Nas últimas semanas muito se reclamou sobre o fim da internet ilimitada, mas não é só isso

Você já reparou que ninguém mais usa a expressão “conectar-se à internet”? Já se foi o tempo em que tínhamos que ligar o computador e esperar o modem discar. Hoje e cada vez mais, vivemos um estado de conexão permanente, ao ponto em que dizemos, simplesmente, “abre a internet aí” e pronto, estamos navegando. E isso em qualquer lugar. Na rua, no ônibus, no tablet, celular, trabalho, e por aí vai.

De todas as formas de telecomunicação, a internet foi a que mais cresceu nos últimos anos, chegando a competir com a televisão. Não vivemos mais sem internet. Isso mostra o seu potencial e a importância que tem para nossas vidas hoje.

O Brasil não tem a melhor internet do mundo, é verdade. Em um ranking mundial de velocidade, em 2015, ficamos em 90º, atrás de países como Equador, Colômbia e Peru. Mas mesmo assim, nas últimas semanas, alguns fatos tem preocupado os usuários. Mais especificamente, dois: a CPI dos Crimes Cibernéticos e o fim da internet ilimitada, com a adoção de franquias. Aparentemente desconexos, os dois fatos mostram que mesmo em uma situação crítica, para as grande empresas o que importa é o lucro.

CPI dos Crimes Cibernéticos ameaça liberdades básicas
Em 2015, após algumas operações da Polícia Federal envolvendo desvio de dinheiro online e também tráfico de pessoas, foi criada no Congresso Nacional a CPI dos Crimes Cibernéticos. Presidida pela deputada Mariana Carvalho (vice-presidente nacional do PSDB) e tendo como relator Esperidião Amin (PP-SC), a Comissão propõe medidas descabidas para tentar resolver o problemas.

Apresentado em 31 de março e ainda em votação, o relatório final da CPI sugere projetos de lei que incluem investigação sem mandado judicial; a obrigação dos servidores a controlarem conteúdo notificado como “nocivo à honra”; responsabilização dos servidores obrigando-os a remover conteúdo em até 48 horas; e a permissão para que juízes bloqueiem aplicativos e serviços à nível de estrutura, como recentemente aconteceu com o WhatsApp. Tudo isso e outras medidas não mencionadas aqui mas que são tão preocupantes quanto essas.

Ou seja, pouco mais de uma ano após a aprovação do Marco Civil da Internet, a CPI propõe uma revisão em seus pontos básicos, como o da neutralidade da rede e o não monitoramento de dados.

Mas há outro ponto no relatório final que chama a atenção. Sobre a franquia de internet, a CPI reconhece que a infraestrutura de telecomunicação no país está à beira de seu esgotamento e que, por isso, as empresas estão limitando o serviço. No caso da internet, o relatório final da CPI indica a adoção de um sistema chamado IPv6. Isso aumentaria a possibilidade de conexões no país. Algo parecido com a inclusão do nono dígito nos números de celular (aumentando o número de linhas possíveis).


João Rezende, presidente da Anatel, diz que a culpa é dos usuários

Fim da internet ilimitada
Isso está diretamente relacionado com o que vimos essa semana, com a declaração das operadoras dizendo que a internet residencial passaria a ser franqueada, ou seja, a ter limites assim como no celular. Com essas mudanças, os usuários passará a ter um limite de uso e, atingido esse limite, a internet será cortada ou terá sua velocidade reduzida.

Não é mera coincidência que isso esteja sendo proposto agora. Com o aumento do uso da internet, seja no telefone, em casa ou na TV (serviços como Netflix, por exemplo), veio à tona a falta de investimento em infraestrutura. É um verdadeiro gargalo. Diante disso, ao invés de resolverem o problema, investindo em infraestrutura, as operadoras preferem preservar seus lucros e limitar o serviço para a população. É a lógica do lucro e do capital falando mais alto do que o direito à comunicação e o desenvolvimento tecnológico.

E tudo isso sob a proteção do governo. “A era da internet ilimitada acabou”, afirmou João Rezende, presidente da Anatel. Pior ainda, disse que “Essa questão do ‘infinito’ educou mal o usuário” e também que quem fica jogando o tempo todo gasta muita internet. Uma declaração tão ridícula quanto dizer que a culpa dos ônibus lotados é dos usuários que usam muito ônibus, e que a solução proposta pelas empresas seria limitar o número de viagens que cada pessoa pode fazer.

Na sexta-feira (22) enquanto fechávamos esse texto, a Anatel decidiu suspender o bloqueio por conta do número de reclamações que recebeu. Entrento, até então a única preocupação da agência era de que os clientes fosse devidamente informados da mundaça (ela pretendia reunir as operadoras para estabelecer um plano de comunicação). Embora não se possa descartar, é difícil acreditar que uma ação efetiva seja tomada. Isso porque não se trata apenas de uma “liberdade de negociação” das empresas, mas de um gargalo estrutural.


Roberto Marinho de braços dados com o ditador João Figueiredo

Como chegamos a esse ponto
Os problemas de infraestrutura de comunicação no Brasil não vem de hoje. Durante a ditadura militar, o Estado assumia a responsabilidade de fazer esses investimentos.As maiores beneficiadas disso foram as grandes empresas de telecomunicação, com destaque para as Organizações Globo. O resultado desse acordo foi a criação de um sistema de mídia altamente monopolizado e capacho ideológico da Ditadura. Se o Brasil hoje tem um dos sistemas de comunicação mais concentrado do mundo, é porque recebemos isso de herança do regime militar.

Nos anos 90, com a ascensão do neoliberalismo, houve no país uma série de privatizações. Entre elas a das telecomunicações, com destaque para a privatização da Telebrás, a maior já realizada no país. Em meio a esse processo, houve uma mudança de legislação. Diante do desmonte do Estado, as telecomunicações passaram a ser consideradas serviços não-essenciais. Isso significava que Estado deveria priorizar áreas como saúde e educação, deixando as outras para o setor privado. Passados quase 20 anos, o que vemos é que o que prevaleceu em todos esses anos foram os interesse das empresas. Evitou-se a todo momento investir em infraestrutura e hoje estamos diante de uma encruzilhada.

Lógica do lucro não é a lógica do desenvolvimento
Há quem defenda que o livre mercado é a melhor maneira de garantir um bom serviço. Mas isso ou é incompreensão ou é piada de mal gosto. A telefonia, por exemplo, foi privatizada. E se alguém acha que o sinal é bom, provavelmente não usa celular.  E isso não é porque as empresas sejam incompetentes. Isso acontece porque o que vale é o lucro, e não a prestação do serviço.

E é essa lógica do lucro que faz com que não se desenvolvam determinadas vacinas, ou remédios contra para doenças como o câncer. Que não se priorize meios de transporte movidos a  combustíveis alternativos, ou que se prefira investir em tecnologia militar do que na produção de alimento.  A lógica do lucro e do capital não é a lógica do desenvolvimento. E sob o capitalismo, não tem por que ser diferente com a internet.