A pergunta que surge é inevitável: em um mundo dominado pela internet, tem sentido a publicação de um jornal de papel?O vídeo em que Amanda Gurgel cala os deputados estaduais do Rio Grande do Norte foi visto por quase milhões de pessoas no Youtube. Sua entrevista no Domingão do Faustão foi transmitida para aproximadamente 20 milhões de telespectadores. Por outro lado, a edição do Opinião Socialista que tinha a mesma Amanda na capa foi de 9 mil exemplares, um número bastante reduzido, se comparado com os incríveis indicadores da internet e da TV.

A pergunta que surge é inevitável: em um mundo dominado pelas “novas mídias”, tem sentido a publicação de um jornal de papel e ainda por cima com uma edição tão pequena? Não seria muito melhor abolir o jornal e investir todos os esforços em um grande site ou na produção de vídeos “virais”, que se espalhassem rapidamente pela internet e levassem aos trabalhadores as ideias do partido? Por que, no início do século 21, os militantes do PSTU insistem em andar com um bolinho de jornais debaixo do braço e oferecê-los às pessoas?

Para responder a essas questões, é preciso entender o que é o jornal e qual o seu papel para um partido revolucionário.

Para que o jornal?
Qualquer operário sabe que é impossível trabalhar sem ferramentas. Por mais simples que seja a tarefa, ela não pode ser realizada sem a ajuda de algum tipo de instrumento: pá, enxada, prumo etc. Para um operário, usar as ferramentas disponíveis não é sinal de incapacidade ou inexperiência. Ao contrário, é uma demonstração de inteligência e bom senso. O que fariam, por exemplo, os operários de uma obra se vissem que o jovem servente que acabou de ser contratado não quer utilizar nenhuma ferramenta? Ele quer medir a largura das aberturas das portas com seus próprios passos, ao invés de usar a trena; quer fazer o reboco das paredes “no olho”, ao invés de usar o prumo. Ora, é óbvio que os outros pedreiros iriam rir muito desse novo colega, e depois lhe dariam um conselho de amigo: “experimente usar ferramentas!”

Os operários utilizam ferramentas por um motivo simples: porque querem fazer um bom trabalho e não uma gambiarra. À medida que um trabalhador vai se qualificando em sua função, ao invés de abandonar as ferramentas, ele faz exatamente o contrário: quer cada vez mais e melhores ferramentas. O mestre de obras já não se contenta com o prumo normal. Ele sonha com o prumo eletrônico, ou quem sabe um dia o prumo a laser!
Com a atividade militante, acontece a mesma coisa: o “trabalho” do militante é a disputa política e ideológica na base em que ele atua (sua categoria, sua empresa, seu bairro etc). O jornal do partido é a ferramenta para esse trabalho.

Uma ferramenta para a agitação
“Disputa política” significa convencer as pessoas das ideias e propostas do partido revolucionário que não se resumem ao que acontece em uma empresa ou categoria. Ao contrário, elas dizem respeito, em primeiro lugar, à realidade nacional e internacional. Fora Palocci! Vamos barrar o novo Código Florestal! 10% do PIB já! Todo apoio à revolução árabe! Temos aí alguns exemplos de ideias e propostas de nosso partido para a atual conjuntura. As propostas de um partido revolucionário para uma fábrica ou empresa são apenas o reflexo de suas ideias e propostas mais gerais.

Mas como eu sei quais são as principais propostas do partido para a atual conjuntura? Quem me diz isso é o jornal, sobretudo em suas páginas centrais e no seu editorial. Por isso, a primeira função do jornal do partido é ser uma ferramenta para o militante fazer agitação política sobre sua base. “Agitação”, como o próprio nome diz, é a arte de entusiasmar as pessoas com duas ou três ideias centrais e convencê-las a agir: passar um abaixo assinado, fazer uma greve, montar barricadas nas ruas.

Se vou para uma assembleia ou se minha categoria está em greve, posso preparar minha fala em base aos principais artigos do jornal. Posso escolher dois ou três assuntos, ou me concentrar em apenas um. De qualquer forma, quem me diz quais são os temas mais atuais, mais importantes e quais as saídas que o partido propõe é o jornal.

Uma ferramenta para a propaganda
Mas por que exatamente somos contra o novo código florestal? Como assim Fora Palocci? De que jeito vamos tirá-lo de lá? Quem deve julgá-lo? Será mesmo possível destinar 10% do PIB para a educação? Não será demais? Não será melhor apoiar Kadafi para evitar que o imperialismo tome conta da Líbia? Como se vê, cada ideia ou proposta política leva a novas ideias e novas propostas, algumas bastante complicadas, que exigem mais dados, mais reflexão, mais informação.

Por isso, a segunda função do jornal é fazer propaganda revolucionária. “Propaganda” significa explicar detalhadamente alguma ideia ou proposta. Em uma assembleia ou ato público, onde as intervenções são curtas, ninguém consegue explicar nada. Um militante só tem tempo de saudar a luta, apontar alguns objetivos e propor duas ou três tarefas que ele considera importante. Mas ele tem uma saída: depois de falar no microfone, ele pode circular pelo plenário e oferecer o jornal do partido aos ativistas que o apoiaram ou demonstraram mais interesse. No jornal, esses ativistas encontrarão uma análise mais profunda da situação e muito mais detalhada. Eles saberão qual é o PIB do país, quanto o governo destina desse PIB para a dívida interna e externa e o que seria possível fazer com esses 10% se eles fossem investidos na educação.

Assim, em base ao jornal, um operário pode conversar sobre educação com um bancário e este pode conversar sobre a Líbia com uma professora; um nordestino pode conversar com um carioca sobre as enchentes em São Paulo e nas plataformas de petróleo o assunto do momento pode ser a greve dos trabalhadores da CSN. O jornal torna-se, dessa forma, um elo político entre as distintas categorias e regiões. O operário, o bancário, a professora e o petroleiro entenderão que seus problemas são os de todo os trabalhadores e que seus inimigos são os mesmos em toda a parte: os governos de plantão, a burguesia e o imperialismo.

Uma ferramenta para construir e organizar o partido
Ao unificar o trabalho de agitação e propaganda, o jornal assume uma terceira e importantíssima função: a de “organizador coletivo” como dizia Lênin, de ferramenta para a construção partidária.

Se quero ganhar uma pessoa para o partido, lhe ofereço o jornal e a procuro para saber o que achou, quais são suas dúvidas, de quais campanhas está disposta a participar. Se tenho três ou quatro leitores fieis e que concordam com o partido, posso propor a eles nos reunirmos uma vez por semana para discutir o jornal e organizar alguma atividade. Já formei um novo núcleo. A partir daí o jornal será ainda mais importante. É ele que me diz por onde devo começar minha reunião, quais são as campanhas nas quais o partido está engajado, quais as tarefas que o movimento está realizando e como meu núcleo pode ajudar.

Em base a algum artigo do jornal, surge uma bela conversa na hora do almoço, na sala de aula ou mesmo ao pé da máquina. Como nessa conversa eu não soube responder a várias perguntas que meu colega me fez, volto para a reunião de núcleo e tiro minhas dúvidas, me preparo com novos argumentos para uma nova conversa. Me torno um militante ativo, influencio pessoas, organizo meus companheiros. Com aqueles que não concordam comigo, continuo mantendo boas relações e também vendo o jornal. Quem sabe um dia concordem. O partido cresce, se estrutura. Ao final, me torno aquilo que todo o militante revolucionário deve querer ser: um porta-voz dos oprimidos e explorados, uma referência política, um líder do povo.

Uma ferramenta para a educação política e ideológica
Em quarto lugar, o jornal pode e deve cumprir um papel de educador político e ideológico. A burguesia ensina aos trabalhadores tudo que é necessário para que eles cumpram suas tarefas: matemática, química, geometria, física, planilha excel etc.

Ela sabe que os trabalhadores podem compreender e utilizar os mais modernos mecanismos da tecnologia, operar as mais complexas e perigosas máquinas. Mas ao mesmo tempo ela enfia na cabeça deles que eles são incapazes de entender a sociedade em que vivem: que a filosofia é chata, que a história é inútil, que a economia é complicada demais.

Um jornal revolucionário pode e deve falar de tudo isso. Ele deve ser um instrumento para propagar as ideias do socialismo, que é a ideologia da classe operária, a ciên cia de sua libertação. No jornal de um partido revolucionário os trabalhadores devem encontrar respostas para as perguntas mais profundas de nossa vida social: como eles são explorados, por que acontecem as crises econômicas, qual a razão dos conflitos no Oriente Médio.

O verdadeiro significado do jornal
A influência ou o tamanho da tiragem do jornal depende da influência e do tamanho do partido. Não há mágica ou jogada de marketing que transforme, de repente, o jornal de um partido revolucionário em um fenômeno editorial. O caminho para a influência de massas é longo e penoso, repleto de fracassos, avanços e paradas. Para que o jornal conquiste milhões de leitores, o próprio partido precisa conquistar milhões de corações e mentes. Isso só será possível com um árduo e paciente trabalho de agitação, propaganda, construção, organização e educação política.

Dissemos que o jornal é uma ferramenta. Mas essa definição é incompleta. Se o jornal faz tanta coisa, ele é muito mais do que um simples instrumento. Se divulgar o jornal é divulgar o partido; se agitar as palavras de ordem do jornal é agitar as palavras de ordem do partido; se organizar meus companheiros em torno ao jornal é organizá-los em torno ao partido; se a alma do partido exala de suas páginas, então a conclusão é transparente como água e descobrimos com isso a verdadeira essência do jornal: ele é o próprio partido.

Outros partidos e seus jornais
No passado, cada partido da classe trabalhadora tinha o seu jornal. O que aconteceu com essas publicações? Se o jornal é tão importante, por que, então, o PSTU é praticamente a única organização de esquerda que mantém um jornal regular?
As organizações reformistas e burocráticas, como o PT e o PCdoB, não publicam jornais porque não se preocupam em elevar a consciência política e o nível de combatividade dos trabalhadores, porque se adaptaram aos gabinetes parlamentares, aos aparatos sindicais burocratizados e ao Estado burguês. Ora, para quê discutir Iraque e Afeganistão se isso não me ajuda e eleger deputados e vereadores? Para quê explicar aos trabalhadores o caso Palocci se isso questiona o governo Dilma, que “me deu um carguinho e me paga um dinheirinho?”

Outras organizações, como o PSOL, por exemplo, não têm jornal por um motivo distinto: porque são formadas por um amontoado de correntes que quase nunca concordam em nada entre si. Um jornal editado pelo PSOL não poderia se posicionar sobre a situação em Cuba, sobre as traições da CUT ou sobre a legalização do aborto porque dentro desse partido não há acordo sobre esses assuntos, e nenhuma das correntes aceita se submeter à vontade da maioria. Ele seria mudo diante dos principais fatos da luta de classes.

Assim, onde muitas vozes se calaram, e onde outras jamais se levantaram, o Opinião continua emitindo seus acordes dissonantes. E isso há 15 anos!

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