Redação

Paulo Aguena

A classe operária no Brasil começa a se desenvolver no final do século 19, resultado das transformações econômicas, sociais e políticas da época. O modelo agrário-exportador, baseado na produção de café, ganhou nova força ao se deslocar do Vale do Paraíba para o Oeste Paulista, criando as condições para a constituição do capital industrial e do trabalho assalariado no Brasil.

A mão-de-obra escrava foi sendo substituída pela européia, atraída para trabalhar nas fazendas e nas indústrias que se desenvolviam nas cidades. Os primeiros núcleos operários surgiram principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, formados em sua maioria por imigrantes vindos da Itália, Espanha e Portugal.

As condições de vida e de trabalho eram extremamente difíceis. Os salários eram baixos e a jornadas de trabalho eram de 12 a 15 horas por dia, sem direito ao descanso nos finais de semana e feriados. Sem contratos de trabalho, as demissões aconteciam verbalmente e a qualquer momento.

Os patrões não se responsabilizavam por doenças ou acidentes de trabalho. Nas fábricas, os operários recebiam ameaças, castigos e multas. Quando alguém ficava doente era socorrido por meio de listas. Os aluguéis eram caros e vivia-se em cortiços sem água, luz e esgoto, geralmente perto das fábricas.

As primeiras organizações e reivindicações
As associações mutualistas e de socorro mútuo tinham por finalidade obras assistenciais e ajuda recíproca nos problemas de saúde, acidentes, etc. Foram as primeiras formas de organização da classe operária, a exemplo da Sociedade de Oficiais e Empregados da Marinha (1833), Sociedade de Auxílio-Mútuo dos Empregados da Alfândega (1838), Sociedade de Bem-Estar dos Cocheiros (1856) e Associação de Auxílio-Mútuo dos Empregados da Tipografia Nacional (1873).

As ligas operárias começaram a ultrapassar os limites do assistencialismo e do mutualismo. Reunindo quase sempre operários de diversos ofícios e indústrias, tinham como objetivo a defesa dos interesses imediatos e comuns de todas as categorias, como melhoria dos salários, diminuição da jornada de trabalho, etc. Mais tarde apareceram as sociedades de resistência, que eram núcleos mais homogêneos surgidos das primitivas ligas.

Nos primeiros anos do século 20, as associações de resistência evoluíram e deram origem aos sindicatos. As principais lutas dos sindicatos tinham um caráter restrito e reivindicavam melhores condições de trabalho: aumento salarial, jornada de oito horas, repouso semanal, regulamentação do trabalho da mulher e do menor.

Nessa fase inicial da organização do movimento operário, que se estendeu até o início dos anos 20, suas maiores lideranças eram de formação anarquista e anarco-sindicalista. Ficaram conhecidos nomes como Everardo Dias (1883-1968, operário gráfico e editor do jornal “O Livre Pensador”); Oreste Ristori (jornal “La Bataglia”), Edgard Leuenroth (jornal “A Plebe”), Neno Vasco (jornal “O Amigo do Povo”), entre outros. Eles organizaram os sindicatos livres, as federações de trabalhadores e a primeira Confederação Operária Brasileira (COB).

O I Congresso Operário Brasileiro e a fundação da Confederação Operária Brasileira
Insatisfeitos com a política dos patrões e do governo, os trabalhadores avançaram em sua organização e realizaram entre 15 e 20 de abril de 1906, no Rio de Janeiro, o I Congresso Operário Brasileiro. Participaram 43 delegados, representando 28 sindicatos.

Com maioria de anarco-sindicalistas, o congresso votou a criação da Confederação Operária Brasileira (COB), optando pela luta direta de caráter econômico, contra a luta política levada pelos partidos, em especial a eleitoral. O assistencialismo, o mutualismo e o cooperativismo também foram negados.

Como métodos de ação, foram aprovados a greve (o principal instrumento), sabotagem, boicote, manifestações públicas e outros. O congresso definiu o 1º de Maio como dia de luta dos trabalhadores e a publicação do jornal “A Voz do Trabalhador”.
Sobre estrutura de funcionamento, foi aprovada a substituição das diretorias por comissões de administração; a relação dos sindicatos com as federações como confederativa e não centralizada; não-remuneração dos funcionários e diretores, salvo exceções.

Outras iniciativas foram: uma campanha pela jornada de oito horas; posicionamentos contra o militarismo, as multas nas fábricas, pela indenização por acidentes de trabalho, pelo pagamento em dia dos salários, contra o alcoolismo, pela regulamentação do trabalho feminino e proibição do infantil, contra os aumentos dos aluguéis, em defesa dos colonos (contra os maus tratos dos fazendeiros), pelo direito de organização dos sindicatos rurais, pela garantia do direito de reunião e pela criação de escolas laicas para os sindicalizados.

O 1º de Maio após o congresso foi concorrido. Quinze dias depois, os ferroviários entraram em greve. Em 1907 as atividades seguiram aumentando. Entraram em greve os trabalhadores do Moinho Matarazzo. Paralisaram as atividades os metalúrgicos, gráficos, tecelões, costureiras, cigarreiros, encanadores, etc.

A greve alastrou-se por todo o estado de São Paulo e o governo reagiu reprimindo o movimento. Em meio à mobilização e à repressão, a COB foi fundada somente em 1908, unindo cerca de 50 entidades sindicais.

O Congresso Amarelo e a Lei Adolfo Gordo
Em resposta à crescente organização dos trabalhadores, o governo realizou, por meio do deputado Mário Hermes da Fonseca (filho do então presidente da República), um outro congresso operário para ganhar uma parte dos dirigentes sindicais. Ele ocorreu em 1912, com 187 delegados e cerca de 70 entidades, com passagens pagas pelo governo.

Suas principais deliberações foram a construção de casas operárias financiadas pelo governo, a criação de auxílio e proteção, a regulamentação do trabalho da mulher e do menor, a jornada de trabalho de oito horas e o incentivo ao mutualismo e ao cooperativismo. Aprovou-se também a criação de um partido operário e da Central dos Trabalhadores Brasileiros (CTB).

Como parte dessa ofensiva, foi promulgada em janeiro de 1913 a Lei de Expulsão dos Estrangeiros, conhecida como Lei Adolfo Gordo, que provocou a expulsão de mais de uma centena de operários, na sua maioria líderes sindicais.

O II Congresso Operário Brasileiro
O movimento operário não se intimidou. Na campanha contra a Lei Adolfo Gordo, o jornal “A Voz do Trabalhador” voltou a ser publicado e o II Congresso Operário Brasileiro foi convocado.

Realizado em 1913 no Rio de Janeiro, esse Congresso teve 100 delegados e 60 entidades, ainda com maioria de correntes anarquistas e anarcosindicalistas.

Debateu-se o que seria o socialismo anarquista e a luta contra o assistencialismo.
O congresso reconheceu novamente a ação direta como método de luta e discutiu questões de organização, o papel da imprensa operária e da ação sindical. Foi aprovada uma campanha pelo salário mínimo nacional e contra a participação do Brasil na Primeira Guerra Mundial.

A greve geral de 1917
A Primeira Guerra afetou profundamente a economia do país e a vida dos trabalhadores. Começaram a faltar produtos industrializados vindos da Europa e alimentos; a jornada e o ritmo de trabalho, para garantir a exportação; os aluguéis subiam. O movimento operário começou a reagir.

No início de julho de 1917, cerca de 400 operários pararam a indústria têxtil Cotonifício Rodolpho Crespi, em São Paulo. Logo outras fábricas entraram em greve, como a Estamparia Ipiranga, Lanifício de Antonio Camilis e a Antarctica. As paralisações chegaram às fábricas de Itaquera, Cotia e Ribeirão Pires.

O governo reprimiu o movimento utilizando a polícia. Os feridos e detidos eram centenas. O sapateiro Antônio Martinez morreu nos conflitos, provocando uma reação imediata do movimento. Na manhã de 11 de julho, seu enterro se tornou uma simbólica manifestação. O cortejo com mais de 10 mil pessoas partiu da rua Caetano Pinto, no Brás, se estendendo por toda a rua Rangel Pestana, até a ladeira do Carmo, no Centro.

Na volta, um assalto a uma carrocinha de pão iniciou uma onda de saques, transformando a greve geral numa revolta popular. O comércio fechou portas e os armazéns dos bairros foram atacados.

Entre os dias 12 e 15 de julho o número de grevistas reivindicando aumento salarial e melhores condições de trabalho passou de 25 para 45 mil trabalhadores. Sob a direção do Comitê de Defesa Proletária (CDP), fundado em 1915, a cidade de São Paulo ficou nas mãos dos grevistas por dezenas de dias. Assembléias gerais com até 80 mil pessoas eram realizadas na Praça da Sé, nos bairros da Móoca e da Lapa.

O governo não conseguiu vencer o movimento com a repressão. A greve só chegou ao fim com uma negociação entre o CDP e uma comissão de jornalistas representando o governo e os patrões. O governo prometeu um aumento de 20% dos salários, nenhuma perseguição ou punição aos grevistas, cumprimento da jornada de oito horas e proibição do trabalho noturno para as mulheres e menores.

As promessas não foram cumpridas e os patrões demitiram os grevistas. Mas a greve geral transformou-se num exemplo de luta para a classe trabalhadora do país.

O fracasso da greve geral insurrecional de 1918
O 1º de Maio de 1918 foi diferente ao promover uma grande confraternização e solidariedade com a Revolução Russa. No mesmo ano, inspirados pela idéias anarco-sindicalistas, tentou-se organizar uma nova greve geral. Os ativistas queriam eliminar, pela ação direta e violenta, a exploração capitalista e criar uma sociedade igualitária.

O centro do plano era a cidade do Rio de Janeiro, mas a tentativa de tomar o poder resultou em fracasso. Enormes manifestações ocorreram no campo de São Cristóvão, na praça da República e em outros pontos da cidade, com o objetivo de organizar a inssureição. No entanto, as forças repressivas cercaram os protestos, prendendo dezenas.

Ficou evidente que, apesar do heroísmo, a classe operária dirigida pelos anarquistas não estava suficientemente organizada. Não tinham um partido centralizado nacionalmente como ocorrera na Rússia.

A superação do anarquismo e a fundação do PCB
Em congresso ocorrido nos dias 25, 26 e 27 de março de 1922, foi fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB). Diferente de outros países, seus dirigentes não surgiram da social-democracia, mas do anarco-sindicalismo e do anarquismo. Com exceção do alfaiate espanhol Manuel Cendón, que tinha alguma noção do marxismo, os demais haviam militado no anarco-sindicalismo: Astrogildo Pereira Duarte da Silva (jornalista), Cristiano Cordeiro (advogado), Joaquim Barbosa (alfaiate), João da Costa Pimenta (tipógrafo), Luís Alves Peres (varredor), Hermógenes da Silva (eletricista e ferroviário), Abílio de Nequete (barbeiro) e José Elias da Silva (construção civil).

A formação do PCB materializava as conclusões a que ex-dirigentes anarquistas haviam chegado quanto aos limites do projeto libertário. Entenderam a necessidade de uma organização, um partido do tipo bolchevique, capaz de centralizar e reunir a ação política da classe operária para destruir o Estado e conquistar o poder político, rompendo a visão “economicista” e “apolítica” da ação direta.

Mas o recém-fundado PCB teve um período breve de atuação legal. Em julho de 1922 o então presidente Artur Bernardes, em razão das reivindicações operárias e da rebelião dos tenentes do Forte de Copacabana, decretou o estado de sítio. A sede do PCB foi fechada e o partido passou à ilegalidade.

Apesar disso, o PCB começou a lutar pela direção sindical e política da classe operária. Defendendo sua unidade sindical e política, buscou construir a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e um bloco político, o Bloco Operário e Camponês (BOC). Paralelamente, a Juventude Comunista foi criada em 1925. No mesmo ano é lançado o jornal “A Classe Operária”.

A construção da CGT
Em 1923 ocorre a Conferência Sindical Regional do Rio de Janeiro, convocada pela Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, dirigida pelos anarquistas. Os comunistas presentes na conferência lutaram pela unidade do movimento, defendendo que a federação abrigasse todos os sindicatos, sem distinção de tendências. Os anarco-sindicalistas defendiam a unidade com base nos princípios anarquistas. Ao ficarem em minoria, se retiraram da conferência e fundaram a Federação Operária.
Em fins do mesmo ano, outra conferência aconteceu, promovida pela Confederação Sindicalista-Cooperativista Brasileira, dirigida pelos pelegos. A intervenção dos delegados comunistas ganhou a maioria. Com isso, o presidente da CSCB pôs fim à conferência.

Em 1925, mais uma conferência é convocada pela Federação Operária do Rio de Janeiro. Chocam-se novamente os pontos de vistas de comunistas e anarquistas.

Enquanto os anarquistas defenderam a unidade orgânica com base nos “puros princípios” anarquistas, os comunistas defenderam a unidade com aqueles que não defendiam tais princípios. Os comunistas obtiveram a maioria e foi constituído um comitê provisório de organização. No entanto, seus trabalhos foram interrompidos pela repressão após o 1º de Maio.

A idéia de construir a CGT surgiu em julho, contraditoriamente proposta pela União dos Empregados do Comércio (UEC), de orientação pelega. Os comunistas apoiaram a idéia e, em seu 2º Congresso realizado naquele ano, aprovaram um plano para a construção da CGT. A idéia era constituir grupos e comitês pró-CGT nos sindicatos, que se uniriam através de federações em nível regional, estadual e nacionalmente, por meio do Comitê Central Nacional provisório, encarregado de levar os trabalhos até o congresso de fundação. Os anarco-sindicalistas e os próprios sindicalistas amarelos (pelegos e reformistas) se uniram contra esse plano, mas logo ele ganharia o apoio da maioria da classe operária.

Em 1929 é finalmente realizado o Congresso Sindical Nacional e é fundada a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB). Essa política, somada à tática do Bloco Operário e Camponês (BOC) – uma frente que deveria reunir o conjunto das oposições – formado em 1928, levou o PCB a ganhar a hegemonia na classe operária.

Post author Paulo Aguena, da Direção Nacional do PSTU
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