Redação

Nas últimas décadas generalizou-se uma tendência na esquerda mundial de definir como “fascista” todo movimento, governo ou político reacionário de direita. Dessa forma, chamavam de “fascistas” desde o governo de Bush até numerosos movimentos, organizações e governos em todo o mundo.

Essa generalização abusiva, iniciada pelo stalinismo durante o período em que surgiu o fascismo europeu (as décadas de 1920 e 1930), impede a compreensão das verdadeiras características do fascismo e, portanto, a proposição de políticas e métodos adequados para lutar contra ele.

O mais grave, porém, é que quem utiliza de modo generalizado a definição de “fascista” não aplica as lições históricas sobre como os trabalhadores e as massas deveriam combater o verdadeiro fascismo. Assim, suas propostas políticas confundem ainda mais o movimento de massas.

Atualmente, esse debate desenvolve-se ao redor da discussão sobre as características do movimento político impulsionado pela burguesia da Meia Lua na Bolívia. Para melhor abordar esse tema específico, nos parece oportuno refrescar algumas definições de León Trotsky, que mais seriamente estudou o fenômeno do fascismo e realizou as propostas mais acertadas de como derrotá-lo. Especialmente na série de artigos escritos ao longo da década de 1930, reunidos na obra “A luta contra o fascismo na Alemanha”.

Definições de Trotsky
a) Ele define o fascismo como um movimento político impulsionado e a serviço dos setores mais concentrados do capital financeiro e monopolista, que recruta a pequena-burguesia desesperada e pauperizada pela crise, os operários atingidos pelo desemprego e elementos lúmpens para atacar e derrotar o movimento operário e de massas com métodos de guerra civil.

b) As organizações fascistas são, inicialmente, marginais ou pequenas. Mas rapidamente podem adquirir um peso de massas devido ao aumento do desespero desses setores que os empurra até a direita. E também na medida em que a perspectiva da revolução socialista não se concretiza e, portanto, a classe operária se debilita enquanto alternativa de direção à crise.

Nesse sentido, Trotsky assinala, em 1930, que, “se o Partido Comunista é o partido da esperança revolucionária, o fascismo, enquanto movimento de massas, é o partido da desesperança contra-revolucionária”.

A luta pela pequena burguesia
Por isso, a política que propõe Trotsky para combater o fascismo se concentra em duas questões principais. A primeira é que essa batalha era, em grande parte, uma luta do movimento operário para ganhar para seu campo a pequena-burguesia ou setores importantes dela. Em épocas de crises e de processos revolucionários, esse complexo setor social (incapaz de ser o sujeito social de uma saída própria) oscila entre a classe operária e a burguesia, entre a esquerda e a direita.

Se a classe trabalhadora aparece como um claro pólo independente e oferece uma possibilidade verdadeira de revolução socialista, ganhará para essa perspectiva um importante setor pequeno-burguês. Aqui entra em jogo um fator fundamental: a existência de uma direção revolucionária (ou uma alternativa de direção) que impulsione essa política.

Mas, se a classe operária não oferece uma clara alternativa e a perspectiva da revolução socialista se diluir, o fascismo ganha setores crescentes e se fortalece cada vez mais. Em outras palavras, o crescimento das organizações fascistas é inversamente proporcional à força de atração da classe operária e suas organizações.

Por isso, Trotsky criticou duramente a política de impulsionar os governos de “frente popular” (como os da França e Espanha nos anos 30) que o stalinismo passa a adotar. Isto é, governos burgueses integrados pelas organizações e pelos partidos operários junto com setores não fascistas da burguesia. Trotsky qualificou a frente popular como “a penúltima tentativa da burguesia para frear a revolução, antes do fascismo”.

Ele alertava que, longe de ajudar a derrotar o fascismo (como diziam o stalinismo e a social-democracia), as frentes populares, por sua política de conciliação de classes e tentativas de esmagar as mobilizações de massa, só ajudariam nesse sentido, como ocorreu na Espanha em 1939.

Trotsky propunha que, além da possibilidade de realizar ações unitárias pontuais com setores burgueses para combater o fascismo, a única política revolucionária para os partidos e as organizações operárias era a de não depositar nenhuma confiança nem dar nenhum apoio a esses governos. Devia-se manter a mais absoluta independência e autonomia política tanto para combater o fascismo, como o conjunto da burguesia e o próprio governo. Qualquer forma de apoio a esses governos, incluídas aquelas indiretas ou envergonhadas, levariam à derrota da classe operária e abririam o caminho do triunfo do fascismo.

A necessidade de combater o fascismo nas ruas
O segundo aspecto central de sua proposta resume-se numa frase contundente: “Com o fascismo não se discute. Com o fascismo se combate”. Não se podia atuar com o fascismo da mesma forma como com outras correntes, disputando sua influência entre os trabalhadores e as massas através da atividade política tradicional.

Para Trotsky o centro da ação dos trabalhadores devia estar na luta física, no combate militar com os bandos fascistas. Para isso, propunha a formação de grupos de autodefesa e milícias operárias, capazes de defender os bairros, sindicatos, greves e mobilizações operárias contra os ataques fascistas. Na medida que houvesse triunfos parciais nesses combates, isto reforçaria a confiança e a determinação dos trabalhadores e iria desmoralizando as bases fascistas, permitindo assim passar a uma ofensiva mais generalizada para destruir essas organizações.

Muito relacionada com a anterior está a proposta de formar uma frente única das organizações operárias (centralmente de comunistas e social-democratas, os dois grandes partidos operários da Europa nessa época). Essa frente tinha como objetivo dar uma resposta conjunta da classe aos ataques fascistas. Ao mesmo tempo, buscava impulsionar as lutas unificadas contra os ataques econômicos da burguesia (queda do salário pela inflação, desemprego, etc.) na perspectiva de que essas lutas fossem o início da luta mais estratégica pela revolução socialista.

Lições para a Bolívia atual
Com esse marco teórico-político abordemos, agora, a situação boliviana. É necessário incorporar um elemento: a Bolívia não é um país imperialista, mas uma semicolônia muito pobre. Isto é, não se trata de um movimento impulsionado diretamente pela burguesia monopolista mais concentrada (a imperialista), mas por uma burguesia profundamente dependente. Recordemos que Trotsky, ao comparar as formas que adotavam os regimes políticos na América Latina e nos países imperialistas nos anos de 1930, sempre destacou essa diferença e utilizou denominações diferentes para expressá-las: bonapartismo sui generis, semi-fascismo, etc.

Independentemente dessas considerações teóricas, é evidente que o projeto político da burguesia da Meia Lua desenvolveu fortes características fascistas. Em primeiro lugar, é a resposta do setor mais forte da burguesia do país a um processo revolucionário que não foi derrotado, mas que, ao mesmo tempo, não avança para uma revolução operária socialista. Em segundo lugar, coexiste com um governo de frente popular considerado “inimigo”, sem que isso lhe impeça de aproveitar sua política conciliadora para se fortalecer. Ao mesmo tempo, sua ideologia é claramente racista e de desprezo com os “índios”.

O central, porém, é que, tendo conseguido o poder departamental, essa burguesia impulsiona e se apóia em organizações como a União Juvenil Cruzenha e ganha setores da pequena- burguesia para atacar o movimento de massas com métodos de guerra civil. Não só os trabalhadores e os setores urbanos pobres, mas, especialmente, os camponeses.

É muito difícil precisar se esses “destacamentos de choque” já têm peso de massas ou se ainda são organizações de uma vanguarda numerosa e ativa. Mas a experiência histórica mostra que, se o oponente não os enfrenta com total decisão, crescem muito rapidamente.

Por isso, ao mesmo tempo em que avançamos na elaboração teórico-política para precisar sua caracterização, é imprescindível retomar as propostas políticas de Trotsky para combater o fascismo.

Com o fascismo não se discute. Se combate na luta física e no confronto militar. Essa é a única forma real para derrotá-los. Em segundo lugar, a política de conciliação de classes proposta pelas frentes populares só leva ao fortalecimento e ao triunfo do fascismo.

Portanto, apoiar esses governos burgueses com a desculpa de “combater unidos o fascismo” termina sendo um caminho para a derrota. Só uma ação e uma organização independente da classe operária podem enfrentá-los. Em terceiro lugar, é necessário que a classe operária avance na perspectiva da revolução socialista para ser um pólo claro de referência para a pequena-burguesia, cada vez mais seduzida pelo fascismo, e assim ganhá-la ou, pelo menos, dividi-la.