Manifestação em frente a fábrica em Chicago
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Proposta do novo governo representa uma mudança da política anterior. Mas qual o sentido e a profundidade de tais mudanças?No dia 26 de fevereiro o recém-empossado presidente dos Estados Unidos, o democrata Barack Obama, apresentou sua proposta de Orçamento para o ano fiscal de 2010, que começa em outubro próximo. Ao contrário da indiferença ou decepção com que foi recebido seu último pacote de estímulo à economia, a proposta de orçamento causou alvoroço.

Em linhas gerais, Obama propõe aumento de impostos aos mais ricos, redução para os mais pobres e diminuição dos subsídios agrícolas aos fazendeiros que ganham mais. Tal reforma orçamentária financiaria a construção de um sistema universal de saúde pública, além de possibilitar estímulos à educação. O plano foi considerado pela imprensa como a reversão de 30 anos de política liberal. Principalmente, uma guinada na política de cortes de impostos e redução do Estado conduzido pelo presidente Ronald Reagan na década de 80.

A proposta, na verdade, reduz a dedução dos impostos de quem ganha mais de 200 mil dólares por ano, ou dos casais cujo rendimento supera os 250 mil. O governo espera arrecadar 100 bilhões com essa medida, além de abrir mão de 50 bilhões com os cortes nos impostos para a classe média.

Comparado ao “New Deal” de Roosevelt para enfrentar a crise deflagrada em 29, o orçamento de Obama ganhou o sugestivo apelido de “orçamento Robin Hood”, reforçando a idéia de que o novo presidente norte-americano o utiliza como instrumento de justiça social.

Ajudando os pobres de Wall Street
Um político conservador chegou a acusar o presidente de promover a “luta de classes no país”. O próprio presidente adotou um tom ameaçador, bem ao estilo de seu colega venezuelano. Chegou a afirmar que o atual sistema “pode funcionar para os interesses poderosos e bem conectados que têm comandado Washington por muito tempo, mas não funcionam para mim: eu trabalho para o povo americano”.

Que o orçamento de Obama representa uma significativa mudança da política de Washington não há dúvida. A dimensão e o sentido dessa política, porém, parecem bem distintas do que a mídia quer fazer parecer. O total do valor que o governo norte-americano espera gastar com a saúde pública é de US$ 634 bilhões. Ao longo de 10 anos. O valor pode não parecer tão pequeno, mas ao lado de outros gastos, pode-se perceber as verdadeiras prioridades do governo norte-americano.

Para lembrar, em fevereiro o Tesouro dos Estados Unidos propôs um plano de salvação do moribundo mercado financeiro. O plano prevê a compra de ativos tóxicos, ou seja, ações lastreadas pelo famoso crédito subprime, que infestam o mercado e levam os bancos à ruína. Nessa ajuda aos pobres de Wall Street, o governo pode gastar até 2 trilhões de dólares.

Só o pacote aprovado pelo governo no final de 2008, assinado por Bush, mas apoiado por Obama, já era de 800 bilhões. Bem mais do que Barack quer para supostamente garantir saúde pública a todos os norte-americanos em 10 anos. As guerras no Iraque e Afeganistão, por sua vez, custam aos EUA mais de 100 bilhões de dólares ao ano, em média, o que dá, ao longo de uma década, 1 trilhão, muito mais do que vai custar o tal sistema universal de saúde.

Apesar das mudanças, as prioridades continuam as mesmas. Ajudar o sistema financeiro e manter a ocupação militar. No dia anterior à apresentação da proposta de orçamento, Obama pediu ao congresso a liberação de 75 bilhões extras para o Exército. Somados ao que Bush já havia reservado para as ações militares do país, os EUA terão este ano 215 bilhões para, entre outras coisas, cumprir a promessa de Obama e reforçar a ocupação do Afeganistão. É o maior orçamento militar desde 2001, ano da invasão e ocupação do território afegão.

O que está por trás desse orçamento?
Apesar da orientação política fundamental de Washington continuar na mesma direção, o orçamento de Obama representa uma mudança nada sutil. O que aponta tal proposta? Uma resposta pode estar no resultado do PIB norte-americano do último trimestre de 2008. Superando as mais catastróficas previsões, a economia do país desabou 6,2%, cravando o pior resultado desde 1982.

A indústria automobilística, tradicional motor da economia dos EUA, está literalmente à beira da falência. Talvez nem mesmo o plano do governo de impor uma dura reestruturação às duas das maiores montadoras de Detroit, a GM e a Chrysler, cortando empregos e reduzindo custo da mão-de-obra, possam salvá-las da falência.

O desemprego cresce a cada dia, enquanto os bancos se revelam um verdadeiro buraco negro, no qual o dinheiro público das ajudas do governo é sugado para desintegrar-se em seguida. Enquanto isso, o déficit do país se aprofunda de forma dramática. Só para 2009, o governo prevê um rombo de 1,75 trilhões de dólares. Nada menos que 12% do PIB.

A recessão caminha a passos largos para uma possível depressão. Os trabalhadores norte-americanos por sua vez, ainda que não de forma generalizada, deram importantes exemplos de luta, como na ocupação da fábrica Republic of Windows and Doors em Chicago no final de 2008. Pode ser que, diante do recrudescimento da recessão, o movimento operário e as lutas populares ressurjam. E isso é tudo o que o imperalismo não quer.

A escolha pela área da saúde não foi à toa. Grande parte da renda das famílias vai para custear tratamento de saúde, já que o sistema nos EUA é praticamente todo privado. O orçamento de Obama, desta forma, aparece como uma política defensiva, a fim de prevenir possíveis mobilizações. É sintomático, por exemplo, que o apoio à proposta do presidente norte-americano vá do tradicional jornal New York Times até a revista britânica The Economist.

O horizonte vislumbrado por Barack Obama não é nada tranquilo, e o governo age para que não piore. Para ele, é claro. Com essas medidas, porém, vai apenas tapar o sol com a peneira.