As rápidas mudanças de conjuntura causadas pela crise interminável do governo Dilma II tornam difícil escrever sobre saúde pública, pois as notícias mudam diariamente, às vezes de hora em hora. A este fenômeno se agrega outro, que é a deterioração contínua do ambiente econômico, aonde a recessão aumenta a cada nova divulgação de dados.

Frente a este cenário, não nos furtaremos de apontar as ameaças reais e potenciais que o SUS vem sofrendo nos últimos períodos. Quando falamos em potenciais não queremos dizer imaginárias, ao contrário, podem se materializar como saídas burguesas para a crise que se aprofunda.

1 – O subfinanciamento da Saúde continua e vai piorar
Já tocamos neste tema várias vezes, mas nunca é demais enfatizar que esta é a principal causa do mau funcionamento do sistema. Os mecanismos mais importantes que causam esta falta de verbas no SUS são:

a) DRU: O primeiro é a DRU, Desvinculação das Receitas da união, que permite ao governo mexer a seu bel prazer em 20% do orçamento da Seguridade Oocial (saúde, previdência e assistência social). A DRU surgiu em 1994 e vem sendo constantemente prorrogada pelos diferentes governos. O volume de recursos drenados pela DRU, entre 2005 e 2010 foi deR$ 228,7 bilhões!

Na proposta orçamentária de 2015, o governo projetou a DRU deste ano em quase R$ 122 bilhões. O governo Dilma também encaminhou uma PEC ao Congresso com um proposta de prorrogação da DRU até 2023 e elevação da alíquota para 30%.

b) Outro obstáculo objetivo para a ampliação dos gastos com saúde pública é a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), que engessa as administrações de municípios, estados e União, colocando limites burocráticos para os gastos com pessoal, sob pena de graves sanções aos administradores. Sempre que os funcionários reivindicam reajuste salarial, plano de cargos e salários ou contratação de mais funcionários para melhorar a qualidade dos serviços oferecidos, o governante invoca a LRF.

Esta lei também serve para impulsionar o processo de privatização da saúde, ao colocar um limite de gastos com salários do funcionalismo público e induzir os governantes a contratarem funcionários via terceirização, já que estes gastos não entram como despesas de salários para a LRF. Não há como melhorar os serviços públicos de saúde sem um aumento significativo dos gastos com saúde, pois é uma área que exige gastos intensivos com pessoal.

c) PEC 86/15: Causou a lamentável definição de um piso constitucional anêmico de gastos do Governo Federal, que chegará a 15% da receita corrente líquida da União apenas em 2020. Talvez um dos maiores fiascos dos governos de frente popular Lula-Dilma tenha sido a votação da EC 29 transformada em Lei Complementar 141/12, que terminou por apenas obrigar o Governo Federal a aumentar os gastos em saúde de acordo com a variação do PIB.

A EC 86/15 tentou consertar este desastre, mas acabou por estabelecer um baixo patamar de gastos federais com saúde. Como teremos 2015 e provavelmente 2016 com variações negativas do PIB, as perspectivas de gastos federais com saúde são as piores possíveis. Para agravar ainda mais este cenário, a EC 86/15 também estabeleceu o tristemente famoso orçamento impositivo, deixando na mão dos parlamentares nada menos do que 1,2% do orçamento para as famosas emendas paroquiais para gastos em saúde, que nada tem a ver com um sistema planejado e científico, e tem tudo a ver onde estão as bases eleitorais de cada parlamentar.

d) Ajuste fiscal: Só para 2015, já foram cortados R$ 12,6 bilhões do orçamento federal para a saúde. Ao contrário da balela de que “em gasto social não se mexe”, é exatamente isso que Dilma e seu ministro da fazenda Joaquim Levy estão fazendo.

e) Queda nos gastos de estados e municípios: Como a arrecadação de impostos está caindo em 2015 e provavelmente 2016, é fácil concluir que os gastos dos estados e municípios também sofrerão cortes importantes, o que diminuirá ainda mais o bolo geral de gastos em saúde.

f) Aumento do desemprego: O desemprego crescente provoca uma migração de parte dos usuários da saúde complementar (planos de saúde) para a rede pública, que terá de atendê-los com menos verbas disponíveis.

2- A abertura da Saúde para o capital internacional vai se aprofundar
A Lei 13097/15, uma verdadeira aberração jurídica, no seu capítulo 17, abriu legalmente o mercado de saúde para as empresas internacionais. A venda da AMIL para a OneHealth, empresa americana, é apenas a ponta do iceberg.

A desvalorização do Real frente ao Dólar deve intensificar este processo de internacionalização, que trará mais prejuízos do que vantagens para a saúde. Deverá aprofundar o processo de mercantilização da saúde, com a introdução de tecnologias de controle de gastos com os pacientes via controle de trabalho dos profissionais. O exemplo do sistema de saúde americano não é nada animador neste sentido, pois apesar dos EUA serem o mais importante e rico país capitalista, seu sistema de saúde não é referência para ninguém.

O argumento esgrimido por defensores do governo de que este fenômeno não interfere no SUS é totalmente inverídico. Em primeiro lugar, porque parte dos gastos que será cortada na rede privada internacionalizada vai acabar sendo transferida ao SUS, como já cansamos de ver com vários segmentos de mercados pouco lucrativos (pacientes psiquiátricos, poli traumatizados, portadores de doenças crônicas,etc.). Em segundo lugar, porque as empresas internacionalizadas poderão sim prestar serviços ao SUS. Em terceiro lugar porque a Lei 13097 permite a compra de hospitais filantrópicos pelo capital internacional, escancarando as portas dos SUS para estas empresas.

3- A volta da CPMF
O tema do retorno da CPMF tomou conta da mídia nos últimos dias de agosto, sob o argumento do ministro da saúde Artur Chioro de que o SUS está à beira da falência. Aparentemente, esta medida foi bombardeada por dentro do governo após a recusa do vice-presidente Michel Temer de garantir a votação da mesma no Congresso Nacional. No entanto, é sempre bom lembrar que o objetivo verdadeiro do retorno da CPMF não era o de salvar o SUS e sim o de garantir algo em torno de R$ 70 bilhões extras na arrecadação para salvar o superávit fiscal de 2016.

Este é um ataque ao SUS, pois dissemina uma informação distorcida no imaginário da população, que fica achando que o dinheiro vai para o SUS quando na realidade vai para os banqueiros já que, como sabemos, quase metade do Orçamento Federal se destina ao pagamento dos juros e serviços da dívida pública.

4- A Agenda Brasil
Com este nome pomposo, o Presidente do Senado (e acusado de envolvimento no Lava Jato) Renan Calheiros (PMDB-AL) costurou algumas propostas para “tirar o país da crise”. No que diz respeito à Saúde foram duas as principais propostas:

a) Procurar impedir legalmente o pagamento pelo SUS de tratamentos experimentais, sob o argumento de “evitar a judicialização da saúde”. Este tema mereceria uma série de considerações à parte, que não são tema deste artigo, já que dentro da assim chamada judicialização da saúde cabem assuntos tão diversos como a dificuldade de acesso ao sistema de saúde, o direito da população às inovações tecnológicas e, por outro lado, a pressão da indústria farmacêutica e outros interesses empresariais alheios às reais necessidades da população.

b) A proposta mais polêmica é a da introdução do copagamento no SUS, dito em outras palavras, começar a cobrar por consultas, exames e outros procedimentos dentro do sistema público de saúde. Naturalmente, dizia Renan Calheiros, de acordo com a renda do cidadão. Esta proposta, por hora deixada de lado pelo governo após repercussão negativa entre diversos movimentos sociais que lutam em defesa do SUS, é extremamente perigosa, pois pode retornar a qualquer momento, seja neste governo, seja num eventual governo da oposição de direita que possa surgir frente a um desgaste maior de Dilma.

Trata-se de um crime contra o SUS e contra a classe trabalhadora, pois vai contra todos os pilares fundacionais do sistema. Ataca a integralidade, a universalidade e a equidade, pois ignora a lógica mesma de encarar a atenção à saúde como um direito e não como um rol de procedimentos que geram custo para o usuário, o que fatalmente levará à situação de o usuário ter de escolher qual procedimento vai fazer frente a seu custo.

5- A PEC 451 de Eduardo Cunha (PMDB-RJ)
Esta PEC é mais uma alternativa de setores empresariais de ataque ao SUS e, com certeza, é a conta que está sendo cobrada pelos diversos planos de saúde privados que investiram pesado na última eleição financiando campanhas de diversos políticos do governo e da oposição de direita, inclusive a campanha de Eduardo Cunha.

Se for transformada em lei, permitirá um processo de privatização selvagem do sistema de saúde, pois sua proposta é de obrigar a todos os empregadores (com exceção dos domésticos) a garantirem a seus funcionários serviços de assistência em saúde, ou seja, planos de saúde. Evidentemente, com direito à isenção fiscal. Isso criaria um mercado cativo de milhões de trabalhadores aos planos de saúde e deixaria o SUS como um serviço para os desempregados e desvalidos, esvaziando em muito sua função social e diminuindo seus custos.

O esvaziamento do SUS criaria uma avalanche de desvalorização salarial para os trabalhadores da saúde, pois deixaria a patronal da saúde sem concorrência. A precarização do trabalho em saúde daria um salto qualitativo para trás.

6- A derrota do movimento contra a privatização da Saúde no STF
Este ano o movimento teve uma derrota jurídica de monta no julgamento da ação pela inconstitucionalidade das Organizações Sociais (ADI 1923). O julgamento que declarou a constitucionalidade das OSsdeu fôlego para os processos de privatização implementados por diversos governos (sejam da oposição de direita, seja do governismo) e mostram que a forma mais eficaz de luta é a luta direta da classe trabalhadora.

7- O programa Mais Médicos
Trata-se de um ataque aos SUS através de dois mecanismos:

a) O primeiro é o da precarização do trabalho médico, pois o trabalhador é contratado por mecanismo privado (via Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), não tem salário e sim bolsa, não tem uma série de direitos trabalhistas. Para piorar, foi amplamente denunciado que boa parte do salário dos médicos cubanos não fica para eles e sim para o governo cubano, que funciona como uma agência de emprego terceirizado. O “Mais Médicos” também é um ataque aos profissionais não médicos, ignorados pelo programa, fazendo retroceder uma conquista que é o trabalho em equipe multiprofissional.

b) O segundo ataque tem a ver com o pilar da formação médica. O governo Dilma tem propagandeado o aumento de vagas dos cursos de medicina, porém este aumento se dará às custas de vagas em faculdades privadas, com altas mensalidades, que deverão ser subsidiadas pelo Governo Federal. Só no estado de São Paulo serão abertos treze novos cursos de medicina, com 930 vagas, todas em faculdades privadas.

A saída é a formação de um terceiro campo de oposição aos governos
Nestes momentos de crise econômica e política, temos visto em diversos países os governos seguindo as diretrizes do FMI, Banco Mundial, etc., com o receituário de privatizações e ataques aos direitos dos trabalhadores.

No Brasil, o governo Dilma se reelegeu num momento de forte polarização política iniciada com as jornadas de junho de 2013 que sacudiram o país reivindicando melhores serviços públicos. Nas eleições, Dilma prometeu que não mexeria nos direitos dos trabalhadores “nem que a vaca tussa”. A crise econômica mundial se aprofundou nos chamados países emergentes e temos visto uma série de medidas do governo Dilma/Levy que afetam diretamente os direitos dos trabalhadores e em especial ao SUS. Cortes no financiamento, aumento da privatização, precarização nas relações e nas condições de trabalho. São políticas que pioram e dificultam ainda mais o acesso dos 75% da população que depende exclusivamente da saúde pública.

Frente às diversas manifestações que vimos nos últimos meses, hora defendendo o governo frente a um suposto golpe da direita, hora reivindicando impeachment da presidente, torna-se necessário que os trabalhadores construam um terceiro campo. Este campo deve ser contrário a todos os ataques aos direitos trabalhistas e às privatizações, precisa impulsionar junto aos sindicatos combativos e aos movimentos sociais a construção de uma greve geral que possa apresentar um programa da nossa classe para sair da crise e dentro disso a defesa do SUS, contra todas as formas de privatizações na saúde, contra todas as tentativas de diminuição e retirada de investimentos e pela imediata ampliação do financiamento da saúde pública para 10% do PIB como forma de garantir um atendimento adequado e digno para os trabalhadores que dependem dele.

Entre as tarefas imediatas para impulsionar a construção deste campo contra o governismo e a oposição de direita citamos duas em especial. A primeira é cercar os movimentos e greves que já estão acontecendo de todo apoio e solidariedade. A segunda tarefa é o fortalecimento da marcha da classe trabalhadora contra o ajuste fiscal que ocorrerá dia 18 de setembro em São Paulo.

É muito importante que as entidades que lutam contra a privatização da saúde e em defesa do SUS se incorporem a esta marcha e participem do encontro nacional de ativistas que se dará no dia 19 de setembro, também em São Paulo.