PSTU no III Fórum Social Mundial, em Porto Alegre
Diego Cruz
Eduardo Almeida

O socialismo não é uma utopia. Utopia é acreditar na possibilidade de que o povo brasileiro possa resolver os graves problemas sociais por dentro do capitalismo. Ou que Obama e Lula possam acabar com a crise econômica sem grandes problemas para os trabalhadores. Utopias reacionárias são essas ideologias amplamente defendidas pelos propagandistas oficiais e infelizmente majoritárias entre os trabalhadores.

Na verdade, o socialismo não é só possível, como a única alternativa contra a barbárie. Não existe capitalismo sem crises, e a cada uma delas o capitalismo nos aproxima mais da barbárie.

Se quiséssemos resumir em um motivo o orgulho que sentimos pelo aniversário de 15 anos do PSTU, podemos dizer que o partido se justifica por ter mantido erguida a bandeira do socialismo revolucionário.

Durante a década de 90, a gigantesca campanha de propaganda ao redor da queda das ditaduras stalinistas do Leste afirmava que “o socialismo morreu”; que não existia alternativa ao capitalismo, que este seguia sendo o melhor caminho para o progresso da humanidade. A crise econômica atual está questionando diretamente essa falsa ideologia.

No entanto, ainda não existe uma contrapartida na afirmação de uma alternativa socialista. Em primeiro lugar, porque não existe ainda um grande ascenso operário, como resposta à crise econômica. Quando isso ocorrer, veremos o espaço para as idéias socialistas se ampliar.

Em segundo lugar, hoje não existem mais os estados operários, como a URSS. Isso dava para os trabalhadores de todo o mundo a comprovação de uma alternativa de sociedade não capitalista. Hoje não existe a influência de massas nefasta das posições stalinistas, mas nem tampouco a difusão ampliada do socialismo.

Até a década de 80 existia uma ampla hegemonia das posições socialistas na intelectualidade, e a vanguarda que nascia das lutas já surgia socialista. Hoje, a vanguarda que surge não é socialista. Um anticapitalismo confuso é o que predomina nos ativistas. Ainda existe ceticismo e confusão sobre a possibilidade do socialismo.

A tendência é a retomada do espaço para as posições socialistas como contraposição à ampliação da crise do capital. O problema que está colocado é que tipo de socialismo surgirá como alternativa. Predominará a visão reformista, que conduzirá a mais derrotas? Ou o socialismo revolucionário abrirá as portas da tomada do poder em algum país?

Propriedade privada:
grande trava da humanidade

O capitalismo é o domínio das grandes empresas privadas sobre a sociedade. Como se baseia na lógica da busca de lucros, predomina a anarquia da produção, o consumo supérfluo de uma minoria, a exploração e a miséria da maioria dos trabalhadores e o ataque desenfreado aos recursos naturais que leva ao atual desastre ecológico mundial.

Com as crises, inevitáveis no capitalismo, todos esses elementos se ampliam fortemente. O desemprego e a miséria se alastram. Os 11 trilhões de dólares entregues aos banqueiros poderiam ser usados para acabar com a fome e o desemprego, mas foram destinados a salvar os lucros e as propriedades dos ricaços.

Não existe nenhuma possibilidade de reformar este capitalismo, como apontam os utópicos defensores de uma “nova regulação” do capital, um “novo Bretton Woods”. Ao contrário, já se manifestam os sinais de como o capitalismo se prepara para escapar desta crise: uma maior centralização do capital (como nas fusões da indústria automobilística); um predomínio ainda mais forte do capital financeiro e a redução dos salários e direitos dos trabalhadores (veja-se os “acordos” da indústria automobilítica dos EUA).

A abolição da propriedade privada das grandes empresas é a única alternativa para evitar as crises e a barbárie. Só assim será possível organizar a economia para satisfazer às necessidades dos trabalhadores e não para aumentar os lucros de uma minoria.

A evolução da URSS mostrou o que isso pode significar. Um país que, antes da revolução era o mais atrasado da Europa, se transformou em uma potência mundial que rivalizou com os EUA. Acabou com o desemprego, a fome e o analfabetismo. A burocratização stalinista da URSS acabou com esta experiência histórica fantástica e acabou levando-a a restauração do capitalismo e ao desastre atual. Mas nada poderá apagar este exemplo do que pode significar a abolição da propriedade privada.

Uma democracia muito maior que a burguesa
A burguesia afirma que o igualitarismo socialista destrói a liberdade, que a democracia é indissociável da propriedade privada.

As ditaduras stalinistas ajudaram a burguesia a associar o socialismo com a burocracia, a incompetência, a asfixia da arte e da ciência. A derrubada das ditaduras levou a burguesia a proclamar a democracia burguesa como “a única democracia”. A maioria absoluta da esquerda aceitou esta “verdade” e abandonou qualquer expectativa de superação e destruição do estado burguês e seu regime “democrático”.

Mas o estado dirigido por uma classe social é uma ditadura sobre as outras classes. Não é diferente com a burguesia. A democracia burguesa é uma ditadura disfarçada, com eleições a cada dois anos. Aceitar a democracia burguesa como algo insuperável é abandonar a estratégia socialista.

Como a grande burguesia controla a economia, dirige também o Estado. Possui os grandes meios de comunicação, financia os grandes partidos, compra votos em grande escala, e um longo etc. Todas as eleições são viciadas. Ganham os candidatos que a grande burguesia apóia, ou outros (como Lula) que se dispôem a fazer o que eles mandam. É por isto que, apesar de votar a cada dois anos, nada muda.

A abolição do capitalismo e do estado burguês permitiria a construção de outro estado, com uma democracia muito superior à burguesa. Um estado operário seria a expressão da dominação da maioria sobre uma minoria. Existiria uma ampla democracia operária, em que os trabalhadores poderiam livremente debater e decidir os grandes temas políticos e econômicos.

A experiência da democracia operária nos primeiros sete anos da revolução russa, antes da burocratização do stalinismo, foi o maior exemplo histórico de como isso pode ser feito. Os trabalhadores discutiam e decidiam livremente nos sovietes. Os representantes eram eleitos e podiam ser revogados a qualquer momento. Assim se debateu e deliberou sobre os destinos da guerra e os rumos da economia.

Existia uma efervescência artística que só era possível pela ampla liberdade existente. Isso possibilitou o surgimento de gênios como Mayakovski na poesia e Eisestein no ciema, até hoje reverenciados pela cultura mundial.

Hoje uma democracia operária poderia se valer dos avanços da tecnologia.
A televisão e a Internet permitem um grau de informação da vida econômica, política, cultural e social do mundo muito superior aos tempos da revolução russa. Isso posibilitaria que as informações e debates chegassem às casas dos trabalhadores e seus locais de trabalho com muito maior amplitude.
A democracia operária poderia se enriquecer.

Socialização da miséria?
Uma das maiores farsas que se armou contra o programa socialista é que significaria a “socialização da miséria”. Nada mais falso. O programa socialista aponta para o oposto, a satisfação das necessidades materiais e culturais da humanidade como base para sua libertação, em um nível muito superior ao do capitalismo.

Isso implica em primeiro lugar na resolução das necessidades básicas como alimentação, trabalho, habitação, educação, saúde, transporte, lazer- que são inacessíveis em quantidade e qualidade para a maioria da população no capitalismo.
A abolição da propriedade privada das grandes empresas e a planificação da produção já poderia suprir essas necessidades básicas. Como sabemos o socialismo só é possível como parte de uma planificação internacional da produção. E o salto na internacionalização da produção- fruto da globalização dos últimos trinta anos- facilitaria em muito a construção do socialismo.

Mas o programa socialista não se esgota na satisfação das necessidades mais básicas como essas. O fim do capitalismo abre as portas para que a humanidade possa avançar para encarar novas e mais complexas necessidades.

O marxismo define a própria necessidade como algo relativo e determinado pela evolução das forças produtivas. As necessidades hoje, por exemplo, são distintas da época da revolução russa, em que não existia televisão nem muito menos Internet. Pensar em um projeto socialista que não inclua essas necessidades seria um óbvio equívoco irrealizável.

No capitalismo, os avanços da tecnologia (que possibilita produzir mais em menos tempo), leva ao aumento do desemprego. Com a abolição do capitalismo, as inovações tecnológicas poderiam diminuir a jornada de trabalho. Os trabalhadores poderiam trabalhar menos e dedicar o resto do tempo para sua educação, vida cultural e lazer. Mais importante ainda, teriam tempo para controlar a economia e a sociedade.

Seria possível avançar na superação da divisão entre o trabalho manual e intelectual. A liberdade real, a superação da alienação só será possível quando o trabalho não for mais uma obrigação imposta e sofrida, mas um fator de realização plena do indivíduo.

Isso significa não a “socialização da miséria”, mas um mundo muito mais rico material e culturalmente. Mas isso para todos e não para uma ridícula minoria.

O que existe de socialismo na Venezuela?
Nada. Os defensores do “socialismo do século XXI” chavista prestam um desserviço à causa do proletariado, como os partidos comunistas quando defendiam as ditaduras do leste como “socialistas”.

Na verdade, trata-se de algo qualitativamente pior. Apesar das monstruosiades do stalinismo, na URSS se tinha expropriado o capital, o que não acontece na Venezuela.
O governo Chavez é nacionalista burguês. Tem uma retórica antiimperialista e realiza algumas nacionalizações progressivas. Mas não tem nenhum projeto socialista.

As nacionalizações são parciais, preservando em muitos casos a propriedade das multinacionais, como no petróleo, em que as grandes petroleiras norte-americanas, inglesas e espanholas seguem com 49% dos lucros, e convivem muito bem com o governo. Além disso, essas “nacionalizações” incluem pagamentos bem elevados, satisfazendo na maioria dos casos as empresas em questão.

No entanto, são nacionalizações progressivas (ao contrário das reacionárias de Obama), porque não são para salvar essas empresas e depois devolvê-las, e ampliam a esfera da soberania do país.

Mas isso não tem nada a ver com o socialismo, mas com o nacionalismo burguês. Perón fez nacionalizações muito parecidas com as ferrovias inglesas, assim como Alvarado no Perú e Cárdenas no México.

A economia como um todo na Venezuela segue sendo capitalista, regida pelo mercado e dominada pelas multinacionais. A propriedade privada das grandes empresas não foi questionada. Por este motivo, a miséria dos trabalhadores venezuelanos é a mesma dos brasileiros, o índice de desemprego é semelhante, os salários dos trabalhadores equivalentes.

Uma burguesia “bolivariana” cresce a sombra do Estado, com figuras como Diosdado Cabelo, que já é hoje um dos grandes burgueses do país e um dos líderes do PSUV. Os banqueiros seguem batendo recordes nos lucros, como no Brasil. A corrupção é gigantesca, ainda maior que a brasileira, pela renda do petróleo.

Não existe democracia operária, porque o Estado burguês segue intacto. Mas precisamente existe cada vem menos democracia burguesa e mais autoritarismo burguês. O projeto chavista tem um claro perfil bonapartista, de ataque à liberdades democráticas. Chavez já se pronunciou claramente contra a liberdade e autonomia sindical, protegendo a burocracia sindical oficialista. E reprime as moblizações dos trabalhadores quando é necessário.

Foram assassinados 434 dirigentes sindicais no período chavista. As iniciativas dos assassinatos, aparentemente partem de setores da burguesia e do aparato de estado local (inclusive do PSUV), acobertados pelo silêncio e cumplicidade oficial. Foi assim com o assassinato em outubro do ano passado de Richard Gallardo e Luís Hernández , dirigentes da CCURA, que de pois de uma “investigação ” foi atribuída falsamente a um ativista. Está sendo assim com o assassinato em maio passado de Argenis José Vásquez Marcano, dirigente da greve da Toyota, até agora sem explicação.

A esquerda chavista se cala ante aos assassinatos. Se um ativista honesto acessar neste momento as páginas na internet do PT, PCdoB ou PSOL ou ler agum de seus jornais, não vai encontrar nenhuma denúncia, nenhuma exigência de apuração desses assassinatos. E não é por acaso. Aqui se repetem mais uma vez os erros da esquerda que acobertou por anos e anos os crimes do stalinismo.

Na Venezuela, como no Brasil, é necessária a construção de uma alternativa independente dos trabalhadores, contraposta aos dois campos burgueses (o da oposição de direita e o do governo). Caso isso não se dê a derrota inevitável do governo Chavez (por eleições ou golpe militar), levará junto todo o movimento de massas. Esse foi o destino de todos os setores de esquerda que capitularam a esses governos nacionalistas, como a esquerda peronista, da qual não sobrou nada nos dias de hoje.
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