Julio Cortázar
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Após 25 anos de sua morte, o escritor argentino ressurge numa obra que reúne textos inéditos: uma boa razão para relembrar sua literaturaNo dia 12 de abril de 1984, a leucemia interrompeu a vida de um dos maiores escritores modernos da América Latina e do mundo. O argentino Julio Cortázar cravou seu nome na literatura pela originalidade dos textos e por uma impressionante habilidade na arte de narrar.

Hoje, 25 anos depois de sua morte, Cortázar continua surpreendente. A editora espanhola Alfaguara prevê para maio o lançamento de uma obra que reúne escritos inéditos do autor. Com o título de Papeles Inesperados (Papéis Inesperados), o livro marca o retorno de um verdadeiro imortal.

Direto do baú
Foi na semana do Natal de 2006 que a primeira mulher de Julio Cortázar, Aurora Bernárdez, encontrou um conjunto de papéis antigos, guardados dentro de um baú com documentos do escritor. A partir daí, ela entrou em contato com Carlos Álvarez, um grande conhecedor da literatura do argentino. Durante um ano, Aurora Bernárdez e o especialista trabalharam para organizar e editar todo o material encontrado.

O resultado desse difícil trabalho recebeu o nome de Papeles Inesperados. O título é bem apropriado, já que ninguém esperava uma obra inédita de Cortázar. Com quase 400 páginas, o livro está previsto para ser lançado em maio em todos os países de língua espanhola, mas ainda não tem data de publicação em português.

Os textos inéditos de Julio Cortázar foram escritos entre os anos de 1930 e 1980 e revelam uma diversidade na produção do escritor. São 11 narrativas, quatro autoentrevistas, 13 poemas, um capítulo da obra O Livro de Manuel, além de reflexões sobre pintura, música, fotografia e escultura.

Há também no volume o Discurso Del Dia de la Independencia, que Cortázar recitou para amigos em 1938, e a narrativa Manuscrito Hallado Junto a una Mano (Manuscrito achado junto a uma mão). Papeles Inesperados parece reunir toda a genialidade do autor argentino.

Um passeio pelo labirinto de Cortázar
A obra inédita reacende a curiosidade sobre a vida e a literatura de Julio Cortázar. Filho de argentinos, o escritor nasceu na Bélgica em 26 de agosto de 1914. Chegou à terra natal dos pais aos quatro anos de idade, depois da Primeira Guerra Mundial. Criado pela mãe, por uma tia e uma avó, viveu quase toda a infância em Banfield, na Argentina.

Era uma criança triste e ficava doente com frequência, o que o fez passar muito tempo na cama na companhia de vários livros. Em 1935, formou-se em Letras e se tornou professor. No ano de 1951, aos 37 anos, foi para Paris por discordar dos mandos e desmandos do general Perón. Ao visitar Cuba, em 1963, aumentou seu envolvimento com a política. Sete anos depois, foi ao Chile prestar solidariedade ao governo de Salvador Allende.

No ano seguinte, Julio Cortázar e outros escritores se desiludiram com Fidel Castro após questionarem o misterioso sumiço do poeta Heberto Padilla. A morte de sua segunda esposa, Carol Dunlop, em 1982, deixou o escritor em depressão. Sem condições de lutar contra a leucemia, Cortázar morreu em 1984 e foi enterrado no cemitério de Montparnasse, na França, ao lado da esposa.

Julio Cortázar foi um mestre da narrativa curta e da prosa poética. Comparado a Jorge Luis Borges, Edgar Allan Poe e Tchekhov, o escritor se dedicou a uma forma singular de fazer literatura na América Latina. Rompendo com modelos clássicos, construiu narrações que fugiam da linearidade temporal e deu a seus personagens autonomia e uma profundidade psicológica nunca vista antes.

O vasto trabalho de Cortázar reúne romances, contos e poesias. Destaque para as obras Bestiário (1951), As Armas Secretas (1959), Os Prêmios (1960), Histórias de Cronópios e de Famas (1962), Modelo Para Armar (1968), Octaedro (1974) e O Livro de Manuel (1973).

Entretanto, O Jogo da Amarelinha (1963) é considerado sua obra-prima, na qual é possível realizar inúmeras leituras. O livro questiona profundamente a humanidade, seus ódios e suas paixões. A originalidade e a habilidade narrativa de Cortázar se encontram nesta obra para formar um verdadeiro labirinto literário.

Quando o livro inédito Papeles Inesperados chegar às livrarias, os leitores deste autor argentino terão outra oportunidade de adentrar mais profundamente em seu mundo fantástico. Isso porque a arte de Julio Cortázar é daquelas que não reconhecem as fronteiras entre o real e a fantasia. Além, é claro, de também não conhecerem as fronteiras do tempo. Mais uma surpresa do gênio que escrevia como quem toca jazz: jogando com o improviso.