Lula e o empresário Emílio Odebrecht, dono da empreiteira que leva seu nome

Com o momentâneo arrefecimento do impeachment de Dilma, disputa mira 2018

No último período, ao mesmo tempo em que a crise política se arrefecia em Brasília com a ofensiva do impeachment perdendo fôlego, Eduardo Cunha na berlinda e os partidos da oposição burguesa dando as mãos ao governo em torno do ajuste fiscal, uma nova frente da disputa era aberta. O ex-presidente Lula, até então poupado das denúncias de corrupção e mantido pelo PT como trunfo eleitoral para 2018, foi arrastado para o olho do furacão e está sendo atingido por fogo cerrado.

Gozando de alta popularidade quando deixou o Planalto, de repente Lula se vê obrigado a responder por três denúncias ao mesmo tempo. Um triplex no Guarujá reformado aparentemente de graça pela empreiteira OAS, que teria também atuado na reforma, junto à Odebrecht, de um sítio em Atibaia (SP) supostamente utilizado pelo ex-presidente e a sua família (ainda que esteja no nome de dois empresários sócios de seu filho). Uma terceira investigação se refere à venda de Medidas Provisórias em seu governo que teriam beneficiado grandes empresas da indústria automobilística.

As notícias pululam diariamente das páginas dos jornais, com detalhes pitorescos como a construção de um elevador privativo para o triplex no litoral ou uma antena da OI especialmente colocada para atender o sítio de Atibaia.

A direção do PT, por sua vez, recorre à tese do golpe da direita, dos ataques de uma pretensa “mídia golpista” e tudo aquilo o que vêm sistematicamente fazendo desde a época do mensalão, ou seja, há mais de dez anos. Por sua vez, setores da esquerda que se colocam contra o governo vão pelo mesmo caminho e, ao mesmo tempo em que criticam a política econômica de Dilma, defendem Lula “da direita”. Mas o que está por trás dessa avalanche de denúncias contra o ex-presidente?

Novo capítulo da crise política e econômica
A crise econômica se aprofunda cada vez mais, com o avanço do desemprego a uma velocidade recorde. Ao 1,5 milhão de vagas de trabalho perdidas em 2015, somam-se dados que vão dando o contorno de uma depressão. A OCDE acaba de projetar uma estimativa de redução de 4% no PIB do país este ano. Por outro lado, principalmente após junho de 2013, há o temor de novas explosões sociais. Naquele ano tivemos um número recorde de greves (2050 contra 877 do ano anterior) e mesmo agora vemos setores que há muito não se mobilizavam protagonizando importantes lutas, inclusive com táticas radicalizadas como a ocupação da Mabe no interior de São Paulo.

Diante de um quadro de uma instabilidade cada vez maior, em que se aponta a possibilidade de explosões sociais, a oposição burguesa parece ter recuado da opção do impeachment, alternativa que nunca chegou a ser abraçada pelo conjunto da burguesia. Interessa ao governo, à burguesia e à oposição de direita a continuidade dessa mesma política econômica e não um possível cenário de instabilidade política em que um impeachment pode ter consequências imprevisíveis. De qualquer forma, por enquanto o impeachment está lá, e ao que parece, essa possibilidade estará colocada por um certo tempo a mais, mas nessas condições é algo cada vez menos cogitado.

Com isso, as atenções se voltaram a 2018. A oposição burguesa presta seu apoio ao ajuste fiscal de Dilma, deixa que o governo do PT sofra o desgaste da crise e de uma política econômica de duros ataques aos trabalhadores, e espera capitalizar isso nas próximas eleições. No meio desse caminho, porém, tem Lula. O ex-presidente já vinha sendo atingido com todo o desgaste sofrido pelo PT, com uma taxa de rejeição, por exemplo, que dobrou nos últimos dois anos, mas ainda aparece com uma intenção de votos oscilando em torno dos 20%.

Um fenômeno que pode estar muito mais ligado à falta de alternativas, num cenário em que a classe política como um todo é cada vez mais desacreditada, que uma expectativa real em Lula. Mas de qualquer forma, o ex-presidente ainda é uma carta na manga para um partido que vive uma crise histórica e enfrenta uma ruptura de massas.


Lula em campanha em 2006: Situação econômica possibilitou construção do mito

Lula e as empreiteiras
Isso explica o esforço da direção do PT em defender o ex-presidente. Para que se mantenha como um trunfo, é necessário resguardá-lo da crise política e preservar a imagem construída em torno à sua figura, de um presidente “dos pobres”, que imprimiu uma política externa “soberana” e enfrentou os interesses dos poderosos. Papel que vai ficando cada vez mais difícil de sustentar, já que, se há seis anos estávamos numa conjuntura de crescimento econômico em que foi possível erigir o “mito Lula”, hoje, as parcas conquistas desse período vão se reduzindo a pó. A imagem de Lula vai-se “desconstruindo” com a própria realidade.

O incrível nisso tudo é que setores da esquerda que no discurso são contra o governo se esforcem para defendê-lo. O dirigente do MTST, Guilherme Boulos, por exemplo, na semana em que Dilma foi ao Congresso Nacional apresentar sua proposta de reforma da Previdência, dedicou sua coluna no jornal Folha de S. Paulo a defender o ex-presidente.

As investigações em torno de Lula têm motivação política, como argumentam esses setores? Tem. No entanto, o que não dizem ou explicam, são as relações de compadrio entre o ex-presidente e as maiores empreiteiras desse país. Se um triplex no Guarujá ou o sítio de Atibaia não se comparam em valores aos bilhões desviados no esquema investigado pela Lava Jato, eles, por outro lado, são simbólicos de como Lula é tratado pelas empreiteiras. Com mimos e presentes de velhos amigos. Antes mesmo desses escândalos, Lula já havia embolsado R$ 27 milhões com palestras às empresas em quatro anos, desses, R$ 10 milhões só das empreiteiras envolvidas nos esquemas de corrupção da Petrobrás.


Sítio em Atibaia: Mimo de amigo

E não é difícil entender o motivo disso. Em seus oito anos de governo, Lula beneficiou os banqueiros, o setor agropecuário e… as empreiteiras. Para isso, fez uso do BNDES, elaborou grandes obras como a transposição do rio São Francisco e a Usina de Belo Monte, enfrentando populações ribeirinhas e indígenas e ameaçando o meio ambiente, e, com os empreiteiros a tiracolo, viajou o mundo como um verdadeiro relações-públicas das grandes empresas a fim de vender os serviços lá fora. Fruto disso, os lucros das maiores empreiteiras do país dispararam. A Odebrecht que lucrava R$ 550 milhões em 2006, em 2014 já no governo Dilma recebia R$ 11,4 bilhões. A Camargo Correa, por sua vez, cujo lucro era de R$ 1,1 bilhão, em 2014 já ganhava R$ 4,7 bi.

Lucros que eram conseguidos, aliás, à base de uma superexploração brutal dos operários, como se revelou nas revoltas que explodiram em Jirau e Belo Monte durante o governo Lula, com os trabalhadores lutando por condições mínimas de sobrevivência.

Lula é ou não um amigo íntimo das empreiteiras?

É gritante, por outro lado, a hipocrisia das denúncias e do pretenso discurso de moralidade encenado pelo PSDB. Nas últimas eleições, o partido foi o que mais recebeu recursos das grandes empreiteiras, um pouquinho a mais que o próprio PT. Foram R$ 65 milhões contra R$ 58 despejados por OAS, Andrade Gutierrez, UTC, Odebrecht e Queiroz Galvão (confira aqui). A grana dada ao Partidos dos Trabalhadores é fruto de corrupção e aos tucanos é ungida pelo Espírito Santo? Não parece o caso.

O que está por trás do apoio a Lula?
O ex-presidente não cumpre apenas um papel de possível candidato nas próximas eleições. Sua autoridade o possibilita ser uma ponte direta entre o movimento sindical e o governo, colocando sua autoridade a serviço do ajuste fiscal. Foi por isso que se reuniu com Dilma para tratar da reforma da Previdência, prometendo o apoio dos dirigentes do partido e da CUT à proposta. Mas ao mesmo tempo, faz uma espécie de jogo duplo: em reunião com os dirigentes da central sugere que não se enfrentem com suas bases. Tenta assim garantir que não se mobilizem para impedir o ajuste fiscal, mas que também não se choquem demais com as bases a ponto de perder o controle.

O apoio de setores da esquerda ao ex-presidente, ainda que criticando a política econômica de Dilma, quer queiram ou não, implica no apoio ao próprio governo, que por sua vez é quem aplica essa política econômica. E também a uma possível continuidade do governo do PT em 2018, seja o apoiando no primeiro turno ou num eventual segundo turno. Ao invés de enfraquecer a oposição burguesa, isso tenta refrear a ruptura das massas com o governo, obstaculizar uma reação à altura nas lutas aos seus ataques como uma greve geral, e impedir que avance uma alternativa a esses dois pólos da burguesia.