Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

O ano de 2007 está recheado de datas relacionadas à geração “beatnik”. Dois dos principais nomes do movimento, Allen Ginsberg e William Burroughs, morreram há exatamente uma década, o primeiro no dia 5 de abril, o segundo em agosto. Este ano também se comemoram os 50 anos de lançamento do consagrado livro “On the road – Pé na estrada”, de Jack Kerouac, e da prestigiada segunda edição de “Uivos e outros poemas”, de Ginsberg, depois de um longo processo contra a censura. É uma ótima oportunidade para revisitar obra e vida de jovens que marcaram de forma decisiva a cultura e a literatura do século 20.

A origem da denominação “beat” é tão controversa e múltipla quanto a vida e obra de seus seguidores. Geralmente o termo é identificado com o “beat” (ritmo, batida) do jazz, e também com o linguajar das ruas das grandes cidades, onde “to be beaten” era algo como “estar ferrado”. O “nik” veio em homenagem ao satélite russo Sputnik, mandado ao espaço em 1957.

Este foi o nome dado a uma geração de jovens artistas que, em plena década de 50, ousou transgredir as normas do conservadorismo social, sexual e intelectual norte-americano. Na época, o país vivia o clima triunfante do pós-guerra, alimentado por um consumismo desenfreado. Além disso, existia uma violenta onda repressiva com o macartismo – uma verdadeira “caça às bruxas” contra comunistas, homossexuais e opositores do sistema em geral.

Considerado uma “revolução poética” que até hoje deixa marcas na cultura mundial, o movimento nasceu do encontro de Ginsberg e William S. Burroughs (autor de “Almoço nu”), em 1943, apresentados pelo amigo comum Kerouac.

Eles eram universitários, filhos de famílias abastadas, mas determinados a desafiar os limites do sistema. Através de seu comportamento e arte, lançaram uma espécie de grito desesperado contra um mundo que, apesar das aparências, lhes parecia cada vez mais sombrio e repressivo. Um grito que teve no poema “Uivo”, de Ginsberg, uma de suas melhores e mais profundas traduções.

A voz tresloucada de uma geração
“Uivo” foi lido pela primeira vez em 1955, numa galeria de arte, em agitada noite que foi celebrada pela crítica da época como o “renascimento poético de São Francisco”. Apesar do sucesso, o livro foi imediatamente confiscado e seu editor preso, acusado de obscenidade, o que resultou num processo que se estendeu até 1957.

As razões para a censura, dentro da ótica macartista, não eram poucas. O longo poema é um grito provocativo: “Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa”.

Na seqüência, Ginsberg conduz o leitor por um labirinto em que se misturam ousadas descrições de relações sexuais (homo e hetero), menções constantes ao consumo de drogas e uma angustiante denúncia dos males da sociedade capitalista: “Que esfinge de cimento e alumínio arrombou seus crânios e devorou seus cérebros e imaginação? Moloch! (referência a um deus que se alimentava de sacrifícios humanos) Solidão! Sujeira! Fealdade! Latas de lixo e dólares inatingíveis! Crianças berrando sob as escadarias! Garotos soluçando nos exércitos! Velhos chorando nos parques!”.

Apesar de sua escrita livre e anárquica, os poemas de Ginsberg são extremamente sofisticados. Foram diretamente influenciados pelos chamados poetas “rebeldes”, como Walt Whitman, Apollinaire, Antonin Artaud, Federico García Lorca e Maiakovski, nos quais ele se inspirou.

A militância antiguerra e pró direitos civis
Ginsberg nasceu em 1926, filho de um poeta e professor socialista e de uma imigrante russa comunista. Homossexual assumido, esteve diretamente envolvido nas lutas por direitos civis que varreram os EUA a partir do final dos anos 50. O escritor tornou-se uma figura-símbolo nas mobilizações de 1968 em seu país, sendo um dos criadores do movimento “hippie“ e do ideal do “flower power“, o protesto pacífico contra a Guerra do Vietnã (causa à qual ele dedicou vários de seus poemas).

Capítulo à parte na sua militância gay foi um episódio ocorrido em Cuba, em 1965. Convidado para participar de um congresso de literatura, não se absteve em denunciar o absurdo tratamento repressivo que o regime de Fidel dispensava aos homossexuais, já nos primeiros anos da revolução, o que o levou a praticamente ser expulso do país.

Contraditório, no decorrer da vida Ginsberg foi qualificado das formas mais variadas: poeta-militante, guru-transgressor e libertário-depravado foram algumas definições que o perseguiram até a morte, em 1997, aos 70 anos.

Ressonâncias e ecos “beatniks”
Além de Kerouac, Burroughs e o próprio Ginsberg, a movimento “beat” teve importantes expressões nas obras de gente como Charles Bukowski, dentre vários outros. Já na época o movimento influenciou importantes nomes da cultura pop norte-americana e mundial, como Patty Smith, Lou Reed, Phillip Glass, David Bowie, Bob Dylan, John Lennon e Paul McCartney.

O “beat” continua ecoando entre nós em composições de músicos como The Clash, Charles Mingus, Arto Lindsay ou no ritmo “suingado” de alguns setores do movimento hip-hop. Isso para não falar das influências literárias que se espalham pelo mundo.
Releituras e criações que, vez ou outra, explodem, lembrando que “o pulso ainda pulsa”, e continuará pulsando onde quer que existam inconformismo e indignação diante das mazelas deste asqueroso sistema.