesta votação, votou favoravelmente à proposta de Bush.

Um dos trechos de seu discurso da vitória é significativo: “O caminho à frente é longo. Nossa escalada será muito abrupta. Nós podemos não chegar lá em um ano nem em um semestre, mas América, eu nunca estive mais esperançoso que hoje à noite de que chegaremos lá”. Para os banqueiros, o caminho foi curto e rápido, mas para a população ele não sabe quando “chegará lá”. É como disse Richard N. Haas, presidente do Conselho de Relações Exteriores, “na campanha inclina-se para o preto e branco, mas no governo inclina-se para o cinza”.

E o cinza, para Obama, é muito claro. Durante a campanha afirmou sua intenção de mudar o jeito de se fazer política no país; com o fim do governo de um só partido e o início de uma aliança entre democratas e republicanos. Por isso, num discurso da vitória empolgante disse: “Vamos resistir à tentação de cair na mesma partidarização, mesquinhez e imaturidade que envenenou nossa política por tanto tempo. Vamos lembrar que foi um homem deste estado que carregou a bandeira do Partido Republicano pela primeira vez para a Casa Branca – um partido fundado sobre os valores de autoconfiança, liberdade individual e unidade nacional, que todos nós compartilhamos”.

Num momento de crise que ameaça as bases econômicas da dominação imperialista e pode jogar os Estados Unidos numa depressão semelhante à de 1929, a grande mudança defendida por Obama é a de unidade nacional entre democratas e republicanos para enfrentá-la e, assim, ter mais força para descarregá-la sobre as costas dos trabalhadores.

Um giro à esquerda
A grande dúvida que fica é se os trabalhadores permitirão que a unidade entre seus exploradores tenha sucesso. Pois essa unidade significará mais desemprego, menores salários, mais redução do orçamento para as áreas sociais e a defesa de um “aperto geral dos cintos” para salvar o capitalismo de sua própria crise.

Os primeiros a serem atacados serão os que estiveram na vanguarda da campanha de Obama: os jovens, pela continuidade da guerra, os latinos, pelo recrudescimento das leis de imigração, e os negros, pelo aumento do desemprego e dos bolsões de miséria. E, entre estes, as mulheres.

Porém, está ocorrendo um claro giro das massas norte-americanas à esquerda, semelhante ao que atingiu a América Latina no início desta década, resultando na eleição de vários governos nacionalistas e de Frente Popular. Após um período de expectativa nas medidas tomadas pelo novo governo, que assumirá em 1° de janeiro de 2009, deverão se seguir duras lutas, pois os trabalhadores não se deixarão saquear passivamente.

Para que tais lutas sejam vitoriosas, é necessário que as ilusões em Obama, o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos, sejam dissipadas o mais rapidamente possível. A construção de um partido com independência de classe, que liberte a classe operária mais poderosa do mundo do longo domínio democrata, é fundamental. Mas essa tarefa só será cumprida pela atuação decisiva de um partido revolucionário, que retome os ensinamentos deixados por Trotsky na década de 30, quando os Estados Unidos estavam mergulhados na maior recessão de sua história e tinham no presidente Roosevelt o defensor da unidade nacional.

Naquela crise, o imperialismo venceu. Nesta, a história ainda está por ser feita.