Das promessas de redenção social via educação restou apenas a crescente precarização do ensino básico e das condições de trabalho dos professoresMarço de 2011 foi um mês simbólico para o Brasil. Mas poderíamos dizer que foi um mês de festa para o governo, seus apoiadores e a burguesia tupiniquim.
Enquanto os Estados Unidos e a Europa se afundavam na crise mundial, o Brasil alcançou o posto de sétima economia do planeta.
A felicidade brasileira aparentemente estava completa. Não podia ser melhor: crescimento econômico em meio à crise mundial. O detalhe despercebido por muita gente, começando pelos eufóricos de plantão, foi que, em março de 2011, o ranking de educação da Unesco havia classificado o Brasil em 88º lugar. A sétima economia do mundo ficou na octogésima oitava posição em qualidade de ensino – sendo superada até por Paraguai e Bolívia.

A pergunta que não quer calar é: como a sétima economia do mundo possui uma educação tão ruim?

Nova era neoliberal
No início da década de 1990 começaram as grandes reformas estruturantes na educação. O Brasil precisava diminuir as desigualdades sociais, sair do atraso cultural (combatendo a evasão e a repetência nos sistemas de ensino) e garantir um futuro digno aos nossos jovens com emprego, cidadania e renda – tudo isso passando por uma educação de melhor qualidade.

Na construção desse futuro radioso para a juventude e o país, o professor seria uma figura central. Os mestres deixariam de ser os “sacerdotes do ensino”, como se afirmou até os anos 1980 do século 20, para serem os “arautos da nova era”, aqueles que pavimentariam a estrada que levaria o país, e os jovens em particular, ao reino dos céus.

Mas a expansão do ensino não implicou em aumentar os investimentos públicos em educação (veja nas páginas 10 e 11). Portanto, alguém teria que pagar esta conta: professores e alunos.

Condições de trabalho
Os professores financiaram a expansão ou universalização da educação básica no país com seus salários e condições de trabalho. Planos de carreira foram desmontados. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, 57% dos municípios brasileiros não têm planos de carreira para o magistério.

Os reajustes salariais foram substituídos por uma bonificação por mérito ou por metas. As horas-atividade foram eliminadas ou reduzidas ao mínimo possível, e parcela significativa dos professores passou a ser contratada por tempo determinado. São mais de 300 mil, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

Os mestres também foram obrigados a atender mais alunos. Primeiramente com a aprovação automática, disfarçada no sistema de ciclos ou agrupamento de séries, e depois com o aumento do número de alunos por sala. Segundo estudo feito pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), nosso país tem trinta alunos por sala em média no ciclo II do ensino fundamental, enquanto os países desenvolvidos, membros da OCDE, chegam a ter vinte alunos. O Brasil tem 50% mais alunos por turma na educação básica.

Os jovens também não saíram ilesos dessas reformas. A escola obrigatória com aprovação automática e sem que os recursos públicos para o ensino aumentassem transformou o ambiente escolar num verdadeiro depósito de gente, com turmas superlotadas e escolas sem manutenção e mal equipadas.

Prometeram um futuro de maravilhas aos professores, mas ele não chegou. Uma campanha sistemática foi orquestrada através dos meios de comunicação para culpar e criminalizar esta categoria profissional pela crise e decadência do ensino público. Assim, desvia-se a atenção da população e de muitos movimentos sociais, enquanto governos e empresários privatizam a educação retirando direitos e conquistas laborais do magistério, reduzindo o custo da mão de obra e transformando o direito à educação num grande negócio privado.

Saúde do educador
O pesado fardo das campanhas difamatórias e das condições de trabalho cada vez mais precárias têm um efeito devastador sobre os professores. Os docentes da educação básica são uma categoria doente. Segundo pesquisa nacional feita pela CNTE, 30,4% dos entrevistados têm problemas de saúde, 22,6% estão permanentemente em licença e 43,7% já sofreram alguma cirurgia. No estado de São Paulo, pesquisa da Apeoesp (sindicato estadual dos professores) de 2010 confirma o adoecimento da categoria.

Mais de 40% dos entrevistados exercem outra atividade para complementar a renda, 48,5% sofrem de estresse, 36% têm problemas de voz, 26,6% sofrem de depressão, 23,5% são hipertensos e mais de 40% sofrem da Síndrome de Bournout – todos com diagnóstico médico.

Até a prestigiada rede municipal de São Paulo, com salários acima da média nacional e plano de carreira, sofre de doença profissional. Atualmente, 10% dos professores têm “transtorno mental”, segundo dados do Departamento de Saúde do Servidor divulgados pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Violência
Nossos jovens também estão no meio do show de horrores. Segundo o IBGE, a principal causa de mortalidade entre a juventude é assassinato, e dois terços ou 64% dos desempregados no Brasil são jovens. De acordo com o Núcleo de Estudos Sobre a Violência da USP, 50% das vítimas de assassinato são jovens das periferias pobres dos médios e grandes centros urbanos, das camadas sociais “C” ou “D” e não brancos – as vítimas preferenciais da violência são os alunos da escola pública.

Das promessas de redenção social via educação restou apenas a privatização crescente do ensino básico e o sofrimento crônico de professores e alunos.

É mais que passada a hora de virarmos este jogo! Educação não é mercadoria.

* professor da rede pública estadual de SP e coautor do livro “A proletarização do Professor. Neoliberalismo na educação”

Síndrome de Bournout – distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso. O esgotamento físico e mental está ligado à vida profissional.

Post author Gilberto Pereira de Souza, de São Paulo*
Publication Date