Cartaz oficial do filme
Divulgação

Está em cartaz nos cinemas de todo o país o filme Ensaio Sobre a Cegueira, do diretor, Fernando Meirelles (O Jardineiro Fiel e Cidade de Deus). O filme é baseado no livro homônimo do escritor português, José Saramago, prêmio Nobel de literatura e um dos escritores mais reverenciados da atualidade.

O lançamento do filme foi esperado com bastante expectativa, pelo grande sucesso do livro e pela ansiedade de viajar por essa intrigante história através de imagens e sons que podem ser proporcionados pela grande tela.

O filme nos prende à agonia sentida pelas pessoas que têm suas visões substituídas por uma névoa branca e pastosa como leite, chamada de cegueira branca. No início, só algumas pessoas perdem a visão e são trancadas num velho manicômio. Depois, a cegueira branca se alastra para todas as pessoas, exceto à mulher do médico, única que continua a enxergar. No entanto, ela mente para poder ficar ao lado de seu marido, presenciando tudo que acontece sem revelar seu segredo.

O filme nos faz viajar no comportamento humano através do caos provocado pela falta de visão, em que as necessidades mais básicas fazem aflorar um comportamento quase animalesco. As pessoas acabam expressando todo seu racismo, machismo, egoísmo e individualismo. Nesse sentido, o filme tem a incrível capacidade representar as contradições do ser humano.

O desenrolar do filme nos faz enxergar um paralelo entre o caos estabelecido pela cegueira branca e o caos que vivemos no dia-dia, com suas devidas proporções, por conta da pseudo-ordem estabelecida pelas leis e pelo Estado. A verdade é que, como no filme, as pessoas vivem o dia-dia para satisfazer simplesmente a suas necessidades puramente animais – matando-se de trabalhar para poder conseguir o pão de cada dia.

A cegueira Comum
A mulher do médico, embora enxergue muito bem, acaba se adaptando a um outro tipo de cegueira bastante comum. A personagem fica acostumada com a situação, assim como acontece na realidade da nossa sociedade onde as pessoas que enxergam acabam se adaptando a um tipo de cegueira social imposta à maioria. Assim, acabam aceitando viver embriagadas com as superficialidades consumistas da sociedade capitalista, se submetendo ao caos e à loucura que vivemos.

É uma clara referência de uma velha discussão filosófica sobre a relação entre aparência e essência, realidade e verdade, isto é, o modo como os homens interpretam a realidade. A verdadeira aparência das coisas só se revela para a personagem central da trama. E como diz uma frase no início do livro de Saramago, a verdade se apresenta após insistentes tentativas: “Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara”.

No filme, as barbaridades vão acontecendo até que a mulher decide tomar parte da situação e agir como quem enxerga de fato. Daí para diante, a história começa a tomar outros rumos. Quando as personagens começam a agir coletivamente, a esperança volta a reinar abrindo espaço para o futuro.

O que vi na Cegueira
Estas são minhas impressões sobre o filme. Cada um que assisti-lo, entretanto, poderá ter sensações diversas, pois a narrativa e o modo como esta se constrói permitem isso. Contudo, infelizmente, a tendência é que cada vez mais os filmes imponham as mesmas sensações com os padrões hollywoodianos, para se tronarem sucessos de bilheteria.

O próprio Ensaio Sobre a Cegueira sofreu vários cortes nas cenas de estupro, por exemplo, para diminuir a sua intensidade. O filme passou por um funil de padronização chamado test screnings, que nada mais é do que rodar o filme para algumas centenas de pessoas antes do lançamento. Elas opinam sobre o que mudar na obra. Os realizadores aplicam as alterações para tornar o filme mais consumível.

Isso torna cada vez mais raro o surgimento de inovações. Nos dias de hoje, estão cada vez mais escassos os filmes que quebram paradigmas, com inovações e novidades em todos os âmbitos da arte audiovisual.

Apesar disso, vale a pena ver Ensaio sobre a cegueira. Não deixa de se um bom filme. Porém é necessária a crítica à padronização da cultura. Acredito que o filme poderia contribuir mais se expressasse a visão do diretor sem cortes, deixando a interpretação e as sensações por conta dos espectadores.

FICHA TÉCNICA:
Título Original: Blindness
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 120 minutos
Ano de Lançamento: 2008 (Brasil/Canadá/Japão)
Direção: Fernando Meirelles
Roteiro: Don McKellar, baseado em livro de José Saramago
Montagem: Daniel Rezende
Produção: Andrea Barata Ribeiro, Niv Fichman e Sonoko Sakai
Música: Marco Antônio Guimarães
Fotografia: César Charlone
Desenho de Produção: Matthew Davies e Tulé Peake
Direção de Arte: Joshu de Cartier
Figurino: Renée April
Elenco: Mark Ruffalo (médico), Julianne Moore (esposa do médico), Yusuke Iseya (primeiro homem cego), Yoshino Kimura (esposa do primeiro homem cego), Alice Braga, Don McKellar, Maury Chaykin, Danny Glover, Gael García Bernal, Susan Coyne, Sandra Oh, Billy Otis, Joe Pingue, Douglas Silva, César Brasil de Luna, Alexandre Tigano

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