Um dos elementos centrQuando falo sobre o que vimos no Haiti, as pessoas se surpreendem. A maioria absoluta do povo brasileiro acredita que as tropas brasileiras estão nesse país em missão humanitária, contra a fome e para garantir a segurança contra as gangues de bandidos. Mas a realidade é bem diferente.

A verdade sobre as zonas francas
Ninguém sabe que está em curso a implantação de um plano econômico no Haiti, que inclui 18 zonas francas, com multinacionais produzindo para o mercado norte-americano.

Visitamos uma dessas fábricas, a Codevi, de Houanaminthe. Ao chegarmos às portas da empresa, encontramos cinco taperas de madeira sem paredes, que fariam qualquer barraco da pior favela brasileira parecer um palacete. São locais onde comem seis mil trabalhadores, lembrando bem o passado da escravidão.

A Codevi é uma multinacional, parte de um conglomerado dominicano (o Grupo M) ligado ao banco Chase Manhattan, que fabrica jeans para marcas famosas como Levis e Wrangler. Seus trabalhadores ganham U$ 48 por mês (menos de R$ 100) e trabalham vigiados por guardas armados.

Em 2003 a empresa reagiu contra a organização de um sindicato com a demissão de 370 ativistas. Os trabalhadores fizeram greves e uma campanha internacional que chegou aos EUA. Uma aliança com estudantes universitários de Nova York e Los Angeles possibilitou um boicote aos jeans dessas marcas. Depois de mais de um ano de luta, a empresa teve de readmitir os operários. Em nossa visita, uma operária nos falou da mobilização atual contra a demissão de 42 trabalhadores por causa de uma greve espontânea por salários.

Em Cité Soleil, onde está sendo organizada outra zona franca, conhecemos os trabalhadores da Hanes, a mais importante fabricante de camisetas dos EUA. Essa multinacional acaba de demitir 600 operários para fechar a fábrica, e se recusa a pagar os direitos trabalhistas dos demitidos.

Ouvimos uma das operárias falar indignada sobre as condições de trabalho na empresa. Disse que elas trabalhavam 12 horas seguidas, sem direito a nenhum intervalo, nem para o almoço, ganhando 70 gourdes ao dia (uns R$ 110 por mês). A fábrica colocava cadeado nas portas para evitar o abandono da linha de produção para ir ao banheiro. Agora demite todo mundo e não quer pagar nada. A operária fez uma comparação justa: “somos os escravos modernos”.

As tropas brasileiras estão no país para ajudar as multinacionais, como a Codevi e a Hanes, a explorar brutalmente essa mão-de-obra barata. O objetivo não é resolver a pobreza, mas produzir para o mercado norte-americano a custos mínimos. Por isso, as empresas pagam salários três vezes menores que os já baixíssimos do Brasil, e ainda contam com uma enorme reserva com 80% da população desempregada.

Etanol: o acordo entre Lula e Bush para explorar o país
Lula estabeleceu em maio de 2006 um acordo com o governo haitiano de cooperação técnica para a produção de etanol.

Com as terras férteis e a mão-de-obra baratíssima do Haiti, o plano envolve o agronegócio brasileiro em acordo com o governo Bush para responder a parte das necessidades do mercado dos EUA.

Obviamente não se está pensando na produção de alimentos para suprir a fome do povo haitiano, mas em etanol para abastecer os automóveis norte-americanos.

Segurança para quem?
Na discussão de nossa delegação com o embaixador brasileiro, ele defendeu a ocupação militar para “garantir a segurança”. Ele se gabava que a ação das gangues tinha diminuído pela repressão das tropas.

Mas o próprio embaixador esclareceu o objetivo desta ação. Ele dizia que isso é fundamental para que os “investidores possam vir para o Haiti”. Ou seja, ele defende a segurança para as multinacionais.

O Congresso dos EUA aprovou há cerca de um mês – depois da “segurança” proporcionada pelas tropas brasileiras – a lei Hope, que abre o mercado dos EUA para empresas têxteis estabelecidas no Haiti.

Como parte da negociação dessa lei, há três semanas o presidente René Préval, depois de chegar dos EUA, anunciou a privatização da telefônica, dos portos, do aeroporto e da saúde.

O que preocupa as grandes empresas não é essencialmente o problema das gangues. É a possibilidade de uma nova insurreição no Haiti, como as que já ocorreram ao longo de sua história.

A burguesia haitiana não conseguiu garantir nenhum Estado nacional. Não estabilizou uma democracia burguesa, e por isso recorreu 56 vezes a golpes de Estado. Não conseguiu garantir sequer um exército. As forças armadas foram dissolvidas em 1994 pelo governo Aristide, e sobrou apenas a odiada polícia haitiana.

Na conversa com o presidente Préval, ele também nos dizia que as tropas teriam que ficar “até que se pudesse reorganizar as forças armadas”. As forças da ONU já reprimiram diretamente uma greve em uma fábrica, a Larsco.
As tropas estrangeiras cumprem o papel do Estado para assegurar a dominação das multinacionais e prevenir uma insurreição.

A grande farsa
Para o povo brasileiro é vendida a idéia de que o governo Lula se preocupa com a pobreza dos haitianos e que as tropas cumprem ações humanitárias.
Essa é uma operação de propaganda tão falsa quanto aquela para invadir o Iraque – a existência de armas de destruição em massa de Saddam Hussein. Como se comprovou, Bush queria roubar o petróleo iraquiano.

Para as grandes multinacionais e o agronegócio brasileiro, a pobreza haitiana é lucrativa, pois explora uma mão-de-obra semi-escrava. A ocupação militar e o plano econômico reduzem o Haiti novamente a uma colônia.

O Brasil está ocupando militarmente o Haiti a serviço do governo Bush. Seria muito mais difícil para os EUA ocuparem o país sem despertar uma reação violenta de seus habitantes. Os brasileiros são admirados pelo futebol e pela identidade na cultura negra e latino-americana.

Lula comete no Haiti um de seus maiores crimes. O Brasil revela o papel de sub-metrópole que cumpre no continente, de um país explorado que ajuda a explorar outros em situação ainda pior. Tudo a serviço do imperialismo ianque.
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