A ação das mulheres agricultoras no dia 8 de março, ao ocuparem a sede da Aracruz Celulose, trouxe à tona o debate sobre os `desertos verdes`. Publicamos abaixo artigo produzido pelo Comitê São Paulo da Marcha Mundial das Mulheres, que analisa o impacto dO termo deserto verde tem estado em pauta ultimamente. São imensas propriedades especializadas num só produto, com alta tecnologia, mecanização – às vezes irrigação – pouca mão-de-obra, e por isso, falam com orgulho que conseguem alta produtividade do trabalho. Tudo baseado em baixos salários, uso intensivo de agrotóxicos e de sementes transgênicas.

Voltado para exportação, principalmente para indústria de papel e celulose, o deserto verde que vem crescendo a partir da produção de eucaliptos tem se expandido por diversas regiões do Brasil.

Atualmente 100% da produção de papel e celulose no Brasil emprega matéria-prima de áreas de reflorestamento, principalmente de eucalipto (65%) e pinus (31%). Mas nem por isso podemos ficar tranqüilos. Segundo a consultora de meio ambiente do Idec, Lisa Gunn, utilizar madeira de área reflorestada é sempre melhor do que derrubar matas nativas, mas isso não quer dizer que o meio ambiente está protegido. “Quando o reflorestamento é feito nos moldes de uma monocultura em grande extensão de terras, não é sustentável porque causa impactos sociais e ambientais, como pouca oferta de empregos e perda de biodiversidade“.

Sob o argumento de reflorestamento, criam-se verdadeiros desertos verdes de produção de madeira para fábricas de celulose. O eucalipto é a principal espécie dessa estratégia e danifica o solo de forma irreparável: uma vez plantado, não é possível retomar a fertilidade da terra e seus minerais. Além disso, as raízes do eucalipto penetram nos lençóis freáticos, prejudicando o abastecimento de água das regiões. Cada pé de eucalipto é capaz de consumir 30 litros de água por dia.

De acordo com algumas pesquisas científicas, a monocultura do eucalipto, por exemplo, consome tanta água que pode afetar significativamente os recursos hídricos. Segundo Daniela Meirelles Dias de Carvalho, geógrafa e técnica da Fase, organização não-governamental que atua na área sócio-ambiental, só no norte do Espírito Santo já secaram mais de 130 córregos depois que o eucalipto foi introduzido no estado.

Outro indício da devastação e do desequilíbrio ambiental causados pelo plantio de eucalipto é o assoreamento dos rios, hoje praticamente secos, uma vez que a espécie consome muita água. A falta d`água não aflige só os animais, como também impede a produção de qualquer tipo de alimento. O amendoim cresce raquítico, o feijão não se desenvolve, o milho não nasce, deixando claro que a improdutividade da terra generalizou-se para além das áreas onde estão as plantações de eucalipto.

O plantio de eucalipto em locais de baixa umidade chegou a secar poços artesianos com até 30 metros de profundidade, deixando a população local sem água. O eucalipto tem alto consumo de água, pois tem uma grande evapotranspiração, podendo ressecar o solo, secar olhos d’água, baixar o lençol freático, secar banhados, diminuir a água dos pequenos córregos e riachos, etc.

As fábricas de celulose são também grandes consumidoras de água, com uso de muitos produtos químicos para o branqueamento da celulose, tendo sempre presente o risco de acidentes ambientais.

Outro impacto ambiental causado pelo monocultivo do eucalipto é a redução da biodiversidade da flora e da fauna. O eucalipto causa também a degradação da fertilidade dos solos, exigindo grandes investimentos de recuperação posterior à colheita e compactação pelo uso de máquinas pesadas.

A mentira da geração de emprego
Pelos dados do IBGE, nas fazendas acima de 2 mil hectares há apenas 350 mil trabalhadores assalariados. Bem menos do que os 900 mil assalariados que a pequena propriedade emprega. Ou seja, o modo de produzir da fazenda do agronegócio, que se moderniza permanentemente, expulsa mão-de-obra do campo, ao invés de gerar emprego aos trabalhadores.

Um recente estudo sobre empregos realizado nas regiões de atuação de uma destas empresas no Estado do Espírito Santo aponta que a Aracruz, na época que buscava financiamento, afirmava que cada hectare de plantação de eucalipto geraria em média quatro empregos diretos, portanto, com seus 247 mil hectares plantados deveria gerar 988 mil empregos. No entanto, gerou apenas 2.031, segundo dados de 2004.

As pesquisas indicam que desde 1989 até os dias de hoje esta empresa gigantesca gerou 8.807 postos de trabalho, dos quais 2.031 diretos e 6.776 indiretos. Chama a atenção que em 1989 os empregos diretos eram 6.058, duas vezes mais que hoje e que desde que se iniciou a contar os indiretos em 1997, o número passou de 3.706 para quase a metade.

Insegurança para o meio ambiente
Ao negligenciar medidas de segurança, as indústrias de papel também ficam vulneráveis a acidentes ambientais graves, como ocorreu há pouco mais de um ano na Fábrica Cataguazes de Papel, em Cataguazes (MG). O rompimento de uma lagoa de tratamento de efluentes provocou o derramamento de cerca de 1,2 bilhão de litros de resíduos tóxicos no Córrego Cágados, que logo chegaram aos rios Pomba e Paraíba do Sul. A contaminação atingiu oito municípios e deixou cerca de 600 mil habitantes sem água. Com a morte dos peixes, pescadores e populações ribeirinhas ficaram sem seu principal meio de subsistência.

Na Ciência vale tudo?
Um dos fatores que fiz a imprensa ficar raivosa foi a ação das camponesas ter “destruído anos de pesquisa”. E aqui cabe a pergunta: toda pesquisa é para o bem da humanidade? Toda pesquisa é isenta? Seria então errado lutar contra as “pesquisas” levadas a cabo pelo nazismo durante a II Guerra Mundial? Ou então as pesquisas, feitas sem questionamentos por parte dos cientistas, que inventaram a bomba atômica?

No dia-a-dia e bem mais próximo de nós estão as pesquisas, muito modernas, patrocinadas pelas grandes empresas de agrotóxicos e produtos geneticamente modificados. São pesquisas que realmente oferecerão vida melhor para a humanidade ou somente aumentarão os lucros de quem as patrocina? Pesquisas que não levam em consideração o meio ambiente e a soberania alimentar dos povos não são úteis para a humanidade.

Segundo editorial da Fase, “o silêncio sobre os direitos e sobre as alternativas produtivas e científicas constitui uma base de apoio sólido para a intenção permanente de criminalizar os sujeitos da emancipação social que, ao defenderem a realização dos direitos constitucionais, são atingidos pelos mecanismos de repressão do Estado”.

Vergonha internacional
O debate sobre deserto verde, no Brasil, não surgiu do nada. É um assunto que cresce assim como aumentam as áreas de eucaliptos, plantadas em terras que em geral são arrancadas a ferro e fogo de seus donos originais pela empresa Aracruz Celulose.

A Aracruz Celulose é líder mundial na produção de celulose branqueada de eucalipto, fabricando aproximadamente 2,4 milhões de toneladas por ano. Responde por cerca de 30% da oferta global do produto. Seu controle acionário é exercido pelos grupos Lorentzen, Safra e Votorantim (28% do capital votante cada) e pelo BNDES (12,5%). Dedicando-se precipuamente à produção e pesquisa de eucaliptos, a empresa possui plantações nos estados do Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que somam aproximadamente 261 mil hectares de plantios de eucalipto.

Aqui no Brasil a grande imprensa preferiu defender a empresa. Na Europa, a família real sueca se sensibilizou com as denúncias sobre as ações da Aracruz Celulose no Espírito Santo. A denúncia foi veiculada na imprensa mundial logo após violenta ação da Polícia Federal contra os índios, em cumprimento a uma liminar da Justiça em favor da empresa. A decisão da Justiça não considerou inúmeras denúncias que lhe foram apresentadas de que a Aracruz Celulose tomou as terras dos índios durante a ditadura militar, e as explora até hoje. Pressionado pela opinião público e vigorosos protestos contra a empresa, a família real colocou à venda suas ações da Aracruz.

Principais críticas aos grandes projetos de celulose:
1. Problemas ambientais já citados acima;
2. Concentração da terra, com expulsão imediata dos agricultores que as venderam. Mostra que as empresas não querem ficar dependentes de parcerias;
3. É mais um obstáculo para o avanço da Reforma Agrária nesta região;
4. Modelo de concentração de terra, de capital e da renda;
5. Modelo exportador, cujos impostos já estão todos desonerados pela lei Kandir, contribuindo muito pouco para os cofres públicos dos municípios e do Estado;
6. Não gera emprego, como demonstrado acima, pelo contrario diminui postos de trabalho;
7. Vai gerar vazios populacionais, como no Espírito Santo;
8. O plantio de culturas anuais em consórcio, com o eucalipto, apregoado pelas empresas, só é possível nos dois primeiros anos, pois nos anos subseqüentes a competição por luz, água e nutrientes, inviabiliza as culturas anuais.
9. Os investimentos nas grandes fábricas de celulose estão desvinculados da matriz produtiva já existente, instalada na região.