O ataque israelense ao Líbano volta a colocar a discussão sobre o Hizbollah, uma
organização política de ideologia islâmica fundada por influência de uma ala da hierarquia xiita ligada ao regime iraniano do aiatolá Khomeini, no início da década de 1980

A criação do Hizbollah, como outras correntes similares nascidas nestes anos, responde ao fenômeno que Ángel Parras analisou em seu artigo ‘Sobre o Islamismo’ (Marxismo Vivo n0 11): “As correntes islamitas existem desde o início do século 20… mas é desde 1980, depois da revolução iraniana, que se converteram em um fenômeno crescente no mundo muçulmano. (…) São correntes abertamente enfrentadas com o imperialismo e ganharam simpatia e prestígio no movimento de massas dos países muçulmanos. Depois da bancarrota do stalinismo e do antigo nacionalismo burguês pan-arabista dos anos 1960-70, ocuparam seu espaço na resistência ao imperialismo e aos governos pró-imperialistas.”

Seu desenvolvimento
Efetivamente, o Hizbollah, cujo programa não reconhece a existência de Israel e chama a destruí-lo, ganhou rapidamente peso de massas por sua atitude frente à invasão israelense ao Líbano, em 1982. Por um lado, se colou nos povos xiitas que vivem nos bairros mais pobres de Beirute. Também assumiu o peso central no combate contra às tropas sionistas que ocupavam ao sul o país e conseguiu empreender a primeira derrota militar da história de Israel, ganhando assim um imenso prestígio.

O Hizbollah desenvolveu-se não só como organização militar, mas passou a administrar centenas de municípios, que conservou depois da retirada israelense, assim como hospitais, escolas e empresas de construção nos bairros pobres de Beirute. Posteriormente, também participou das eleições conseguindo eleger vários deputados no parlamento libanês, e hoje integra o governo do país, com vários ministros. Ou seja, não se trata de uma corrente guerrilheira clássica, mas de uma direção que se integrou aos negócios e ao Estado burguês, mantendo uma força militar própria.

Um “Estado dentro do Estado”
No ano passado, depois do assassinato do então primeiro-ministro Hariri, o governo e diversas forças políticas de direita chamaram mobilizações exigindo a retirada das tropas sírias que permaneciam no país há mais de uma década. Em resposta, o Hizbollah realizou uma mobilização com 500 mil pessoas contra EUA e Israel.

Por ter uma poderosa força militar, superior inclusive ao débil exército oficial libanês, o Hizbollah é visto como “um Estado dentro do Estado” e considerado uma ameaça a “sua ordem” por parte do imperialismo, de Israel e das burguesias libanesas cristãs e sunitas. Por isso, tentaram por distintas vias desarmá-los. Há, inclusive, uma resolução da ONU pedindo o desarmamento. A atual invasão israelense representa uma nova tentativa de conseguir este objetivo.

As relações com o Irã
Os governos imperialistas e de Israel afirmam que o Hizbollah é um “instrumento do regime iraniano”. Mesmo que tal afirmação seja uma tentativa de desqualificar o Hizbollah, é evidente que a hierarquia da organização mantém fortes laços com o Irã, tanto por afinidade político-religiosa como pela ajuda financeira que recebe deste país.

A relação até agora tem sido sólida, mas não se pode descartar que no futuro possam surgir contradições, uma vez que ambas as direções se baseiam em realidades distintas.

Devido a seus atuais atritos com o imperialismo, é proveitoso para a hierarquia xiita que controla o Estado iraniano complicar a vida dos EUA e de Israel na Palestina e no Líbano. Mas os aiatolás iranianos buscam por todos os meios que a situação não escape do seu controle, uma vez que a ampliação da mobilização de massas na região seria num risco para o controle ditatorial que eles exercem no Irã. Neste sentido, não é casual que as principais forças xiitas que eles apóiam no Iraque sejam parte do governo colonial sustentado pelas tropas imperialistas ocupantes.

A direção do Hizbollah também é uma direção burguesa, integrada ao Estado libanês. Mas tanto o Hizbollah como o Líbano estão sofrendo uma brutal agressão por parte de Israel. Esta realidade pode levar a sua direção a ir mais longe do que deseja na luta contra Israel e o imperialismo.

Uma nova direção?
Independentemente das razões, o ataque que o Hizbollah realizou contra as tropas israelenses deve ser reivindicado. Em primeiro lugar, porque significa uma solidariedade concreta com o povo palestino num momento em que este é atacado por Israel. Em segundo lugar, porque marca a direção correta de unir as massas palestinas e libanesas contra Israel.

Sua luta atual contra as tropas sionistas, somada ao prestigio ganho no período anterior, abrem uma hipótese: o Hizbollah transformou-se numa alternativa de direção para as massas árabes da região na luta contra Israel e o imperialismo? Com o tempo, a própria política da direção do Hizbollah dará a resposta.

Nossa política
Qual deve ser a política dos revolucionários frente a esta realidade? Citamos novamente o artigo de Parras: “O fundamentalismo é um fenômeno similar ao nacionalismo burguês. Em conseqüência, preservando a independência política e de classe, e sem dar apoio político a essas direções, chamamos a unidade de ação com as correntes islâmicas que enfrentam o imperialismo”. Em outras palavras, nesta luta entre o Hezbollah e as tropas sionistas, a LIT-QI se reivindica claramente dentro do campo militar do Hezbollah pela derrota de Israel. Esta é a principal tarefa da atualidade.

Ao mesmo tempo, por seu caráter burguês, é inevitável alertar que, cedo ou tarde, a direção do Hezbollah terminará capitulando ao imperialismo. É necessário, então, construir uma alternativa de direção operária e revolucionária para as massas árabes e muçulmanas. Neste caminho, como disse Parras, “combatemos essas direções colocando no centro as necessidades da luta de classes, a luta contra o imperialismo e os governos lacaios. Devemos desmascarar sua inconseqüência, e sua submissão aos interesses burgueses… e o fazemos a partir da ótica da luta dos trabalhadores…”.

Atualmente, está colocada a exigência ao Hizbollah que tome o poder no Líbano para defender o país do ataque israelense frente à covarde atitude do governo e das principais forças políticas do país. Também, que faça um chamado às massas árabes e muçulmanas para que se mobilizem massivamente exigindo dos governos de seus países apoio militar efetivo para a luta contra Israel.
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