Segunda parte do artigoNo artigo anterior vimos como a economia capitalista passa de uma situação de crescimento e otimismo ao caos do desemprego e das falências. Descobrimos que isso acontece porque os capitalistas, ao investirem em tecnologia e maquinário para derrubar seus concorrentes, acabam aumentando os gastos de produção, o que por sua vez, leva à queda da lucratividade das empresas. Vimos também que, para compensar essa queda momentânea da lucratividade, os burgueses aumentam o volume total da produção. Ou seja, como o lucro em cada mercadoria individual diminuiu, eles produzem mais mercadorias, para tirar daí a diferença. E como todos os capitalistas fazem a mesma coisa, a sociedade se vê de repente inundada de mercadorias que não encontram compradores. É o início da crise. O primeiro capítulo desse drama, terminou com a economia capotando a 160 km/h, fruto da diminuição drástica dos investimentos capitalistas.

Neste artigo, vamos analisar outra variante das crises econômicas, as chamadas crises “financeiras”, descobrir como se dá a recuperação da economia rumo a uma nova fase de crescimento e expansão e, por fim, como se gesta uma nova crise, ou seja, vamos entender o seu caráter cíclico.

Cenas inéditas: o capital especulativo
Hoje em dia, está na moda, quando um filme faz muito sucesso, os produtores lançarem na internet ou em DVD, cenas inéditas que não foram para o cinema quando o filme foi lançado. Digamos que nossa história também possui algumas cenas inéditas, cortadas do primeiro episódio, e que revelaremos agora.

Em um determinado momento do primeiro episódio, o Sr. Smith, nosso burguês imaginário, percebeu que a taxa de lucro de sua empresa começou a cair, fruto dos gigantescos investimentos que ele era obrigado a fazer para lutar contra seus concorrentes. Como todos nós lembramos, era o momento em que tudo ia aparentemente bem, e a crise apenas se desenhava no horizonte. Naquele momento, na reunião de diretoria da empresa, alguns acionistas propuseram cortar investimento, demitir pessoal e diminuir a produção logo de cara, para evitar maiores problemas. Mas um outro setor de acionistas, com maior “visão empresarial”, propôs uma outra saída: Não fechar nenhuma planta, nem demitir ninguém por enquanto. Mas pegar o dinheiro, que deveria ser utilizado em novas máquinas e tecnologia, e aplicar tudo no mercado financeiro! Era a saída perfeita: ninguém perderia seu emprego e a queda da lucratividade da empresa seria compensada com os juros fáceis dos fundos de investimento.

Descobriram um ótimo fundo de investimento que dava até 25% de juros ao ano e se jogaram de corpo e alma no novo negócio. A vida novamente sorriu para o Sr. Smith. A cada R$ 1 milhão que ele investia na produção, ganhava apenas R$ 100 mil, ou seja, tinha uma taxa de lucro relativamente baixa de 10%. Mas, em compensação, a cada R$ 1 milhão que ele investia no mercado financeiro, ganhava nada menos do que R$ 250 mil! O departamento financeiro da fábrica se transformou no verdadeiro coração da empresa, em uma fonte de lucros muito mais importante do que a linha de produção.

Mas, como vimos, todos os capitalistas tendem a agir da mesma maneira. Assim, tal como o Sr. Smith, também o Sr. Yakamoto resolveu compensar a queda da lucratividade de sua fábrica especulando no sistema financeiro. E com ele, outros milhares e dezenas de milhares de capitalistas fizeram a mesma coisa. Dessa forma, uma enorme quantidade de capital, que deveria ser investido na produção, começa a migrar para o sistema financeiro. A quantidade de capital girando na ciranda especulativa é tão grande que começa a superar a quantidade de capital investido na produção real. Em um primeiro momento, isso não causa nenhum problema. Ao contrário, a quantidade de crédito disponível para a população aumenta, os bancos oferecem rendimentos cada vez maiores, inventam novas modalidades de aplicações e a economia se aquece ainda mais.

As bolhas especulativas
Mas, lembremos o que foi dito no primeiro artigo e que estabelecemos como um princípio básico para entender a economia: somente o trabalho humano gera novas riquezas. O dinheiro é apenas uma forma de contar a riqueza. A riqueza está nos bens e serviços reais e não no dinheiro. Esse princípio está em evidente contradição com a situação que descrevemos. O que está acontecendo? Ora, o que está acontecendo é que os burgueses, ao deslocarem seus capitais para o mercado financeiro, começam a multiplicar uma riqueza que não existe de verdade, que não tem nenhuma base real. A quantidade de dinheiro que se multiplica como um milagre na conta dos especuladores deixa de corresponder à quantidade de bens e serviços produzidos. Um abismo se abre perante os capitalistas e eles caminham alegremente em direção a esse abismo, arrastando consigo toda a sociedade.

Como nos desenhos animados, os capitalistas continuam andando no ar sem cair no abismo. Só caem quando percebem que não existe mais chão. Enquanto todos acreditam na ciranda financeira, tudo vai bem. Mas chega um momento em que as pessoas se dão conta que a distância entre a riqueza real produzida e aquilo que os bancos oferecem é grande demais. Começam os boatos sobre falências e calotes. Se apenas dois ou três especuladores retiram seus investimentos do mercado financeiro, nada acontece. Mas se um número excessivamente grande de “investidores” perder a “confiança” nos bancos e no mercado, e decidir retirar seus investimentos, os bancos não terão como devolver o dinheiro investido e muito menos pagar os juros prometidos. De repente, se revela o fato que todos já sabiam, mas não queriam reconhecer: o dinheiro prometido pelos bancos nunca existiu, era apenas “bytes” eletrônicos nos computadores, apenas promessas de uma riqueza que nunca foi produzida. E um banco que não consegue pagar seus clientes só pode ter um destino: a falência, o fundo do abismo.

Quando isso acontece, a pirâmide financeira desmorona. A lucratividade das empresas, mantida artificialmente em alta com a especulação feita pelos departamentos financeiros, cai violentamente. Resultado: o Sr. Smith, que já havia diminuído o investimento na produção para especular na bolsa, agora encerra todo e qualquer investimento. O exemplo do Sr. Smith é seguido pelo Sr. Yakamoto e por todos os outros capitalistas. É a explosão da crise.

Todos os caminhos levam à crise
Como vimos, nossa história pode ter duas tramas diferentes, mas o final é o mesmo. Os capitalistas podem adiar a crise econômica, criando “bolhas especulativas” que retardam a queda da lucratividade de suas empresas. Mas, no final das contas, a verdade se impõe: apenas o trabalho humano gera novas riquezas. A especulação financeira nada mais é do que uma outra forma de concorrência entre os capitalistas, uma outra maneira de tentar se apropriar da riqueza real, produzida nas fábricas, nos campos e nas minas.

Portanto, as chamadas crises “financeiras” são apenas uma forma diferente de manifestação da mesma crise de superprodução que vimos no primeiro artigo. Na raiz de qualquer crise estão, repetimos, a queda da taxa de lucro e a superprodução de mercadorias.

Como os capitalistas saem das crises,/b>
Independentemente de como a crise venha a explodir, a economia capitalista não pode ficar eternamente paralisada. Isso significaria o colapso da sociedade. Depois de toda crise, vem sempre um período de recuperação. Depois dessa recuperação, ocorre um novo auge e uma nova queda. As crises capitalistas têm, portanto, um caráter cíclico. São como as estações do ano: o outono pode atrasar um pouco, o verão pode ser mais frio que no ano passado, pode haver um “veranico” no início de junho, mas uma vem sempre depois da outra, sempre na mesma ordem, e o que é mais importante: elas sempre chegam.

Uma vez instaurada a crise, os capitalistas, para recuperar sua taxa de lucro, utilizam vários mecanismos:

1) Fechamento das plantas menos lucrativas. É o que aconteceu, por exemplo, com a GM em 2008, que fechou suas fábricas nos EUA, mas manteve abertas e até mesmo aumentou o investimento nas fábricas do Brasil porque são as mais lucrativas do grupo, ou seja, são as que mais exploram os seus funcionários;

2) Diminuição dos gastos com pessoal. Esse objetivo, por sua vez, pode ser atingido de várias maneiras: diminuição dos salários, da PLR, dos abonos etc, ou então a demissão de uma parte dos trabalhadores. Aqui é importante lembrar: os capitalistas não conseguiriam aplicar esse expediente sem a ajuda dos líderes sindicais traidores. São eles que convencem os trabalhadores de que “todos devem fazer a sua parte” para que o país saia da crise. Significa: os capitalistas entram com a corda, e os trabalhadores com o pescoço;

3) Invasões e guerras. Elas reaquecem a produção de armamentos e a construção civil (para os planos de “reconstrução” do que foi bombardeado etc), além de significarem a conquista de novos mercados. Foi assim que Bush se recuperou da crise econômica de 2000-2001 nos EUA: invadindo o Iraque e o Afeganistão;

4) Grandes falências, que facilitam a vida dos capitalistas sobreviventes pois diminuem a concorrência.

Chamamos esses recursos de “queima de capital” porque significam a destruição do potencial produtivo da sociedade para recuperação posterior. É irracional, mas é assim. O ciclo de destruição-reconstrução é a única forma que o capitalismo conhece de sair das crises.

Um novo auge e uma nova queda
Mas a verdadeira recuperação só tem início quando os capitalistas retomam os investimentos e a taxa de lucro começa a se recompor. Em geral, essa fase inclui: 1) o desenvolvimento de novos ramos produtivos, como a informática, a biotecnologia etc; 2) a incorporação de novos mercados ao sistema, como a China; 3) a expansão dos mercados antigos, como o que foi feito com o mercado interno brasileiro em 2008 e 4) grandes injeções de dinheiro do Estado nas empresas, como o que foi feito pelo governo Lula com a redução do IPI para a indústria e a liberação do empréstimo compulsório para os bancos. Quando isso acontece, investir na produção volta a valer a pena; a economia se reaquece; os estoques, antes abarrotados, começam a se esvaziar novamente; os trabalhadores recuperam os seus empregos, a produção se acelera, a concorrência se acirra de novo.

Mas, como se vê, a fase de recuperação da economia nada mais é do que a preparação da próxima crise. Por outro lado, a explosão da crise já é o início da próxima recuperação e assim por diante. Dessa maneira, a economia capitalista nunca encontra o equilíbrio. Vive de crise em crise.

Post author Henrique Canary, da Secretaria Nacional de Formação
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