Após dois anos de luta contra o câncer, o presidente da Venezuela Hugo Chávez morreu em Caracas, no dia 5 de fevereiro. O velório do dirigente bolivariano levou uma massa de apoiadores às ruas, demonstrando a popularidade do chavismo. O PSTU não se coloca ao lado da direita que comemora a morte do dirigente venezuelano. Pelo contrário, nos solidarizamos com o povo e os trabalhadores da Venezuela e lamentamos profundamente a dor que compartilham. No entanto, não podemos nos eximir de travar um debate sincero sobre o real significado do chavismo, ainda mais num momento em que o mundo discute o tema e os rumos do país que, por 14 anos, dividiu águas na esquerda em todo o planeta. É hora de uma discussão séria sobre o significado e os rumos do chavismo.

A morte de Hugo Chávez foi lamentada até por setores da esquerda que não o consideravam socialista e que reconheciam as limitações de sua política econômica “bolivariana”. No entanto, tais setores viam na figura do presidente um importante contraponto ao imperialismo, exercendo até mesmo um papel de liderança antiimperialista na América Latina. Mas essa visão corresponde à realidade? Até que ponto o governo da Venezuela realmente enfrentou o imperialismo?

Uma economia de mercado
Nos 14 anos em que esteve à frente do governo, Chávez implementou uma política de nacionalização parcial como forma de, segundo suas próprias palavras, “avançar” na revolução bolivariana. No entanto, uma década e meia depois, o mercado continua ditando os rumos da economia venezuelana, dominada pelas grandes empresas estrangeiras. Ao contrário do que geralmente se acredita, nos anos do chavismo, o peso do Estado passou de 37% do PIB para 41%. Um avanço, mas absolutamente insuficiente para impor uma economia estatizada e planificada, dirigida aos interesses da grande maioria da população e dos trabalhadores.
Isso ocorre pois, para arrancar a economia do julgo do livre mercado e colocar a produção e as riquezas do país à serviço da população, será necessário romper com as grandes empresas e multinacionais. Isso pressupõe, também, romper com o imperialismo, algo que Chávez nunca cogitou. Seu modelo de revolução abrange uma “economia mista”, ou seja, a coexistência entre o setor público e o capital privado. Assim, as nacionalizações que ocorreram se deram através de indenizações e a conformação de empresas mistas entre o Estado e empresas privadas, via aquisição de ações dessas empresas.
Maior exemplo disso ocorre no setor que é carro chefe da Venezuela: o petróleo, cuja produção corresponde a mais de 90% das exportações do país. A PDVSA (Petróleo Venezuela), assim como ocorre hoje com a Petrobras, não é uma empresa inteiramente pública, mas atua em conjunto com grandes petroleiras internacionais, como a Exxon Mobil. Em 2012, poucos meses antes de anunciar a recidiva do câncer, Chávez celebrou um acordo entre a PDVSA e a Shell, com participação da Mitsubishi, no projeto “Mariscal Sucre”, de exploração de gás natural na península de Paria. Cerca de 40% da produção do petróleo está nas mãos das transnacionais.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que o país exporta petróleo cru, sendo o terceiro maior fornecedor dos EUA, é altamente dependente da importação do produto processado. No final do ano passado, por exemplo, as exportações de gasolina dos EUA para a Venezuela bateram recorde, chegando a 85 mil barris diários. Desde dezembro de 2011, os EUA são o maior fornecedor de gasolina ao país.
O governo Chávez se beneficiou das reservas de petróleo do país, maiores que a da Arábia Saudita, e ao mesmo tempo do elevado preço do produto no mercado internacional na última década, que subiu cerca de 500%. Os recursos do petróleo possibilitaram ao governo venezuelano implementar seus programas sociais como as “misiones” (missões) e financiar a compra de ações das empresas privadas. Por outro lado, aumentou a dependência do país à exportação da matéria-prima e ao mercado internacional.
Na crise internacional desatada em 2008, a Venezuela, foi o país mais afetado do continente, perdendo nada menos que US$ 60 bilhões e entrando em recessão. Ou seja, apesar do discurso nacionalista, a Venezuela, nos anos de Chávez, se tornou um país mais dependente e vulnerável ao mercado internacional e às crises.
Da mesma forma, o governo venezuelano continua pagando em dia a dívida pública do país, que saltou de 14% do PIB, em 2008; para 30%, em 2010.  Num momento em que boa parte da América Latina convive com governos que se autodefinem como “de esquerda” ou nacionalistas, Chávez poderia romper com a dívida externa e impulsionar uma onda antiimperialista na região. Mas seguiu o caminho oposto.
Em 2011, o governo venezuelano ainda deixou a esquerda perplexa ao prender o representante das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) que visitava o país (o jornalista Joaquín Pérez Becerra) e enviá-lo ao governo da Colômbia, presidida por Manuel Santos, ex-ministro da Defesa de Álvaro Uribe. Chávez assumiu publicamente a responsabilidade pela medida, que passou ao largo de qualquer lei internacional em defesa dos refugiados e exilados políticos, apenas para atender um pedido do presidente colombiano.

Um país dependente
Os chavistas culpam parte da burguesia venezuelana e o imperialismo pelo constante desabastecimento que atinge a população. Cerca de 20% dos produtos mais procurados estão em falta nas prateleiras dos supermercados, devido ao boicote do empresariado para forçar uma subida nos preços. No entanto, se o governo Chávez estivesse de fato disposto a enfrentar o imperialismo, poderia estatizar as empresas e as multinacionais, colocando a produção e a distribuição dos produtos de acordo com as necessidades do povo venezuelano. Poderia, ainda, investir na ampliação e diversificação da economia e da indústria, superando a enorme dependência do mercado externo. Hoje, o país importa nada menos que 60% dos alimentos que consome. As importações alcançaram o índice de US$ 56 bilhões, no ano passado.
Para o imperialismo só interessa que a Venezuela continue exportando o petróleo que necessita, pagando sua dívida pública, comprando os vários produtos que importa do mercado internacional, e mantendo um ambiente de estabilidade política para que as multinacionais continuem dando as cartas no país. Tudo o que Chávez e o chavismo, infelizmente, não se opõem.

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