Marcos Margarido, de Campinas (SP)

Em outubro de 2008, a editora alemã Karl Dietz anunciou ter aumentado as vendas de sua edição de O Capital, de Karl Marx, em 300%. O motivo era a crise econômica mundial que assombrava o mundo com a explosão da bolha imobiliária. Muitos foram buscar num livro de 150 anos as bases para o entendimento dos mecanismos das crises da economia capitalista e, assim, tentar compreender o mundo de hoje.

O livro Marx e a crise, lançado pela Editora Sundermann, tem tudo para seguir os passos de seu “irmão maior”, pois coloca ao nosso alcance os textos fundamentais para a compreensão das concepções de Marx e Engels, selecionados e organizados por Daniel Romero.

Os textos apresentados variam bastante no tempo, e mostram, também, a evolução do pensamento dos dois autores. O primeiro, retirado do livro A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, foi escrito por Engels em 1845 e publicado por Marx no jornal teórico Anais Franco-alemães, editado na França.

A segunda seleção de textos vem do livro IV de O Capital, cujo título é Teorias da Mais-valia. Foi escrito entre 1864 e 1865, como uma elaboração de apoio à sua obra principal, e publicado apenas em 1905 por Kautsky, na época o principal teórico do Partido Social-democrata alemão.

Uma terceira série faz parte do livro III de O Capital. Finalmente, o livro nos brinda com uma pequena parte, inédita em português, do livro Esboços para uma crítica da economia política, ou Grundisse, como é conhecido. Este foi escrito entre 1857 e 1858, mas só se tomou conhecimento dele em 1939, por meio da impressão de uma pequena edição em Moscou.

Primeira abordagem das crises econômicas do capitalismo
A primeira aproximação sobre uma teoria das crises capitalistas pode ser encontrada no texto de Engels, que já observava que eram crises de superprodução: “Em breve tal mercado está saciado, as vendas param, o capital permanece inativo, os preços caem e a manufatura inglesa não tem mais empregos para seus braços”. Tais crises impulsionam as tendências centralizadoras do capital, que transformam as crises individuais em crises gerais periódicas, que se repetiriam a cada cinco anos.

Mas coube a Marx dar uma explicação científica das causas reais da crise. Ao contrário dos economistas burgueses, que viam o trabalho assalariado como serviço, Marx encarava-o como a única fonte de criação de um novo valor, durante a produção das mercadorias. Nos textos apresentados em Marx e a crise, podemos acompanhar a construção dos principais elementos de seu projeto sobre a teoria das crises, “o mais complicado fenômeno da produção capitalista”, embora não a tenha terminado em vida.

As interpretações parciais dos economistas marxistas
De suas indicações iniciais surgiram duas grandes “escolas” marxistas: a que explica as crises pelo subconsumo das massas e a que as explica pela super-acumulação de capital.

Na sociedade capitalista, a riqueza produzida pelos trabalhadores sempre ultrapassa o total dos salários recebidos por eles, pois a parte maior do valor criado pelo trabalho assalariado é embolsada pelos capitalistas na forma de lucros. Portanto, para os adeptos da teoria do subconsumo sempre haverá um excesso de bens que os trabalhadores não podem comprar. Parte dos produtos não é vendida, gerando a superprodução e a contração da economia, até que os lucros fiquem tão escassos que os investimentos param.

Por outro lado, os defensores da superacumulação afirmam que a evolução técnica provoca um grande investimento em novas máquinas e instalações – o capital constante -, aumentando a produção e os lucros. Mas esta superacumulação gera também uma pressão por aumento de salários, devido à escassez de mão-de-obra nestes períodos. Um aumento suficientemente rápido dos salários reais leva à perda dos lucros necessários para manter a expansão da economia.

Porém, estas duas teorias são parciais e não conseguem absorver o conjunto do pensamento de Marx. Os adeptos do subconsumo só enxergam a ação dos salários na queda dos lucros, enquanto que os defensores da superacumulação preocupam-se apenas com os investimentos em capital constante.

A lei da queda da taxa de lucro
Para Marx, as crises eram o resultado de uma ação conjunta destes dois aspectos da produção capitalista, cujo objetivo é o lucro. Para obtê-lo, cada capitalista desenvolve uma guerra no interior da fábrica, contra os trabalhadores, para aumentar a exploração; e outra na concorrência com os demais capitalistas, para ampliar seu mercado de vendas.

Nas fases de expansão econômica, os capitalistas recorrem à mecanização para aumentar a produtividade. Com isso, resolvem vários problemas. Consomem seus próprios produtos, compensando os efeitos do subconsumo da classe trabalhadora, reduzem o custo de cada mercadoria ao produzir mais na mesma jornada de trabalho e, finalmente, aumentam a exploração sem precisar reduzir os salários, pois não pagam mais pelo aumento da produção.

Mas é necessário vender seus produtos. Isto leva a uma disputa desenfreada pelo mercado, com uma produção cada vez maior a preços mais baixos que os concorrentes. No início da expansão, este movimento causa a abertura de novas fábricas e o aumento do emprego. É o que vimos no Brasil nos últimos anos.

Mas chega um momento em que a produção de mercadorias é muito maior que a massa salarial disponível para consumi-las a um preço que possa fornecer o lucro médio esperado. É a chamada crise de superprodução. Na crise atual, por exemplo, ocorreu a superprodução de casas e automóveis nos Estados Unidos.

Marx une estes aspectos em sua lei da queda da taxa de lucro. Ele a formulava da seguinte forma: “o aumento gradual do capital constante em relação ao capital variável tem como resultado uma diminuição gradual da taxa geral de lucros, sempre e quando a taxa de mais-valia, ou seja, o grau de exploração do trabalho pelo capital, permanecer invariável”.

A taxa geral de lucro é a relação entre o lucro e o capital investido, isto é, o capital variável mais o capital constante. A massa de lucro é o resultado da exploração do trabalhador e da quantidade de mercadorias vendidas. Quando o capital constante aumenta mais que essa massa de lucro, a taxa de lucro cai.

Quando a queda da taxa de lucro é tão grande que novos investimentos não são mais compensatórios, instala-se a crise econômica, que vem na forma de paralisia do funcionamento da economia do capitalismo, com a destruição de capital constante – fechamento de fábricas, sucateamento e barateamento de máquinas – e de capital variável – desemprego e redução de salários. Para continuar existindo, o capitalismo deve destruir a si próprio. Sua principal função, a de gerar lucro, deixa de existir por um período.

O que ‘Marx e as crises’ nos traz
Como diz Marx, “o verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital”. O livro publicado pela Editora Sundermann ajuda-nos a conhecer este limite, que surge claramente com a crise econômica, e como superá-lo. A partir da descrição da concorrência e da crítica da teoria da acumulação de Ricardo, passamos pela análise da mais-valia e do lucro, e por textos fundamentais para a compreensão da lei da queda da taxa de lucro e do capital monetário. É uma obra obrigatória para os dias de hoje.

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