Declação da LIT – QI sobre os acontecimentos de 30 de agosto no EqiuadorNo dia 30 de setembro no Equador, várias centenas de policiais tomaram os principais quartéis na capital, Quito, contra a nova Lei do Serviço Público (Losep), que lhes retira direitos de bonificações e condecorações. Essa ação se espalhou para outros quartéis em várias cidades. Um setor minoritário das Forças Armadas aderiu à revolta, ainda que por pouco tempo, e um grupo de militares tomou o aeroporto de Quito, que esteve várias horas fechado durante o dia.

Frente a esses protestos, o presidente Rafael Correa foi diretamente ao quartel da polícia de Quito e, numa atitude desafiante, acusou os manifestantes de conspiradores e traidores, sendo atingido por gás lacrimogêneo pelos policiais. Em consequência, o presidente foi levado para o hospital da polícia, onde permaneceu por várias horas.

O presidente afirmou que estava sendo alvo de um golpe de Estado. Sua permanência no hospital foi anunciada como um sequestro. De dentro do hospital, o presidente manteve negociações com a polícia e acordou sua saída do quartel. Ao mesmo tempo, foi montado um operativo pelo Exército e Forças Especiais para retirar Correa do hospital, que levou a confrontos com os policias em protesto. O presidente saiu do hospital, alertou contra os golpistas, anunciou firmeza e punição aos policiais revoltosos. A calma voltou ao Equador.

Uma revolta policial, não um golpe
Está na memória dos trabalhadores da América Latina que, durante décadas, o imperialismo utilizou o método dos golpes de Estado para garantir seus interesses na região. Milhares de trabalhadores, ativistas e militantes perderam suas vidas em golpes que impuseram ditaduras sangrentas. Contra um golpe militar, seríamos os primeiros a chamar a mobilização democrática nas ruas. No entanto, não pensamos que tenha sido isso o que se passou no Equador em 30 de setembro.

Dois aspectos centrais nos levam a afirmar que não existiu um golpe. Em primeiro lugar, nem a cúpula militar e nem a cúpula da polícia apoiaram as mobilizações dos revoltosos, tendo, ao contrário, estado desde o início fiéis ao governo. Os protestos que incendiaram o país no dia 30 de setembro foram feitos por policiais de baixa e média patentes, contra a vontade dos seus dirigentes hierárquicos.

Em segundo lugar, não existia qualquer direção – nem sequer a dos policiais revoltosos – que reivindicasse a destituição do presidente. Os policiais revoltosos exigiam a revogação da lei de serviço público, mas não a destituição do presidente pela força. Por outro lado, todos os representantes do Estado burguês e da burguesia se pronunciaram contra o suposto golpe e pela defesa da “democracia”.

Tanto as instituições políticas como militares do Estado burguês mostraram seu apoio a Correa. A maior expressão disso é que o estado de exceção é uma medida que dá poderes excepcionais ao presidente para legislar por decreto e mais força ao Exército para intervir. No entanto, o estado de exceção foi imposto pelo governo (e não pelos policiais em protesto), apoiado nos militares que estavam com o governo desde o início. Além disso, durante todas as operações (inclusive de dentro do hospital), Correa manteve o comando do governo e do país, comunicando-se livremente com o exterior.

Além disso, foram os próprios militares que levaram Correa ao hospital da polícia onde esteve internado, para ser tratado por médicos. Foram as Forças Especiais e o Exército, portanto, que retiraram o presidente do seu suposto sequestro, numa ação desnecessária, pois já estava acordada sua saída de lá.

Finalmente, é bom lembrar que Correa teve, desde o início, o apoio não apenas dos governos “progressistas” com quem se relaciona mais proximamente como Hugo Chávez ou Evo Morales, mas também dos governos mais de direita da América Latina, como os do Chile, Colômbia e Peru, tendo os países fronteiriços chegado a fechar as fronteiras. Finalmente, tanto a Unasur como a OEA e a ONU saíram em defesa do presidente Correa e da legalidade democrática. A embaixadora dos EUA fez declarações no mesmo sentido, bem como outros países imperialistas como a Espanha. Nesse sentido, o suposto golpe contra Correa seria extremamente estranho, pois teria contra si desde o principal país imperialista aos governos ditos “progressistas”.

Um protesto contra os ataques de Correa aos trabalhadores públicos
Esse protesto policial não pode ser entendido como um ato isolado. Pelo contrário, é uma expressão distorcida do descontentamento popular, que existe pela imposição de leis que cortam direitos dos trabalhadores e também dos policiais.

Por isso, o que faz explodir a atual situação é a aprovação da Lei do Serviço Público, que reduz os direitos dos trabalhadores públicos. No caso da polícia, corta diretamente as bonificações e condecorações. Esse protesto ocorre ainda no contexto de um desgaste mais geral de vários setores com as políticas e leis aprovadas pelo governo de Correa, como os estudantes com a Loes, os indígenas com a Lei da Mineração e os trabalhadores públicos com a Lei do Serviço Público.

Esse levante dos policiais foi, como não poderia deixar de ser, utilizado por um setor da oposição, dirigido por Lucio Gutiérrez, para ganhar espaço contra Correa. O descontentamento frente à Lei do Serviço Público teve ainda reflexos no processo de votação na assembleia. O presidente não conseguiu, por exemplo, que os parlamentares do Aliança País (movimento dirigido por Correa) aceitassem a lei tal como apresentada por ele e votassem contra a proposta de que os trabalhadores se aposentem aos 70 anos.

Correa usa ameaça de golpe para continuar a atacar os trabalhadores
Todos esses elementos confirmam um crescente desgaste do regime e do governo de Correa pela recente aprovação das leis de ensino superior e dos hidrocarbonetos através de mecanismos autoritários como o dos vetos presidenciais. No caso de outras leis, o presidente não conseguiu a aprovação, como ocorreu com a Lei da Comunicação e a Lei da Água, que foram arquivadas pela resistência indígena.

Esse quadro provocou a fúria de importantes setores de trabalhadores, camponeses, indígenas, estudantes e servidores públicos, que começam a se mobilizar. Ademais, alguns dos próprios membros do bloco governista começaram a questionar alguns aspectos das leis assinaladas. As mais importantes instituições do Estado, como a assembleia, o setor judicial (recordemos o escândalo em que esteve metido o fiscal Pesántez, milhares de delitos que ficaram impunes) e o próprio Executivo, por suas atitudes claramente autoritárias, experimentam uma queda de popularidade e configuram uma crise do regime.

Frente a essa situação, ainda antes dos acontecimentos do dia 30, o governo já havia lançado a possibilidade de decretar o mecanismo constitucional chamado de “morte cruzada”, que lhe permite dissolver a assembleia e convocar novas eleições. Ou seja, utilizar medidas autoritárias para conseguir levar adiante sua política antioperária, garantindo assim melhores condições para os interesses imperialistas na região.

A associação das mobilizações da polícia a uma tentativa de golpe serve assim plenamente às necessidades do governo Correa, ou seja, ter maior poder para avançar contra os trabalhadores. O discurso do golpe e a sua resolução permitem-lhe assim sair mais fortalecido – depois de diversas manifestações nacionais em seu apoio – e desprestigiar a oposição de direita e de esquerda.

Permite-lhe ainda justificar várias medidas autoritárias que ajudaram a disciplinar diversos setores à sua política. Neutraliza os mais críticos entre seus apoiadores e os submete à disciplina partidária. O governo assumirá a reestruturação da polícia com plena legitimidade – é bom lembrar que essa instituição tem má imagem diante de amplos setores da população por sua corrupção e seus abusos contra os direitos humanos. Em definitivo, o governo busca reverter a crise de regime e avançar em seu projeto de reestruturação jurídica do Estado através da imposição das controvertidas leis consideradas prioritárias. Possivelmente já não necessitará da “morte cruzada”, que implicava um alto risco político.

Maioria da esquerda capitula a Correa
A Conaie, principal organização indígena do Equador, e outros setores políticos de esquerda como o MPD, se opuseram e denunciaram a manobra do governo Correa. Porém, apesar dos diversos dados apontando para a não existência de um golpe, a grande maioria da esquerda apoiou Correa contra a “suposta” tentativa de golpe.
Com isso, a grande maioria das organizações apoiou diretamente o governo burguês de Correa, que ataca os trabalhadores para melhor garantir os interesses do imperialismo na região. As manifestações contra o suposto golpe não foram mais que manobras de distração para o que está realmente acontecendo no Equador e em muitos outros países dirigidos por supostos governos “progressistas”, que governam para as burguesias, contra os trabalhadores.

Para conseguir a aplicação de suas leis a serviço dos interesses do imperialismo, Correa já havia recentemente reprimido as mobilização indígenas e camponesas contra as mineradoras e a lei dos hidrocarbonetos, que estão sendo entregues à exploração das multinacionais. Essa política da maioria da esquerda, de apoio a qualquer chamado de mobilização contra o suposto golpe, desarma a classe trabalhadora contra as medidas antidemocráticas e a repressão do governo Correa para implementar suas políticas.

Por isso, estamos contra qualquer punição aos policiais revoltosos, o que é apenas mais uma medida do governo para cercear a liberdade de protesto e contestação.
No entanto, a capitulação a esses governos desarma também os trabalhadores e povos para lutar contra a verdadeira política do imperialismo, de rapina dos recursos naturais e exploração cada vez maior dos povos da América Latina, que é levada a cabo por governos como os de Correa, Evo Morales, Lula, etc. Quando Chávez e Morales acusam os EUA pelo suposto golpe, estão na verdade escondendo a obediência de Correa e de seus governos aos interesses do imperialismo.

A grande ameaça para os trabalhadores e o povo do Equador hoje é o governo Correa
Nós somos contra os golpes militares, pois defendemos as mais amplas liberdades democráticas para que a classe trabalhadora e a população pobre possam lutar amplamente para derrubar o capitalismo.

No entanto, a grande ameaça hoje às liberdades democráticas dos trabalhadores é o governo Correa, pela repressão contra os trabalhadores e as medidas autoritárias como governar por decreto e por veto quando não consegue o que lhe interessa na assembleia.

As medidas autoritárias do governo são uma necessidade de sua política subserviente ao imperialismo e de ataque aos trabalhadores.
Por isso, estamos contra qualquer apoio a Correa e recusamo-nos a participar de qualquer frente para defender este governo de uma ameaça de golpe que não existe.
Defendemos também a independência de classe das organizações dos trabalhadores frente ao governo como a única forma de impulsionar uma ampla mobilização para derrotar essas leis antioperárias e autoritárias.

Secretariado Internacional da LIT-CI – Outubro 2010
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Post author Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI)
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