RIO DE jANEIRO 28 05 2018 Caminhoneiros ainda ocupam trecho da Rodovia Presidente Dutra Rio de Janeiro.Tomaz Silva/Ag Brasil

Uma pergunta paira sobre a cabeça dos caminhoneiros e dos ativistas que apoiaram sua heroica luta: o que explica a ampla unidade entre a família Marinho (dona da rede Globo), Temer, Bolsonaro, o PSDB e a cúpula do Exército, para derrotar sua greve?

Isso sem mencionar o fato de que as centrais sindicais (exceto a CSP-Conlutas) se recusaram a chamar a Greve Geral. E, apesar do apoio formal do PT, um de seus governadores apoiou explicitamente a repressão à greve sem ser repreendido. Além disso, atuaram para tentar atrelar o movimento de apoio aos caminhoneiros à campanha pelo “Lula Livre”, dividindo não somente o movimento de apoio, mas atuando de fato contra a mobilização dos caminhoneiros.

Então, qual a razão da profunda unidade dos de cima para atacar a greve dos caminhoneiros? A heroica luta dos caminhoneiros abriu as cortinas e apresentou para quem quiser ver a cara do nosso país: umas quantas famílias de bilionários que, associadas às grandes multinacionais, saqueiam o Brasil à custa da miséria da maioria da população.

Para lutar contra estas grandes famílias de bilionários que controlam o país junto com o capital financeiro internacional, é necessário lutar contra o lugar que foi reservado ao país na divisão internacional do trabalho: exportador de óleo cru e pasto para bois.

O que as classes e os setores de classe envolvidos nesta luta expressaram é o nosso critério para entender o seu caráter, a sua dinâmica e suas consequências. Sem começar por isso, não entenderemos nem os seus limites e, ao mesmo tempo, sua grandeza: a covardia da burguesia e sua subserviência ao imperialismo; a combatividade e determinação dos caminhoneiros; o entreguismo do PT que nunca se colocou contra o projeto de converter nosso país em mar de soja e pasto para bois enquanto a maioria da população paga a conta. E o populismo de direita do Sr. Bolsonaro, que demonstrou que seus discursos contra a ordem é pura conversa fiada: apoiou a repressão e ajudou a desmontar a greve.

E neste marco, como se comportaram as organizações da esquerda para enfrentar a primeira luta política com a ultradireita que disputou a hegemonia do movimento.

A submissão ao imperialismo
Se o Brasil fosse um país que não produzisse uma gota de petróleo e todos os combustíveis fossem importados, o argumento de que o gás de cozinha, o diesel e gasolina comprados em dólares aumentariam de acordo com a oscilação da moeda, teria uma explicação dentro da irracionalidade capitalista. No entanto, a realidade é oposta a tudo isso. Segundo o artigo de Nazareno Godeiro, estima-se a existência de cerca de 100 bilhões de barris de petróleo no subsolo brasileiro. Uma riqueza estratosférica que alcança a cifra entre 5 e 10 trilhões de dólares. Ou seja, temos petróleo de sobra.

A Petrobras exporta cerca de 400 mil barris/dia – o equivalente a 20% de sua produção de óleo bruto – para importar o equivalente em diesel e gasolina. Então, estaria justificado teoricamente o aumento do preço na medida em que temos petróleo, mas não temos capacidade de produzir Diesel e gasolina? Não. Porque há uma ociosidade de 28% na capacidade de produção das refinarias. Deixamos de refinar aqui para importar das grandes companhias multinacionais.

Mas isso é completamente irracional, poderia refletir o leitor. “Por que para a classe dominante brasileira seria melhor ter o combustível barato para aumentar a produção e ter mais lucro, não seria interesse deles fortalecer o capitalismo?”. Mas aí é que entra a covardia e a subserviência ao imperialismo, isso também é o capitalismo em um país dominado.

O mercado de petróleo mundial é um dos mais centralizados, somente cinco grandes empresas controlam a produção e o refino a escala mundial. A Petrobrás tem a vantagem de ter capacidade de refino, tecnologia e, mais ainda, uma abundante quantidade de petróleo no subsolo brasileiro.

Ocorre que ela está sendo destruída para que o capital financeiro internacional e nacional aumente seus lucros. Antes ela era 100% estatal, a sua privatização começa com FHC e, segundo o Relatório anual da Petrobrás de 2016, o capital social da Petrobrás está repartido assim: Governo 46%; estrangeiros 36%; demais privados 16%. Ou seja, a maioria do capital está nas mãos dos banqueiros internacionais e dos bilionários brasileiros.

O ex-vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), Argemiro Pertence, afirma que 40% do lucro da Petrobrás é remetido ao exterior, depois de sua semiprivatização.

A sede de lucro do capital
O que interessa aqui é o lucro rápido. Por isso o preço aumenta de forma artificial, os custos são em reais, mas o preço oscila pelo dólar. Mas, não fica somente aí. Agora querem entregar o refino para as multinacionais e, por isso, também aumentam os preços: “… a gestão Dilma-Bendine apresentou um Plano de Negócios que previa vendas de ativos da ordem de U$ 57 bilhões de dólares até 2020. A atual gestão Temer-Parente planeja privatizar U$ 34,6 bilhões de dólares até 2021, isto é, pretende vender a metade da Petrobrás… [1]

Para o imperialismo, a Petrobrás precisa deixar de ser uma grande empresa integrada de energia, que controla toda a cadeia do poço ao posto. Assim, toda a parte de industrialização e refino passaria para as mãos das multinacionais, que decidem se mantém ou não aqui o refino ou se importam de suas empresas instaladas pelo mundo.

O aumento generalizado dos preços do gás de cozinha e dos demais combustíveis é a conseqüência da entrega de uma empresa estatal para as mãos das multinacionais.

Isso implica em uma brutal transferência de mais-valia das empresas para os grandes monopólios pela via do aumento do custo de produção, assim como dos autônomos e da renda da maioria da população pelo aumento do gás de cozinha e da gasolina para os grandes acionistas da Petrobrás.

Assim, a luta pela redução do preço dos combustíveis é progressiva. Pois o aumento dos preços de acordo com o dólar é a conseqüência da subordinação do país aos interesses das multinacionais e das grandes famílias bilionárias brasileiras acionistas da Petrobrás. Não se pode dizer outra coisa desta destruição e transferência de riqueza que não um roubo.

As classes em luta
Em artigo neste site, Iturbe nos oferece um panorama das classes envolvidas na mobilização. Segundo dados da ANTT (Agencia Nacional de Transportes Terrestres) a frota de caminhões do país alcança 1.434.888 caminhões distribuídos da seguinte forma: 811.916, ou 56% pertencem aos “transportadores autônomos”; 615.481 ou (42,9%) está nas mãos das empresas.

As dez maiores empresas do setor somam apenas 30 mil veículos. Sendo que a maior empresa a JSL tem 9,6 mil veículos.[2] Assim, as pequenas e médias transportadoras, com uma média de cinco caminhões, perfazem a maioria das empresas. Os trabalhadores destas empresas são submetidos a uma brutal exploração, recebem entre um e três salários mínimos e 42% não tem carteira assinada e as jornadas de trabalho não obedecem a qualquer regulação.[3]

Entre a massa dos trabalhadores autônomos, que compõe 56% da frota e são proprietários dos veículos, 60% deles não tem o Ensino Médio, trabalham cerca de doze horas diárias e tem uma renda mensal que pode alcançar quatro mil reais. Assim, a característica mais importante do setor está no fato de que os pequenos proprietários, que vivem de seu próprio trabalho ao mesmo tempo em que é proprietário do meio de produção – o caminhão – compõem a maioria do transporte de cargas.

A covardia da burguesia brasileira também se estende aos grandes proprietários do setor de transporte. Ao negociarem com o governo em nome do setor e terem suas demandas parcialmente atendidas, e o medo de que a radicalização do movimento questionasse seus próprios interesses, anunciaram com pompa o “fim da greve”, mas a decisão não estava em suas mãos, mas dos caminhoneiros autônomos.

A partir de então o movimento tem um novo momento subindo um degrau. A ruptura da unidade entre os empresários e os caminhoneiros, e sua radicalização, atraiu a simpatia da população catalisando o ódio ao governo abrindo o caminho para a solidariedade ativa. E é justamente aí que se forja uma ampla unidade de toda classe dominante e seus representantes para destruir a mobilização.

O capital financeiro não aceitou nenhuma mudança na política de preços da Petrobrás, o que deixou o governo imprensado entre os caminhoneiros e o imperialismo. O crescente apoio da população obriga o governo a ceder, mas vai querer, como já tem anunciado pela forte campanha da imprensa, fazer com que a população pague a conta, com novos cortes no orçamento e aumento dos preços administrados pelo governo.

Caminhoneiros ainda ocupam trecho da Rodovia Presidente Dutra Rio de Janeiro.Tomaz Silva/Ag Brasil

Com os caminhoneiros ou com o governo?
A dinâmica da mobilização que obteve a simpatia de mais de 80% da população e galvanizou a raiva contra Temer e sua corja de bandidos, abriu uma nova situação política. Em primeiro lugar, a imensa maioria da população trabalhadora, mesmo com o sacrifício representando pela falta de combustível e o inicio de falta de alguns itens nos supermercados, seguiam apoiando a greve. Esta disposição pode indicar uma mudança importante na realidade.

Em outro sentido, ao mesmo tempo em que a maioria da população apoiava e mostrava disposição para um apoio ativo e algum sacrifício para a vitória da greve, as centrais sindicais e o PT atuaram em sentido oposto: desperdiçaram a oportunidade de derrubar Temer. Atuaram como sustentáculo do governo.

Estes dois fatores ainda seguem marcando a situação política. A imensa disposição para a luta ante a piora das condições de vida, e a trava dos aparatos políticos e sindicais. É a superação desta contradição ou o início dela o que pode aprofundar as lutas, por isso as “explosões” se dão nos setores menos controlados pelos aparatos como os caminhoneiros.

E nesta nova realidade aberta pela greve há um fato importante. A disputa dada pela ultradireita pela consciência dos caminhoneiros. As organizações da “esquerda” que utilizaram o fato de que havia faixas pela intervenção militar como o elemento que determina todo o movimento, ignorando a justeza da reivindicação e das classes sociais em luta, não fez outra coisa que entregar a luta dos caminhoneiros aos grupos de direita que intervieram de forma organizada.

Em outro sentido, as declarações de Bolsonaro exigindo o fim do movimento e contrário à intervenção militar, não somente demonstra como esse bandido é subserviente ao imperialismo, mas o coloca no mesmo campo dos que estiveram contra a greve ou vacilaram em apoiá-la.

No entanto, se é verdade que a composição social do movimento facilitava a entrada da direita, o ódio às instituições e a necessidade de uma ordem estabelecida que dê alguma previsibilidade aos negócios, leva a pequena burguesia à radicalização. A agitação pela intervenção militar preenchia o vazio de uma saída aparentemente radical, que aparece contra o regime.

Mas, enquanto isso, o PT e os seus satélites defendiam a manutenção do calendário eleitoral ou insistiam no “Lula Livre”; atuam de fato para manter a ordem atual deixando o discurso da aparente luta contra a ordem na mão da direita. Ao se negar a convocar a Greve Geral colocando em movimento os trabalhadores, o PT e as centrais sindicais bloquearam a possibilidade de uma alternativa de classe visível contra a alternativa da “intervenção militar” facilitando o trabalho da ultradireita. Ainda mais quando um governador desse partido exige do governo a repressão aos caminhoneiros, e, diga-se de passagem, com o medo de que a repressão deflagrasse um levante nacional ainda mais profundo, as Forças Armadas optaram por uma repressão seletiva e não seguiram o conselho do governador petista.

Mas o fato mais importante é que a tendência à crescente polarização entre as classes e setores de classes da situação pré-revolucionaria, acirrará ainda mais a disputa pela consciência dos trabalhadores. A pergunta que não quer calar depois da greve é: qual a saída para o Brasil? De nossa parte, seguiremos defendendo as tarefas as quais nos parecem que estão a altura das ações, que os trabalhadores se rebelem e acreditem somente em suas próprias forças, que a covarde burguesia brasileira sócia do imperialismo no saque ao país somente tem a oferecer o aprofundamento da pobreza e da degradação. Lutemos por num projeto socialista.

[1] Vendas por concluir no valor de R$ 28 bilhões de reais… gasodutos do Sudeste, Liquigás, BR distribuidora, Petroquímica Suape e Companhia integrada Têxtil de Pernambuco(que estão sendo oferecidas por 10% do que foi investido nas empresas), venda de campos maduros em terra e mar no RN, Sergipe, Bahia, Ceará e Espirito Santo, a Termobahia, venda de parte dos campos do pré-sal de Iara, Lapa, Carcará, Baúna, Tartaruga Verde. Godeiro

[2] https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,hipotese-de-locaute-para-a-greve-dos-caminhoneiros-esbarra-em-pulverizacao,70002327133

[3] ttps://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/leis-nao-alteraram-perfil-dos-caminhoneiros-no-brasil-mostra-estudo/