O papel que o PT aspirou para o Brasil foi o de representante qualificado dos EUA
Bernardo Cerdeira, de São Paulo (SP)

Quarto artigo da série “Crise e degeneração do PT”. O objetivo é oferecer ao nosso leitor uma análise sobre a história e as origens da falência do projeto petista

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5º ARTIGO: É possível reformar o Estado brasileiro e seu regime político

ARTIGOS ANTERIORES
1º ARTIGO: A falência de um projeto: governar o Brasil como uma potência capitalista com pequenas reformas sociais
2º ARTIGO: As ilusões num capitalismo humano
3º ARTIGO: Por que o PT se envolveu na corrupção

Durante seus quatro governos, o PT semeou ilusões de que o Brasil pode chegar a ser um país desenvolvido, soberano e independente sem romper com o imperialismo e seus organismos e tratados. Ao contrário, procuraria alcançar este objetivo em boas relações e com o consentimento dos Estados Unidos.

Essa estratégia, denominada “inserção soberana na globalização”, pregava a possibilidade do desenvolvimento autônomo do país para sair da sua condição de nação atrasada e dependente e chegar a ser um país capitalista plenamente desenvolvido. Esse processo se daria em harmonia dentro do sistema capitalista mundial controlado pelas grandes potências.

Indo mais longe, o PT propagou o objetivo de transformar o Brasil também numa grande potência capitalista. Para isso, os governos do PT procuraram, no terreno econômico, fortalecer grandes empresas nacionais apoiando sua expansão internacional por meio do BNDES. O partido colocou como objetivo conseguir para o Brasil um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e colocar-se à frente de um processo de integração latino-americana. E, no terreno militar, buscou fortalecer as Forças Armadas brasileiras, com o desenvolvimento de submarinos nucleares, o projeto do caça Saab Gripen e o reequipamento do Exército.

Hoje em dia, é evidente que essa política fracassou. A crise econômica mostrou que o Brasil nunca deixou de ser um país subalterno e dependente do imperialismo. O problema é que a inserção na globalização significava, desde o princípio, uma política de submissão ao imperialismo em que a soberania ficava limitada aos discursos.

“Carta aos Brasileiros”:  um compromisso com os banqueiros internacionais
Antes mesmo de ser eleito, Lula fez questão de deixar clara sua obediência às regras do capitalismo imperialista mundial. Durante a campanha eleitoral de 2002, publicou a chamada “Carta aos Brasileiros” na qual se comprometia a “respeitar todos os contratos” firmados pelo Brasil.

Em outras palavras, isso queria dizer respeitar o pagamento da dívida pública, interna e externa, cujos credores principais são os grandes bancos e investidores internacionais. Para honrar o compromisso com o capital financeiro internacional, os governos do PT tiveram de manter a taxa de juros mais alta do mundo, condição de atração de novos empréstimos para pagar juros dos empréstimos anteriores.

O pagamento da dívida teve como consequências a redução da capacidade do Estado de investir na infraestrutura do país (ferrovias, estradas, portos, aeroportos); a falta de recursos para um projeto abrangente de moradia popular; a falta de investimentos nos serviços públicos como saúde, educação e transporte etc.

Hoje, com crise, o governo Dilma prioriza o ajuste fiscal das contas do governo para conseguir pagar a dívida pública aos banqueiros internacionais e nacionais.

 

O QUE FEZ O PT: Política econômica neoliberalcrisept_mat4_2Ao contrário de sua propaganda, os governos do PT não se opuseram à política econômica neoliberal que o imperialismo impõe ao mundo inteiro, mas a aplicaram religiosamente.

A submissão começou por aceitar o papel imposto pelo imperialismo do Brasil ser essencialmente uma economia exportadora de matérias primas como minério de ferro, soja, café e carne. São as chamadas commodities. Este lugar subalterno na economia mundial e a dependência de matérias primas, produtos que têm pouco valor agregado, tornam as economias dos países dependentes especialmente vulneráveis às oscilações de preços do mercado mundial.

O PT aceitou esse papel subordinado do país, procurando apenas tirar proveito da conjuntura de altos preços das matérias primas. Essa política agravou a crise da indústria brasileira, dominada pelo capital multinacional e voltada essencialmente para atender o mercado interno que perdia competitividade diante de produtos importados da China e de outros países onde a taxa de exploração dos trabalhadores é ainda maior que no Brasil. Resultado: uma indústria mais fraca e um país mais dependente da tecnologia dos países imperialistas.

Privatizações do PT
Nas campanhas eleitorais, Lula e Dilma tiveram como um dos principais eixos o ataque às políticas de privatização do PSDB. O PT alertava que os candidatos daquele partido tinham propostas de privatizar as estatais que ainda restavam. A denúncia sobre as intenções do PSDB certamente era correta. No entanto, depois de eleitos, Lula e Dilma adotaram a mesma política privatista.

Para começar, o PT não desfez nenhuma das privatizações dos tucanos. Permitiu que se mantivesse o monopólio privado das empresas multinacionais como Vivo, TIM e Claro, que compraram por preço de banana as estatais do setor de telecomunicações.

Estatais privatizadas, como a Vale e a Embraer, continuaram em mãos de capitalistas privados. As ações da Petrobras e do Banco do Brasil continuaram a ser negociadas na Bolsa de Valores. A Petrobras também negocia suas ações na Bolsa de Nova Iorque, expondo a maior empresa do Brasil às pressões e às leis dos investidores imperialistas.

A outra cara da moeda foi o incrível desenvolvimento de um programa petista de privatizações. Lula e Dilma deram um impulso enorme às privatizações de aeroportos, estradas, ferrovias e portos sob a denominação envergonhada de concessões. O ponto mais alto desse programa de foi o leilão do campo Libra, uma das maiores reservas do pré-sal, para as empresas petrolíferas multinacionais.

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Agente dos Estados Unidos
Coerente com sua estratégia e longe de romper com o imperialismo, os governos do PT trataram de manter excelentes relações com os EUA. Ainda em dezembro de 2002, depois de eleito e antes de tomar posse, Lula foi recebido pelo presidente George W. Bush e declarou: “Eu queria passar para o Bush a mensagem de que nós queríamos ter uma relação estratégica com os Estados Unidos. Nós não somos anti-imperialistas, apenas queremos respeito”.

Lula saiu satisfeito do encontro com Bush: “Tive uma excelente impressão. Volto ao Brasil convencido de que terei no presidente Bush um importante aliado nessa nova e decisiva etapa que se inaugura para a nação brasileira”.

A relação de Lula com Obama continuou nos mesmos termos. Obama chegou a elogiar Lula como o político de maior prestígio no mundo. Se houve, durante um breve tempo, um atrito entre governo Dilma e EUA por causa da espionagem feita pelo governo Obama, esta já foi contornada, como mostra a próxima visita de Dilma a Washington.

Coerente com esta estratégia geral, os governos do PT continuaram participando das instituições do imperialismo, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) ou a Organização dos Estados Americanos (OEA). Mais do que isso, Lula buscou um melhor posto no FMI e chegou a adiantar o pagamento da dívida que o Brasil tinha com essa organização.

Na verdade, o papel que o PT sempre aspirou para o Brasil foi o de um representante qualificado da política dos EUA. Isso significa cumprir o papel de uma submetrópole, ou seja, uma potência regional subordinada à potência principal, que cumpriria o papel que os Estados Unidos já não podem cumprir devido ao repúdio à sua política. Ou seja, o papel de líder dentro de sua região. No caso, a América Latina.

Isso ficou mais claro na participação do Brasil ao liderar a ocupação da ONU no Haiti. O Brasil chefia o contingente das Nações Unidas, exercendo o papel de repressor das manifestações da população. Ao aceitar o papel sujo que os EUA não querem e não podem desempenhar, o governo do PT se torna responsável pelas denúncias de repressão, estupros e prostituição que pesam sobre a força de opressão do povo haitiano.

Não existe soberania sem ruptura
Evidentemente, esta postura subordinada não tem nada de soberana. No entanto, até mesmo o pequeno papel de coadjuvante pretendido pelo PT não prosperou. A falência dessa estratégia se deve ao fato de que a crise da economia capitalista obriga o imperialismo a aumentar a exploração e a sujeição dos países dependentes.

Os países chamados emergentes, organizados hoje nos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), não questionam esta ordem mundial. O banco internacional fundado por eles se propõe a ser uma instituição complementar ao sistema baseado no FMI e no Banco Mundial. A própria China, o mais importante país dos BRICs, afirma abertamente que segue o sistema mundial encabeçado pelos EUA.

O Brasil, como qualquer país dependente e subalterno numa economia capitalista imperialista, não pode ser soberano, nem crescer até chegar a ser um país desenvolvido, sem romper os pactos econômicos e políticos que o submetem ao imperialismo.

O fim da exploração que suga as riquezas de nosso país exige a ruptura com FMI, Banco Mundial, OMC; com os pactos políticos e militares com os EUA; o não pagamento das dívidas externa e interna aos grandes capitalistas e a expropriação das empresas imperialistas.

No governo, o PT se recusou a tomar essas medidas corajosas e nunca tentou sequer resistir à opressão imperialista. Com isso, demonstrou claramente sua incapacidade para lutar pela independência nacional do país. Esta tarefa recairá sobre a classe trabalhadora, mas para isso será necessário construir outro partido que a conduza neste caminho.

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