Henrique Canary, da Secretaria Nacional de Formação

Toda vez é a mesma ladainha. Quando explode uma crise, os trabalhadores são chamados a dar sua cota de sacrifício para que o país volte a crescer e produzir, como se os ônibus lotados, o ritmo de trabalho e os salários de fome não fossem sacrifício suficiente. Agora, começou de novo: a crise econômica internacional ainda nem chegou ao Brasil, e a burguesia, o governo e os dirigentes sindicais vendidos já se uniram para convencer os trabalhadores de que não é hora de pedir aumento. Exibem uma infinidade de gráficos, tabelas e projeções sobre o déficit do orçamento, o movimento das bolsas e a inflação.

Mas ninguém explica para os trabalhadores: Por que ocorrem as crises? Por que elas são tão repentinas? Por que se dão sempre em momentos de grande crescimento da economia? Nossos inimigos nos tratam como crianças. Montam um verdadeiro teatro de sombras, onde dedos retorcidos aparecem como se fossem lindas gaivotas e coelhinhos saltitantes. E assim explicam as crises para os trabalhadores. Querem nos distrair enquanto enroscam a corda em nosso pescoço. Já está mais do que na hora de acabar com esse espetáculo de mentiras, acender as luzes e subir o pano.

O que é a riqueza e de onde ela vem?
No meio de tantos números que a burguesia apresenta diariamente, existe um que é mais importante que os outros. Quando ele é divulgado, os burgueses pedem silêncio e escutam atentamente: é o PIB. O Produto Interno Bruto é a soma de todas as mercadorias e serviços produzidos no país durante o ano. A burguesia quer saber duas coisas: 1) qual o valor absoluto do PIB e 2) se ele cresceu ou diminuiu em relação ao ano anterior. Se cresceu, é sinal de que o país está mais rico. Se diminuiu, é porque o país está mais pobre do que estava há um ano atrás.

Aqui, temos a primeira pista para entender a economia: para contar a riqueza do país, a burguesia não se preocupa com a quantidade de dinheiro que circula, mas sim com a quantidade de bens e serviços produzidos. Isso quer dizer: a verdadeira riqueza não está no dinheiro. O dinheiro é apenas uma forma de contar a riqueza. A verdadeira riqueza está nas mercadorias e serviços que o país produz. Essa é a primeira conclusão.

Mas falta saber: de onde vem essa riqueza? Olhe à sua volta e preste atenção nos objetos que o rodeiam. O que eles têm em comum? Certamente não é a sua utilidade, nem a matéria-prima de que são feitos. Isso é particular de cada objeto. Uma caneta serve para escrever; uma camiseta, para se vestir. A caneta é feita de plástico; a camiseta, de tecido. Nesse sentido, são absolutamente diferentes. O que todos os objetos têm em comum é o fato de que são fruto do trabalho humano. Os objetos úteis produzidos pelo trabalho humano constituem a riqueza da sociedade. Portanto, toda riqueza vem do trabalho humano. Não há um único objeto útil ou serviço que não tenha sido feito pelo trabalho humano. Essa é a segunda conclusão.

Pode-se argumentar que hoje em dia há vários objetos que são feitos por robôs ou serviços totalmente informatizados, sem a participação do homem. Isso não é verdade. Os robôs, máquinas e computadores apenas tornam o trabalho humano mais eficaz. O robô solda o capô com perfeição. Mas quem faz o robô? O homem. Voltamos então ao início: as máquinas apenas ajudam o homem – toda riqueza vem do trabalho humano.
Sendo assim, o que faz o capitalista? Ele se apropria da riqueza produzida pelo trabalho do trabalhador e a vende no mercado, obtendo com isso o lucro. Quanto mais riquezas os operários produzirem, maior será o lucro do capitalista. Quanto menos riquezas, menor o lucro.

Quanto vale uma mercadoria?
Mas, como contar a riqueza produzida? Como saber o valor de uma mercadoria? Ora, se a única coisa comum a todas as mercadorias é o fato de conterem trabalho humano, então o valor de uma mercadoria será determinado pela quantidade de trabalho que ela contém. Se uma mercadoria contem mais trabalho, ela vale mais. Se contém menos trabalho, vale menos. O que vale mais, um Fiat uno ou uma Ferrari? Instintivamente, qualquer pessoa responderia: uma Ferrari! Correto, mas por quê? Porque uma Ferrari contem mais trabalho humano. Ela é mais complexa, seu motor é mais potente, utiliza materiais melhores, mais tecnologia. Tudo isso “dá muito trabalho para fazer”. Por isso, de fato, uma Ferrari vale mais que um Fiat Uno, que utiliza materiais simples, pouca tecnologia, ou seja, contem menos trabalho. Mas como medir esse trabalho? Ora, da única forma possível: pelo tempo. Se uma mercadoria leva mais tempo para ser produzida, vale mais. Se leva menos tempo, vale menos.

Recapitulemos, então, estes três princípios básicos: 1) a verdadeira riqueza não está no dinheiro, mas nas mercadorias e serviços produzidos; 2) toda mercadoria é fruto do trabalho humano e 3) o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho necessário para produzi-la e esse trabalho é medido em tempo.

A origem das crises
Para entender o mecanismo básico das crises econômicas, visitemos uma fábrica qualquer e vejamos como se comporta o seu dono. Digamos que a fábrica em questão produz celulares e o dono se chama Sr. Smith.

O Sr. Smith emprega várias pessoas e possui várias máquinas. O salário pago aos trabalhadores e o dinheiro que o Sr. Smith gastou nas máquinas constituem o Capital do Sr. Smith. É o investimento que ele fez. Ele, como todo burguês, não produz para o bem da sociedade, mas sim para o seu próprio bem. Ele gastou muito dinheiro com máquinas e salários e agora quer ter lucro. Mas não é só isso. Ele quer ter o maior lucro possível com o menor investimento possível. Ou seja, ele busca uma determinada taxa de lucro. Um lucro de R$ 100 mil é bom ou ruim? Depende. Se eu investi R$ 200 mil, é um ótimo resultado porque significa um lucro de 50%. Mas se eu investi R$ 1 milhão, então meu resultado não foi tão bom assim: apenas 10%. Dessa maneira, a preocupação do Sr. Smith será sempre a mesma: Como produzir mais com menos investimento?

O ciclo de crescimento
O Sr. Smith produz bons celulares e os vende por um bom preço. Com isso, tem o seu lugar assegurado no mercado. Mas o Sr. Smith não é o único fabricante de celulares do mundo. E é aí que começam os problemas…

Ao lado da fábrica do Sr. Smith existe outra fábrica de celulares quase do mesmo tamanho e praticamente com os mesmos equipamentos, produzindo aparelhos muito similares aos do Sr. Smith e pelo mesmo preço. É a fábrica do Sr. Yakamoto.
Mas o Sr. Yakamoto resolveu inovar: ele comprou uma nova máquina, ultramoderna, totalmente computadorizada. Com essa máquina ele consegue produzir muito mais celulares em muito menos tempo. Em consequência, os celulares do Sr. Yakamoto inundaram o mercado e ameaçam os negócios do Sr. Smith.

Qual a reação do Sr. Smith? Se ele for esperto, vai comprar uma máquina idêntica à do Sr. Yakamoto para produzir também muito mais celulares em muito menos tempo. Com a compra da nova máquina pelo Sr. Smith, ocorre uma mudança em sua fábrica: aumenta a quantidade de Capital investido na produção. Agora, o Sr. Smith tem mais e melhores máquinas.

Tudo parece muito bem. Mas lembremos o que foi dito mais cima: apenas o trabalho humano gera novas riquezas! A máquina que o Sr. Smith comprou para imitar o Sr. Yakamoto não gera novas riquezas. Ela apenas torna o trabalho humano mais produtivo. Assim, o Sr. Smith investiu dinheiro na produção, mas o valor total das riquezas produzidas na fábrica continua o mesmo. É claro que, agora, o Sr. Smith produz mais celulares, mas cada celular é produzido em menos tempo do que antes. Portanto, cada celular tem uma quantidade menor de trabalho humano contida nele. Portanto, cada celular vale menos do que valia antes, quando não havia a máquina ultra-moderna. O resultado é que a taxa de lucro do Sr. Smith caiu: ele fez um enorme investimento, mas a quantidade total de riqueza produzida na fábrica permanece igual, já que os operários continuam trabalhando a mesma quantidade de horas.

Mas o Sr. Smith é muito inteligente e percebeu uma coisa: se ele aumentar ainda mais a produção (acelerando o ritmo de trabalho, por exemplo, ou criando um turno extra), ele poderá equilibrar essa perda momentânea de lucratividade. Ele vai tentar compensar a queda na taxa de lucro com um aumento da massa total de lucro. Ora, se cada celular vale menos do que valia antes (porque é produzido em menos tempo e tem, portanto, menos trabalho humano), produzir, então, mais celulares para tirar daí a diferença. Começa assim uma “fuga para frente” dos capitalistas.

Todos os capitalistas que investiram em maquinário para concorrer com seus vizinhos, perceberam que a margem de lucro que eles podem obter em cada celular diminuiu (porque o maquinário custou dinheiro). E todos eles resolveram o problema da mesma forma: aumentaram ainda mais a produçao para compensar a diferença! Alguns até contrataram mais trabalhadores, abriram um terceiro turno etc.

Como se vê, as coisas começam a ficar tensas, mas ainda não há crise. Ao contrário, esse é o período em que a economia vai de vento em popa. Como estão todos fugindo para frente, a vida parece maravilhosa: o PIB aumenta sem parar, o desemprego diminui, os trabalhadores consomem, os bancos abrem grandes linhas de crédito, tanto para os capitalistas, que não param de investir, quanto para os trabalhadores, que não param de consumir e assumir novas dívidas.

E como a concorrência não para, a fuga para frente continua: cada vez mais máquinas, mais investimentos, mais produção. Cada vez que a margem de lucro cai no celular individual, o capitalista responde com um aumento da quantidade total de celulares produzidos. Estes, por sua vez, ficam cada vez mais baratos para o consumidor, que já não tem mais bolsos para tantos “não-sei-o-quê-phones”.

A explosão da crise
Mas chega um determinado momento em que a quantidade de capital investido na produção (máquinas modernas para vencer a concorrência) é tão grande e a margem de lucro em cada celular individual é tão pequena, que nenhuma quantidade de mercadorias compensa tal investimento. Investem-se bilhões, para uma margem de lucro cada vez menor. A única solução seria aumentar os preços. Mas acontece que as vendas já começaram a cair porque o mercado já está inundado de celulares baratos e qualquer capitalista que aumente os seus preços, agora, vai perder a concorrência para os outros.

Assim, a única saída que resta ao Sr. Smith é a mais dolorosa: cortar investimento! Nenhuma máquina a mais, fechar o terceiro turno, demitir parte dos funcionários, cortar benefícios e vantagens, produzir menos, rebaixar os salários. Com isso, o Sr. Smith busca diminuir os custos da produção para aumentar pelo menos um pouquinho a margem de lucro que ele pode tirar de cada celular individualmente, já que as vendas começaram a cair e produzir mais seria jogar dinheiro fora. O exemplo do Sr. Smith é seguido pelo Sr. Yakamoto e por todos os outros capitalistas do setor: cortar investimento!

Assim, a economia capitalista, que viajava a 160 km/h em uma autoestrada de oito pistas, dá um cavalo-de-pau em direção oposta. Agora todos vão dimunir drasticamente a produção, todos vão demitir, todos vão cortar salários e pessoal. O PIB cai abruptamente. A fuga para frente se transforma em uma fuga de verdade: para trás. A abundância se transforma em penúria. O emprego, em desemprego. O otimismo, em medo. O gasto, em poupança. É óbvio que o carro capota. É a explosão da crise. E isto é só o começo…

* Na próxima edição publicaremos a segunda parte do artigo “O que é crise econômica”.
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