O banco de horas é aplicado no país desde 1990. Hoje existe em praticamente todos os setores da economia, em muitos casos de maneira disfarçada. A decisão dos metalúrgicos de São José dos Campos, que disseram não ao banco de horas, traz mais uma vez o debHá cerca de duas semanas, a multinacional norte-americana General Motors propôs a criação de 600 novos postos de trabalho no complexo industrial de São José dos Campos (SP). No entanto, o presente de grego da montadora embutia um conjunto de medidas como a criação de um banco de horas e o rebaixamento salarial dos novos operários, que seriam ainda admitidos por um tempo limitado, de um ano.

A necessidade de novas contratações da montadora tem a ver com o crescimento do setor automobilístico no país. Só em 2007 as vendas no setor tiveram um crescimento de 28%. A GM detinha uma fatia de 21,3% desse mercado. Para 2008, apesar da crise financeira e econômica que se abate sobre os EUA e sobre a matriz da montadora, a expectativa é de continuidade de aumento nas vendas no mercado brasileiro.

Há aumento nas vendas e há uma expectativa otimista no setor. Mas por que essa situação favorável não se reverte em benefício aos trabalhadores e a empresa propõe a flexibilização dos direitos? Para o professor do Departamento de Sociologia da USP e editor da revista Outubro, Ruy Braga, um dos principais fatores que explica esse movimento é o aumento da concorrência entre as montadoras, que transformou profundamente o ambiente das empresas nos últimos 15 anos. “A classe trabalhadora se tornou a principal fonte de ajuste da concorrência entre as montadoras”, explica o professor.

A fim de diminuir seus custos com mão-de-obra, as empresas passaram a impor uma política de desconcentração da produção, com avanço na terceirização e subcontratação de funcionários. A concorrência entre as montadoras transformou-se em concorrência entre os próprios operários, fragmentando os trabalhadores e minando a solidariedade de classe.

Nesse contexto, a adoção da política do banco de horas foi imposta para disponibilizar o máximo do tempo dos operários para a empresa, diminuindo o tempo livre e degradando ainda mais suas condições de vida. Na prática, significa aumento da jornada de trabalho e rebaixamento salarial.

Financeirização e crise
Outro fator que explica o ataque cada vez maior aos direitos é a crescente presença das montadoras no mercado financeiro, o que, segundo Ruy Braga, “constrange as empresas a buscar uma maior produtividade e a alavancarem os investimentos”. Ou seja, a montadora disponibiliza ativos da empresa no mercado financeiro e força o aumento dos lucros para valorizar seu preço, a fim de conseguir uma rentabilidade máxima de suas ações.

A boa posição da GM no Brasil motiva ainda mais sua busca por lucros. A política da empresa no país, desta forma, faz parte de sua estratégia global. “Nunca podemos esquecer que a GM é altamente lucrativa no Brasil e deficitária no resto do mundo”, explica Braga. Recentemente, a empresa perdeu seu posto de maior montadora do mundo. Já a crise financeira que se alastra a partir da economia norte-americana, intensifica ainda mais a pressão pelo aumento da rentabilidade da empresa. Diante disso, em dezembro último, a GM brasileira reduziu seu capital em R$ 469 milhões, enviando esse dinheiro à matriz para tapar o rombo provocado pela queda das vendas nos EUA.

A CUT e o banco de horas
O banco de horas começou a ser imposto no Brasil em meados da década de 90, quando a política das empresas foi incidir sobre o tempo de trabalho dos operários, substituindo o pagamento das horas extras. No país, foi aplicado a partir do chamado “acordo das montadoras”, realizado logo após a eleição de Fernando Collor.

O acordo envolveu as empresas automobilísticas, direções sindicais e o governo. Na época, o principal sindicato envolvido nas negociações era dos metalúrgicos do ABC, da CUT. Seu principal dirigente era ninguém menos que Luiz Marinho, atual ministro da Previdência do governo Lula. Desta forma, a política conciliatória da CUT abriu o caminho para a precarização do trabalho no país, respaldando as chantagens realizadas pelas montadoras, que recorrem sempre à ameaça “direitos versus emprego”.

O setor vivia na época uma profunda crise e as montadoras se dispuseram então a investir na produção em troca da flexibilização dos direitos. O governo Collor, por sua vez, concedeu pesadas isenções de impostos. Entre 1992 e 1995 a indústria saiu da crise, as empresas se modernizaram e surgiu o parque industrial brasileiro assim como ele é hoje. Hoje, o Brasil é o oitavo país na produção de automóveis, tendo produzido quase 3 milhões de veículos em 2007.

Acordos não impediram desemprego
Para os trabalhadores, porém, esse processo significou o rebaixamento salarial e a perda de direitos. Além disso, as empresas passaram a ter um caráter abertamente anti-sindical, impondo forte resistência à participação de seus empregados em sindicatos.

Pode-se dizer, então, que a flexibilização trabalhista gera empregos, ainda que precários? Não, segundo Ruy Braga. “Imediatamente até pode gerar emprego, mas o dinheiro economizado se reverte em desemprego a médio e longo prazo”, afirma.

Tal tendência é comprovada por dados da própria Anfavea, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, em seu anuário. Segundo a associação, o setor automobilístico, descontada a produção de máquinas agrícolas, contava em 1993 com cerca de 106 mil postos de trabalho. O número de empregos na área foi caindo gradativamente até atingir, em 2003, 79 mil. Nos últimos anos, com o crescimento da produção e o aumento nos investimentos das multinacionais, houve uma melhora relativa. Em 2006, o setor empregava pouco mais de 93 mil trabalhadores.

Já o faturamento das empresas só aumentou em todos esses anos. Em 1993 foi de US$ 22 bilhões, crescendo até atingir os US$ 37 bilhões em 2006. Ou seja, a redução do custo da mão-de-obra não significou maior número de postos de trabalho, pelo contrário. A “economia” com a mão-de-obra foi revertida aos acionistas e às matrizes das multinacionais, assim como aplicada na modernização de equipamentos. Os trabalhadores ficaram com a conta: menos tempo para suas vidas, menos emprego e um salário menor.