Leia o artigo enviado pelo leitor Francisco de Andrade, sobre a polêmica causada pelo novo filme de José PadilhaAntes de ler esse texto, veja esse video:

Trata-se de uma das peças publicitárias mais bem feitas do Brasil. Vamos deixar de lado o fato de o emissor realmente ser aquilo que ele diz ser. Vamos pegar apenas a mensagem. De fato, apegando-se apenas àquilo que é dito, você aprova essa tal pessoa de quem se fala. Quem seria contra? Enquanto você não consegue ver de quem se trata, confesse, você fica seduzido! Pois bem, quando a imagem se forma, a náusea é instantânea. Você foi ludibriado. E pior, sem lhe contarem uma mentira sequer! Como isso é possível?

Pode parecer incrível, mas é muito mais importante aquilo que não te dizem, do que aquilo que te dizem. Uma mentira sempre pode ser desmentida, uma omissão requer um trabalho bem mais complexo. Peguemos alguns exemplos nessa eleição. Quem ouviu falar de política econômica? Taxas de juros, dívida externa, independência do Banco Central foram temas que não passaram nem perto do discurso dos candidatos melhor colocados. E são temas que dizem respeito diretamente à vida das pessoas. Do preço do pão à criação de empregos, tudo isso depende desses fatores. Porém, esses temas ficaram omissos e isso por uma razão simples. Caso eles resolvessem discutir isso, a verdade se sobressairia: não há rigorosamente diferença alguma entre eles. Omitir é útil quando se quer esconder algo muito sério.

Essa é a chave para compreender o caráter direitista de Tropa de Elite 2. Como apontou Diego Cruz (Tropa de Elite 2 é de esquerda?), diferentemente do primeiro, esse é mais complexo. Aqui não se trata mais de matar descamisados com fuzis. Trata-se de perseguir políticos de grosso calibre. O “sistema” que alimenta a violência, não tem seu centro nas favelas, mas nos gabinetes dos políticos cariocas e, como o final deixa claro, um pouco mais a noroeste. Quem minimamente informado discordaria disso? Ao mostrar com tanta crueza todo esse esquema, Padilha não estaria nos prestando um bom serviço? Não estaria ele, desta vez, flertando com a esquerda? Não. Padilha é tão direitista como foi no primeiro filme.

Para ver isso, ao invés de nos perguntar o que Tropa de Elite 2 nos conta, precisamos nos perguntar o que ele não nos conta.

Em primeiro lugar, novamente o BOPE é a banda limpa da polícia do Rio. Padilha teve o cuidado de não expor tanto a unidade de elite dessa vez. Mas ela está lá. E sua ação continua igualmente violenta. O caveirão novamente invade a favela e atira indiscriminadamente. Seus membros são igualmente incorruptíveis. Mesmo quem vacila, como o Capitão Mathias, no final das contas, é martirizado. Ou seja, mais uma vez Padilha faz apologia de uma força policial em quem se pode confiar. Eficiente, rápida e sempre presente.

Em segundo lugar, não é fácil diferenciar “esquerda” de “direita”. Essas palavras estão longe de serem conceitos bem definidos e servem, grosso modo, apenas para localizar grandes grupos de interesses no espectro político. Mesmo assim, pode-se afirmar sem medo de errar que os esquerdistas identificam interesses político-econômicos com interesses de classes sociais. Mais: a esquerda reconhece a existência de classes, algo que a direita se recusa a fazer. Esta, por sua vez, fala em “povo”, “nação”, “união”. Vide o desesperado discurso de José Serra no final da campanha eleitoral. Onde, então, em Tropa de Elite se tem, mesmo que tênue e sugestivamente, uma menção à existência de classes sociais? Quando Padilha identifica a corrupção com a burguesia? Tudo o que há é o maniqueísmo entre os “bons” e os “maus”.

Finalmente, a denúncia da corrupção não é monopólio da esquerda. Hitler elegeu-se denunciando pesadamente a corrupção da República de Weimar (1919-1933) e do parlamentarismo da época. Ao lado dos judeus, os grandes responsáveis pela humilhação da Alemanha eram os políticos. E Hitler também tinha sua própria polícia incorruptível, a SS. Mais próximo a nós, temos Jânio Quadros e Fernando Collor, eleitos presidentes com discurso de combate à corrupção, que promoveram governos profundamente direitistas. Isso para não falar da miríade de vereadores, deputados, prefeitos, governadores e toda sorte de políticos que denunciam a corrupção apenas enquanto não tem sua vez no butim. Ou seja, Padilha pode criticar a corrupção à vontade, isso não fará dele um pingo esquerdista.

Padilha não nos mostra a população inocente trucidada pelo BOPE, não nos mostra os interesses de classe envolvidos na corrupção, não nos mostra que a direita e sua banda nazi-fascista também criticam a corrupção. Ao nos sonegar essas informações, o que pretende Padilha? Certamente, não é avançar na luta contra a raiz da corrupção. É um discurso sutil e sedutor, mas o fascismo também cresceu sutil e sedutoramente em um clima de revolta crescente dos trabalhadores contra os políticos. E isso em um momento de crise econômica não muito diferente da atual. É preciso ficar atento.

PS.: Para que não fique dúvida alguma. A propaganda acima é muito boa; o jornal que a fez é, sim, tão fascista quanto seu concorrente. Apenas é mais sutil… e sedutor.