O fator previdenciário foi instituído pela lei 9.876 de 1999. O objetivo do governo (FHC, na época) era estabelecer limite de idade para acesso à aposentadoria pelo Regime Geral de Previdência Social e, como não conseguiu aprovar no Congresso, propôs e aprovou o tal fator previdenciário. Como justificativa, a mesma mentira deslavada de sempre: equilibrar as contas da Previdência, com a redução dos gastos com as aposentadorias por tempo de contribuição.

A lei 9.876 estabeleceu que o valor da aposentadoria dependeria da idade do trabalhador, do tempo de contribuição e da expectativa de sobrevida. A sobrevida é o tempo de vida que os brasileiros ainda terão, de acordo com estimativa do IBGE, depois de uma determinada idade. Essas três variáveis (tempo de contribuição, idade e sobrevida) foram ponderadas por meio de uma fórmula matemática e resultaram no chamado “fator previdenciário“. Sempre que o fator for menor do que um, haverá desconto no valor da aposentadoria.

O resultado do fator, na prática, foi o mesmo do limite de idade. Ou seja, nenhum trabalhador consegue mais se aposentar, com o valor integral do benefício, antes dos 60 anos de idade. Pior ainda no caso das mulheres, cujo limite de idade para requerer aposentadoria com o valor integral está em 59 anos, acima, portanto, do limite de 55 anos de idade, que o governo FHC tentou instituir por meio da emenda constitucional número 20, de 1998.

Estudo dos pesquisadores Guilherme Delgado, Ana Carolina Querino, Leonardo Rangel e Matheus Stivali, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), elaborado em fevereiro deste ano, concluiu que o fator previdenciário alcançou os objetivos definidos pelo governo. Indica que, no período de 1999 a 2004, houve uma forte reversão do fluxo anual de concessão das aposentadorias por tempo de contribuição, que caíram da média anual de 339,8 mil para 136,2 mil. Contribuiu também para a queda do número de aposentadorias concedidas, a mudança do critério que antes era tempo de trabalho e passou para tempo de contribuição.

Houve também, no período analisado, uma elevação significativa na média de idade dos aposentados. A média de idade para os homens subiu de 54,3 anos, registrada no período de 1995 a 1998, para 56,9 anos. No caso das mulheres, a média subiu de 49,7 anos para 52,2 anos. O estoque de benefícios por tempo de contribuição, por sua vez, registrou forte desaceleração. A taxa de expansão desses benefícios foi de 11,2% ao ano entre 1991 e 1998 e passou para apenas 2,2% no período de 1999 a 2004.

Em resumo: o fator previdenciário criou dificuldades e limites para o acesso a aposentadoria. Uma sobrevida maior, conquista dos avanços obtidos até aqui pela humanidade, passou a ser motivo de punição.

Outra conclusão importante: se a regra do fator previdenciário for mantida, dentro de algum tempo os trabalhadores, tanto homens como mulheres, somente conseguirão obter o valor integral da aposentadoria após os 65 anos de idade. Ou seja, o fator levará, em breve, a um limite de idade bastante superior ao inicialmente proposto pelo governo FHC e também superior aos limites definidos para o funcionalismo público, pelo governo Lula em 2003, que é de 60 anos para homens e 55 anos para as mulheres. Guilherme Delgado (pesquisador do IPEA) estima que o limite de 65 anos será obtido em cerca de 10 anos.

O estudo levanta outra questão que até agora não tinha sido devidamente considerada nessas discussões. Com o fator previdenciário, o segurado do RGPS passou a viver com um elevado grau de incerteza em relação ao momento de requerer sua aposentadoria. A fórmula matemática do fator não permite ao segurado conhecer com antecipação sua situação porque ela vai depender da expectativa de sobrevida anualmente calculada pelo IBGE e decenalmente revisada por reestimativa com base no censo demográfico.

* Baseado em estudo feito por pesquisadores do IPEA publicados no jornal O Estado de S. Paulo