Henrique Canary, da Secretaria Nacional de Formação

Partidos revolucionários existem para dirigir revoluções. Essa é sua razão de ser. O PSTU não foge à regra: somos aqueles que se organizam e lutam para fazer triunfar a revolução socialista brasileira. As revoluções, como todos sabem, são atos “ilegais”, onde as massas organizadas rompem as correntes de dominação que as envolvem e tomam em suas mãos as rédeas de seu próprio destino. Ao fazerem isso, inevitavelmente violam a legalidade burguesa: ocupam fábricas e terras, expropriam empresas, mobilizam milhões, param o país, ignoram o poder e as leis, exercem a violência defensiva contra seus opressores.

Não seria uma contradição, portanto, um partido que luta pela revolução socialista ter uma existência legal? Disputar eleições, ter sedes públicas? Filiar pessoas, prestar contas à justiça sobre seus gastos? Não deveria um partido revolucionário manter-se em completa ilegalidade até a vitória da revolução? A existência de um partido revolucionário legal não é uma contradição em si? Um sintoma de sua adaptação à democracia burguesa?

O PSTU começou agora uma campanha de filiação e muitos ativistas honestos nos questionam sobre isso. A pergunta não é sem sentido. O marxismo já realizou grandes e importantes debates sobre esse problema. É preciso abordar o tema de maneira franca e aberta.

A tradição revolucionária
Para chegar a dirigir a classe trabalhadora na luta pelo poder, o partido revolucionário deve romper com a marginalidade. Ou seja, deve ser conhecido, escutado e seguido por milhões. Isso, obviamente, não acontece da noite para o dia, mas através de um longo e tortuoso processo de construção partidária. Nesse terreno, a tarefa dos revolucionários consiste em aproveitar cada oportunidade para se apresentar diante das massas como uma alternativa política. E não estamos falando apenas da atuação eleitoral ou parlamentar, mas de algo muito mais profundo: o partido revolucionário deve tornar-se o grande partido da classe trabalhadora, a referência de suas lutas, o instrumento de sua educação política, o espaço de sua organização cotidiana.

O Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD, na sigla em alemão), por exemplo, fundado em 1875, adquiriu uma influência gigantesca sobre a classe trabalhadora daquele país graças à combinação da estratégia revolucionária com a atuação legal. O SPD, além de eleger parlamentares e dirigir sindicatos, organizava clubes culturais, montava bibliotecas para os trabalhadores, criava círculos de estudo e alfabetização, publicava jornais diários, editava revistas teóricas e muitas outras atividades. Mais tarde, esse partido se degenerou, abandonando a luta pela revolução socialista, mas deixou na história a marca do incrível trabalho legal que realizou. O SPD aproveitava cada oportunidade para se aproximar dos operários mais simples, mais conservadores, mas que viam nele o seu partido, o partido de sua classe.

Mas certamente o exemplo mais rico de combinação da estratégia revolucionária com a atuação legal vem do Partido Bolchevique, que conduziu a classe operária russa ao poder em 1917. Ao contrário do que em geral se pensa, os bolcheviques não tiveram apenas uma atuação clandestina nos anos que antecederam a tomada do poder. Por diversas vezes, atuaram de maneira aberta, participando das eleições e publicando jornais legais. Isso contribuiu enormemente para que o Partido Bolchevique ampliasse sua influência sobre a classe trabalhadora, o que por sua vez foi decisivo no momento da disputa pelo poder.

Eis a opinião de Lênin, dirigente da Revolução Russa, sobre a importância, para o Partido Bolchevique, da combinação do trabalho legal com a estratégia revolucionária:
“Esse procedimento [a combinação do trabalho legal com a estratégia revolucionária] não foi utilizado nem pelos socialistas-revolucionários, nem pelos kadetes, o mais organizado dos partidos burgueses: partido quase legal, que dispõe, em comparação com o nosso, de recursos financeiros infinitamente maiores e tendo possibilidades enormes de utilizar a imprensa e viver legalmente. E nas eleições à 2ª Duma [parlamento], nas quais tomaram parte todos os partidos, não foi demonstrado, de maneira evidente, que a coesão orgânica de nosso partido e de nossa minoria parlamentar na Duma foi superior à de todos os demais partidos?”

Ou seja, o partido mais revolucionário que a história já conheceu utilizava a legalidade burguesa de maneira mais hábil e mais inteligente do que os próprios partidos burgueses liberais! Mas isso, que parece uma contradição, é justamente a ideia fundamental de Lênin em termos de organização revolucionária: um partido com uma estrutura flexível, capaz de passar rapidamente da mais absoluta ilegalidade a uma atuação legal ampla (caso as condições permitam). E o contrário: em caso de golpe ou repressão, capaz de sair imediatamente do cenário legal e passar à clandestinidade, de forma a preservar seus quadros, sua direção e seu trabalho político.

Após a vitória da Revolução Russa, a Internacional Comunista (ou Terceira Internacional), ou seja, o partido mundial da revolução fundado em 1919 para dirigir a revolução socialista internacional, definiu assim as tarefas dos revolucionários em termos de combinação do trabalho legal com o clandestino:

“Seria um grande erro preparar-se exclusivamente para os levantes e os combates de rua ou para os períodos de maior opressão. (…) Cada partido comunista ilegal deve saber utilizar todas as possibilidades do movimento operário legal para se transformar, por meio de um trabalho político intensivo, no organizador e verdadeiro guia das grandes massas revolucionárias”.

Nossa experiência
Depois que foi expulso da URSS em 1929, Trotsky, dirigente da Revolução Russa ao lado de Lênin, se dedicou a fundar a Quarta Internacional como continuidade da Terceira Internacional, degenerada pela contrarrevolução stalinista. A tarefa fundamental naquele momento era fazer com que os revolucionários superassem a marginalidade imposta pelo peso do stalinismo no movimento de massas. Trotsky continuou na nova Internacional, a tradição bolchevique de combinação entre o trabalho legal e a estratégia revolucionária, com vistas a ganhar a consciência dos trabalhadores.

O Partido Socialista dos Trabalhadores norte-americano (SWP, na sigla em inglês), por exemplo, aplicou ao longo de sua história uma infinidade de táticas legais: disputas sindicais, participação eleitoral, organização de greves econômicas, chamados à construção de novos partidos legais etc. Tudo isso com um único objetivo: chegar às amplas massas, disputar a direção política da classe operária.

A corrente internacional fundada pelo dirigente trotskista argentino Nahuel Moreno, e da qual o PSTU faz parte, fez o mesmo: participação nas organizações sindicais legais do peronismo, amplas campanhas eleitorais sempre que as condições permitiam, unificações com outras organizações revolucionárias para formar novos partidos legais etc.

Aqui no Brasil, a organização trotskista surgida na metade dos anos 1970 e que deu origem ao PSTU teve desde o início essa mesma preocupação: a busca do movimento de massas através de um amplo trabalho de agitação legal. Em plena ditadura militar, fomos os primeiros a defender a construção de um partido socialista legal, proposta que acabou sendo superada positivamente com a fundação do PT em 1980. Ao sermos expulsos desse mesmo PT em 1991, imediatamente começamos a trabalhar pela construção de um novo partido revolucionário legal, o que culminou na fundação do PSTU em 1994.
Assim, o trabalho revolucionário legal é parte de nossa tradição. Ele é necessário pelo simples motivo de que em épocas de calmaria as massas não estão dispostas a ações revolucionárias por fora da legalidade burguesa. Tal é a realidade com a qual os revolucionários devem lidar em sua luta por dirigir as massas e ganhar sua consciência.

Como dizia Lênin, “Vosso dever [dos comunistas] consiste em não descer ao nível das massas, ao nível dos setores atrasados da classe. Isso não se discute. Tendes a obrigação de dizer-lhes a amarga verdade: dizer-lhes que seus preconceitos democrático-burgueses e parlamentares não passam disso: preconceitos. Ao mesmo tempo, porém, deveis observar com serenidade o estado real de consciência e de preparo de toda a classe (e não apenas de sua vanguarda comunista), de toda a massa trabalhadora (e não apenas de seus elementos avançados).”

O PSOL e a legalidade burguesa
O que dissemos até aqui não tem nada a ver com o que fazem, por exemplo, algumas correntes do PSOL, que simplesmente abandonaram qualquer perspectiva de atividade revolucionária de combate. Essas correntes consideram que entramos em uma época histórica em que as revoluções não são possíveis. Dizem que devemos nos preparar para décadas de estabilidade política, social e econômica. Fruto dessa avaliação, essas correntes ditas socialistas acabam com todas as características conspirativas de sua organização: o segredo, a preservação da estrutura dirigente, a separação estrita entre militantes e filiados etc. Desmontam a organização revolucionária e preservam apenas a organização legal. Se entregam de corpo e alma à legalidade burguesa. Está claro que em um momento de ascenso revolucionário, estas organizações estão condenadas à falência e ao desaparecimento.

As correntes ditas socialistas que existem no PSOL cometem um erro grave porque confiam nas boas intenções da democracia burguesa; esquecem que o acirramento da luta de classes acaba com qualquer vestígio de democracia, mesmo da democracia formal. Os ex-moradores do Pinheirinho, por exemplo, expulsos de suas casas apesar de uma liminar concedida pela justiça, sabem muito bem que a palavra (mesmo escrita!) da democracia burguesa não vale absolutamente nada. Confiar na legalidade burguesa, como fazem essas correntes, é acabar com o caráter socialista e revolucionário da própria organização.

Nosso atual objetivo na atividade legal
O PSTU está em campanha de filiação. Nosso objetivo é aumentar significativamente o número de operários, jovens e trabalhadores em geral que têm uma relação formal, oficial, com nosso partido. Esse tipo de relação é muito importante para um setor da classe trabalhadora. Vários companheiros relatam que quando vão visitar ativistas operários mais velhos em suas casas, estes muitas vezes se declaram comunistas e exibem com orgulho a carteirinha já envelhecida de filiado do antigo PCB. Provar por meio da carteirinha do partido sua condição de operário e comunista já foi um gesto comum em nossa classe. E era uma linda tradição. Para um operário, filiar-se a um partido é estabelecer um vínculo, assumir um certo compromisso político e ideológico, colocar-se já em um lado da trincheira.

Em um partido revolucionário, o filiado é diferente do militante. O militante tem direitos: pode influenciar os rumos do partido, assumir tarefas de responsabilidade e disputar a direção da organização. Já o filiado não tem esses direitos. Mas isso não quer dizer que o filiado não possa ter um papel importante na vida do partido. Queremos consolidar uma relação política e ideológica com milhares de ativistas que nos olham com simpatia, concordam em geral com nosso programa, vêem com bons olhos as ideias do socialismo, mas não querem ser militantes, ou seja, não querem dedicar o essencial de seu tempo à atividade revolucionária. Essa relação política deverá ser alimentada por nossos materiais impressos e eletrônicos, pela presença desses filiados em nossas atividades abertas de propaganda e agitação, por relações sociais mais próximas.

Nossa campanha de filiação nada mais é, portanto, do que um pequeno, porém importante passo na disputa pela consciência das massas. Trata-se de aumentar, expandir, fortalecer a influência do partido revolucionário sobre sua periferia política, e por meio desta – sobre os trabalhadores em geral. Trata-se, em resumo, de cravar ainda mais fundo e levantar mais alto a bandeira do socialismo.
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