Combater a burocracia! Parece que finalmente encontramos um tema com que todos estão de acordo! Da Veja à Folha de S. Paulo, de Eike Batista a Paulinho da Força, todos concordam que é preciso exterminar esta praga. Os burgueses reclamam da burocracia para abrir ou fechar uma empresa. Os trabalhadores, por sua vez, sofrem com a burocracia na hora de se aposentar, se afastar do trabalho pelo INSS e por aí vai. Pareceria, portanto, que aqui estamos todos juntos. Mas não estamos.

Para os socialistas, o termo “burocracia” tem um significado completamente distinto deste que usamos no dia a dia. Como fenômeno mais geral, a burocracia é uma casta de administradores privilegiados. O Estado burguês, por exemplo, tem uma enorme burocracia: são os altos funcionários do Estado, chefes do primeiro, segundo e terceiro escalões. Estes senhores não são burgueses porque não têm empresas próprias, mas seu salário ultrapassa em dezenas de vezes o de um funcionário público comum. Sua condição privilegiada os torna agentes diretos da burguesia dentro da máquina estatal.

No que diz respeito à classe trabalhadora, o termo “burocracia” significa uma casta privilegiada de líderes e dirigentes que parasitam as organizações políticas e sindicais do proletariado em seu próprio benefício. É exatamente neste sentido que nos referimos à burocracia em nossa prática cotidiana. É fundamentalmente esta burocracia que queremos combater. É sobre ela este artigo.

O que é um sindicato?
Ao longo do tempo, a classe trabalhadora construiu importantes organizações de luta. Primeiro surgiram as caixas de ajuda mútua nos séculos 18 e 19. Depois vieram os sindicatos e partidos operários. O objetivo dos sindicatos é preservar as conquistas obtidas e organizar a luta por outras mais. Os sindicatos, junto com os partidos operários, são os guardiões das tradições de luta de nossa classe.

Assim, quando há uma greve, os trabalhadores não precisam aprender tudo desde o começo, nem reinventar a roda. Já existe um sindicato, onde estão outros operários que já passaram por greves e enfrentamentos. Há também uma estrutura de advogados, computadores, telefones celulares e dinheiro que está a serviço da luta. Há dirigentes sindicais liberados de seu trabalho normal para se dedicarem unicamente à mobilização e à conscientização dos trabalhadores. Toda essa organização é uma enorme conquista de nossa classe, e muito sangue operário foi derramado para que pudéssemos ter os sindicatos e partidos de hoje.

Em momentos de grandes lutas, alguns sindicatos parecem fervilhar: todos os dias dezenas de ativistas vão às reuniões da entidade, pegam os boletins para distribuí-los em suas bases, buscam orientação, passam todo o tempo de folga na sede ou simplesmente “dão uma passadinha” para ver se há novidades. Os carros do sindicato não param: parecem estar em todas as fábricas e canteiros de obra ao mesmo tempo. Os celulares estão sempre tocando para informar o resultado desta ou daquela mobilização. Os dirigentes sindicais estão sempre exaustos, com o sono e a alimentação atrasados.

O processo de burocratização
Porém, como todos nós sabemos, esses períodos de atividade política e sindical tão intensa são relativamente raros. Isso quer dizer que na maioria do tempo, o dia a dia sindical não se parece em nada com o quadro que acabamos de pintar. Durante longos períodos, a atividade sindical, mesmo nas entidades mais combativas e democráticas, é uma “especialidade”, exercida por poucas pessoas e sem o controle por parte da imensa base de trabalhadores.

Quando não há lutas, a rotina do sindicato gira em torno das homologações, convênios e reformas no prédio. Os carros continuam correndo para lá e para cá, mas não é para intervir nas greves, e sim para tarefas da própria máquina sindical. Os celulares continuam tocando, mas as ligações raramente são da base para informar sobre uma greve, e sim da própria sede do sindicato ou da direção da empresa, para negociar isto e aquilo.

Assim, à medida que o tempo passa e as lutas não vêm, a estrutura do sindicato começa a adquirir vida própria, necessidades próprias e vontade própria, independentemente do que esteja ocorrendo na categoria. Afastados dos trabalhadores de base pelo refluxo das lutas e sem nenhuma iniciativa para se aproximar deles novamente, muitos dirigentes acabam engolidos pela máquina sindical. Sua atividade começa a girar em torno desta própria máquina. Daí para a burocratização, é um pulinho.

Como se forma um burocrata?
A burocracia não é um problema de caráter ou honestidade pessoal. Como dissemos, é um fenômeno social e político. O burocrata se forma quando o dirigente sindical adquire independência material e política em relação à base que ele deveria representar; quando sua preocupação principal já não é mais organizar a luta dos trabalhadores, mas sim se perpetuar no cargo de dirigente a qualquer custo.
O burocrata não tem recursos próprios. Ele vive do sindicato. Sua situação é, por isso, extremamente instável. E se ele de repente perder a próxima eleição? O burocrata tem assim uma preocupação constante: estabilizar sua condição privilegiada. Como ele fará isso?

Em primeiro lugar, ele tentará estabelecer com a patronal uma relação amigável, que lhe permita arrancar, por meio da negociação, alguma migalha para os trabalhadores. Assim, estará demonstrada perante toda a base sua “eficiência” enquanto dirigente sindical, e seu posto de burocrata estará garantido.

Mais do que isso, um bom burocrata, se for bom mesmo, fará até greves, passeatas e piquetes para conseguir um melhor aumento, sem com isso deixar de ser um burocrata. O caráter burocrático de uma direção sindical não está determinado pelos percentuais de aumento salarial que ela consegue, mas pela relação que ela estabelece com o aparato do sindicato, pelos privilégios que daí retira, pela relação que tem com a base da categoria, pelo nível de democracia e participação que ela implementa em sua entidade, por sua relação com o Estado e a patronal.

A partir desta base material são formadas a mentalidade e a atitude de um típico burocrata: o conservadorismo, a truculência, a submissão aos patrões e ao governo e sobretudo o desprezo pelo que dizem e sentem os trabalhadores de base.

Burocracia e burguesia
A burguesia, como não é boba, trabalha constantemente para que o movimento operário se burocratize. Não é de se admirar. Faz muita diferença para um burguês negociar com uma comissão de 40 operários enfurecidos ou com uma diretoria de nove líderes “moderados”, “razoáveis” e bem alimentados.

É por isso que no Brasil existe o imposto sindical, que permite ao sindicato existir tendo meia dúzia de filiados; é por isso que Lula entregou às centrais sindicais uma parte do dinheiro desse imposto; é por isso que Dilma determinou que todas as empresas estatais ou de capital misto tenham um representante dos trabalhadores em seu conselho de administração. Ao formar um exército de burocratas, a burguesia cria um colchão político-social, um amortecedor de conflitos.

Com o tempo, o burocrata tende a se tornar cada vez mais um aliado estratégico da burguesia. O burocrata já não vê o trabalhador comum como alguém igual a ele. Ao contrário, começa a se identificar muito mais com o burguês, a aproximar-se dele política e socialmente, a beber o mesmo whisky e fumar o mesmo charuto. Por isso, dizemos que a burocracia é um agente da burguesia dentro do movimento operário.

Por que combater a burocracia?
Os sindicatos são organizações de luta da classe trabalhadora. Deveriam ser verdadeiras escolas de comunismo. Nos sindicatos os trabalhadores deveriam aprender que, unidos, eles podem tudo; que são eles que movem a sociedade; que todos os trabalhadores do mundo são irmãos e que a eles devemos solidariedade e apoio. Os sindicatos deveriam educar os trabalhadores no ódio ao aparelho de Estado, a todos os governos e ao imperialismo. Nos sindicatos, os trabalhadores deveriam exercer a mais ampla democracia operária, uma das bases mais importantes da futura sociedade socialista. Mas a burocracia transforma todas essas lições em seu contrário.
Obama esteve no Brasil. Sindicatos de todos os matizes deveriam se unir para dizer go home! a este verdadeiro capitão do mato internacional, denunciar as ocupações imperialistas, a entrega do pré-sal e a agressão à Líbia. Mas ao invés disso, os dirigentes da Força Sindical, CUT, UGT, CTB, CGTB e Nova Central resolveram almoçar com Obama… Almoçar!

Claro, como são burocratas, precisavam dar um ar combativo ao almoço. Por isso entregaram ao presidente uma “carta aberta” que falava sobre a necessidade de aumentar o comércio entre os dois países… Aumentar o comércio! Então é assim? Quando o chefe do imperialismo mundial vem ao país não devemos protestar, exigir, repudiar, mas sim almoçar com ele e pedir o aumento do comércio? Não é difícil imaginar o prejuízo desses ensinamentos para a consciência de milhões de trabalhadores.

E não é só isso. A burocracia afasta os trabalhadores de base do sindicato; promove o preconceito e a opressão dentro das fileiras de nossa classe; educa os ativistas em uma cultura de mentiras, violência e calúnias. Enfim, a burocracia destrói as próprias bases da organização sindical, exatamente como um parasita destrói o organismo que o hospeda.

É possível evitar a burocratização?
De tudo o que dissemos até aqui, não concluímos de maneira nenhuma que “todo mundo que chega lá se corrompe”. Esse simples senso comum não ajuda os trabalhadores porque não explica nada.

Como evitar então a burocratização? Há uma vacina contra ela? Infelizmente, não. Como dissemos acima, a burocratização não tem origem no indivíduo, mas sim nos privilégios que o aparato sindical oferece. Portanto, a luta contra a burocratização deve ser, em primeiro lugar, uma luta contra esses privilégios e pelo controle da base sobre os dirigentes. Em segundo lugar, é uma luta para trazer a base para dentro do sindicato, fazê-la participar, opinar, fiscalizar, sugerir e criticar.

Em terceiro lugar, a luta contra a burocratização é uma luta pela reeducação da classe e de seus dirigentes em base aos bons e velhos valores políticos e morais abandonados pela burocracia: o ódio de classe, a solidariedade internacional, a independência em relação a todos os governos e empresas e a luta contra a opressão e a exploração. Por último, o combate à burocratização é impossível sem a politização da atividade sindical. Os sindicatos devem levantar ativamente as bandeiras políticas da classe, desde as mais modestas até sua grande bandeira histórica: o socialismo. Nas diretorias das entidades devem conviver democraticamente representantes de todas as correntes partidárias e também aqueles que não têm partido nenhum.

Nenhuma dessas medidas por si só resolve o problema, mas são todas absolutamente necessárias. São parte de uma luta que deve começar agora, mas que não tem data para acabar.

O destino da burocracia
A luta contra a burocratização é a batalha para transformar os sindicatos novamente em escolas de comunismo, em instrumentos de preparação e educação de toda a classe para sua grande missão histórica: a derrota do capitalismo e a construção de uma sociedade socialista. Nessa batalha, não é preciso dizer que os atuais dirigentes da CUT, da Força Sindical, da CTB e de outras centrais não serão aliados. Com isso, apenas demonstram sua condição de burocratas irrecuperáveis e agentes do capital na classe trabalhadora. Quando chegar a hora, os operários saberão expulsá-los de seu meio, da mesma maneira que um organismo enfermo, na luta por recuperar-se, expulsa de dentro de si todo tipo de úlcera e infecção. Por mais feio que soe essa frase, a verdade é que a burocracia não passa disso.
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