Pedrosa, pioneiro do trotsquismo no Brasil
Redação

A história de uma organização revolucionária é também a história de seu programa. E o programa do PSTU está construído sobre um alicerce, a teoria da Revolução Permanente

A fase imperialista do capitalismo não modificou somente a estrutura do Capital, com o surgimento dos monopólios e o controle do capital financeiro sobre os principais ramos da produção industrial. Além disso, a forma como os países atrasados se incorporaram ao sistema capitalista construiu um sistema econômico mundial baseado na desigualdade entre os países.

Como assinala Lênin, “o desenvolvimento desigual e o nível de subalimentação das massas são as condições e as premissas básicas e inevitáveis deste modo de produção” (Imperialismo, fase superior do capitalismo). Portanto, a exportação de capitais e as decisões sobre os investimentos e o fluxo do comércio mundial são concentradas em um reduzido número de países industrializados.

Os países atrasados já não necessitam passar pelas mesmas etapas históricas das potências imperialistas, onde as revoluções burguesas foram determinantes para destruir as travas que impediam o florescimento das relações capitalistas de produção. As burguesias “nacionais” se associaram aos monopólios, se vinculando ao mercado mundial como sócias menores da espoliação de “seus” países.

A consequência política desse fato foi antecipada por Trotsky. Os trabalhadores e camponeses das semicolônias, em luta contra as mazelas do capitalismo, enfrentariam suas burguesias associadas ao imperialismo. Assim, uma direção que leve a luta dos trabalhadores pela satisfação de suas necessidades até o final se encontraria com a barreira da propriedade privada imperialista, ou seja, a luta pela soberania nacional. Mas, ao lutar contra o imperialismo, atacaria os interesses da burguesia nacional.

A primeira demonstração desse entrelaçamento de interesses políticos e econômicos se deu na Revolução Russa. Depois da revolução de fevereiro, na qual a burguesia chegou ao poder, ela se vinculou aos interesses imperialistas na Primeira Guerra, negando-se a sair dela, principal aspiração das massas, abrindo caminho para que os sovietes chegassem ao poder em outubro, sob a direção do partido bolchevique. Seguindo essa mesma lei geral, todas as revoluções que enfrentaram os interesses imperialistas até o final expropriaram também as “burguesias nacionais”.

O programa da Revolução brasileira
A formulação de um programa para a revolução brasileira está, até os dias de hoje, vinculada a esse debate. Na década de 20 surgiu no interior do PCB o Grupo Comunista Lênin (fundado, entre outros, por Mário Pedrosa), que reivindicava as posições da Oposição de Esquerda Internacional. O stalinismo afirmava que os países dominados pelo imperialismo deveriam passar pela “Revolução democrática e nacional”, que abriria o caminho para um desenvolvimento capitalista.

A Oposição de Esquerda no Brasil (agora com o nome de Liga Comunista) publicou em 1931 o “Esboço para uma análise da situação econômica e social do Brasil”, como resultado dessa polêmica no interior da Internacional. Analisando o caráter e a formação social do Brasil, negava qualquer possibilidade de que a burguesia “nacional” pudesse realizar as tarefas da reforma agrária e da independência nacional. “O dever da Oposição de Esquerda é, pois, lutar incessantemente pelas palavras de ordem democráticas, ao lado das reivindicações de classe do proletariado, para salvaguardar a posição estratégica fundamental – a união de todos os oprimidos sob a bandeira da revolução socialista”.

O PCB caminha na direção oposta e anos depois publica “A marcha da revolução nacional e suas forças motrizes”, em que afirma: “somente realizando as tarefas da revolução nacional libertadora, marchando com a burguesia nacional (…) para liquidar as travas da dominação imperialista do país é que o proletariado (…) se tornará capaz de levantar a bandeira da revolução socialista”.

O debate teórico iniciado pela Liga e pelo PCB marcou a trajetória de toda a esquerda brasileira, o caráter da revolução, a política de alianças, o tipo de partido e a política para a organização das massas, além de guardar uma estreita relação entre teoria, programa e política. Gerações e gerações de ativistas do movimento operário, popular e juvenil estiveram diante de um dilema tático: forjar organizações independentes dos trabalhadores, pois este seria o único setor realmente interessado em conduzir a luta contra o imperialismo até o final, ou atrelar suas organizações políticas e sindicais aos setores burgueses para uma possível revolução nacional e democrática?

Quando construímos o PSTU há 15 anos, expressávamos a necessidade de continuar a batalha por um programa que tem origem na luta travada pelo Grupo Comunista Lênin, resgatada pelos companheiros que há 35 anos iniciaram a construção de uma organização revolucionária e internacionalista no Brasil.

Contra quem lutamos hoje?
O imperialismo mudou a face da economia brasileira nos anos 70, modificando sua localização na divisão internacional do trabalho. A ofensiva imperialista dos anos 90 aumentou ainda mais o controle da economia brasileira. Como exemplos, a privatização das estatais, a diminuição da base nacional da economia com a aquisição das empresas de autopeças e de produção de máquinas pelo capital internacional, além da privatização da indústria de base, antes nas mãos do Estado (como CSN e Vale). Ao mesmo tempo, se intensifica a produção agrícola para exportação por grandes empresas associadas aos monopólios internacionais.

Os bancos detentores da dívida externa, como Citibank e Morgan Chase, mais os fundos de investimento como Morgan Stanley e Oppenhiemer Funds, são agora os proprietários da Vale, CSN, Embraer e Petrobras, sem falar nas empresas de telecomunicações.

O Brasil inicia o século 21 ainda mais subordinado aos interesses do Capital financeiro internacional. E os bancos brasileiros, os que sobraram, hipotecaram seu destino à exportação de matérias-primas e produtos agrícolas. Mas o Brasil tem uma característica peculiar: ao mesmo tempo em que é fornecedor de matéria-prima e produtos agrícolas para o mercado mundial, também é plataforma de exportação de produtos industrializados das multinacionais instaladas aqui para a América Latina.

Enquanto a riqueza nacional for drenada para o exterior, a maioria da população brasileira seguirá no desemprego crônico e no subemprego, as regiões do país seguirão se desenvolvendo de forma desigual, os salários continuarão sendo baixíssimos e a jornada de trabalho, uma das maiores do mundo.

Independente da fase histórica e do lugar que o país ocupou na divisão internacional do trabalho imposta pelo imperialismo, seja como uma grande fazenda de café ou uma plataforma de exportação de produtos industrializados, a classe dominante brasileira preferiu ser sócia na pilhagem do país a enfrentar tal absurdo.

Por isso, a luta pela soberania do país não está separada da luta pelo pleno emprego, pelo acesso à terra, por melhores salários, por moradia e pela reestruturação da economia nacional, colocando-a a serviço da satisfação das necessidades básicas da maioria da população. Ao travar essa luta, nos chocamos diretamente com o imperialismo e seus sócios nacionais.

A luta contra as demissões na Embraer é reveladora. A demissão de milhares de trabalhadores foi decidida pelos “proprietários” da empresa, os fundos de investimentos e bancos norte-americanos, que têm como sócios menores os bancos brasileiros.

Atualidade de um debate
Não se pode levar nenhuma luta coerente pelos interesses do proletariado brasileiro, único interessado na nacionalização das reservas de petróleo e na reestatização da Petrobras, sem levar em consideração o fato de que existe um governo que atua defendendo interesses opostos. Caso se consume a entrega das reservas do pré-sal às empresas imperialistas, o governo Lula será um dos governos mais pró-imperialistas de nossa história.

Citamos esse fato na medida em que os companheiros da Consulta Popular nos propõem ignorá-lo: “Nosso esforço é romper essa armadilha que paralisa e divide a esquerda e as forças populares, construindo ações autônomas que não se pautam pelo apoio ou oposição ao governo Lula, mas se organizam em torno a um programa mínimo que enfrente nossos verdadeiros problemas” (Resoluções da 3° Assembleia Nacional – 2007).

O “verdadeiro problema” que devemos enfrentar é que tanto a Petrobras como as reservas do pré-sal estão sendo entregues ao imperialismo pelo governo Lula. E a “armadilha” na qual estamos metidos é que, enquanto os trabalhadores acreditarem que este governo está defendendo os seus interesses, não vão se mobilizar contra a entrega do país.

Podemos lutar contra a presença da Chevron no pré-sal, podemos realizar atos e manifestações por uma “Petrobras 100% estatal”, mas não se pode ignorar o papel do governo, pois este diz que defende os interesses do país, quando na verdade faz o oposto. Ninguém vai lutar pelo que está garantido. Ou conseguimos desmascarar o governo ou não enfrentaremos nossos verdadeiros problemas.

Em outro sentido, a defesa da teoria da Revolução Permanente feita pelo MES (Movimento Esquerda Socialista), corrente interna do PSOL, desfigura todo o seu sentido programático. Partindo do aspecto mais geral da teoria – “a revolução é permanente no sentido de que se não avança retrocede” (“Atualidade do socialismo e a tarefa dos revolucionários”) -, os companheiros separam essa afirmação das condições necessárias para que o processo se converta em permanente, ou seja, para que ele avance.

Isso ocorre ao se substituir a independência de classe pelos “campos” como um fator determinante da luta política. “Os campos – afirma o texto – não existem somente em confrontos militares, mas nos períodos de confronto (…) concretamente na Venezuela, onde há claramente dois campos…”.

Se existe uma condição necessária para o avanço de qualquer processo revolucionário, é a de que os trabalhadores confiem em suas próprias forças. Sem uma organização independente da burguesia e dos seus aparatos, sejam eles militares ou políticos, toda luta tende a retroceder e, mais cedo ou mais tarde, acabarão se impondo os interesses burgueses e burocráticos, como na Venezuela. Ao se negar a formar um “terceiro campo”, justamente aquele que não tem contradições em levar o enfrentamento com o imperialismo até o final, se destroem as bases sob as quais a teoria se converte em programa e ação concreta.

Subproduto dessa visão campista, a frente eleitoral com o PV nas eleições de Porto Alegre reafirma agora um “campo ampliado”. Já não é mais o enfrentamento com o imperialismo, aí é o campo dos que lutam contra a corrupção. Portanto, reafirmamos a independência de classe como um dos pilares da teoria da Revolução Permanente.
No texto citado, o MES afirma que é um erro “construir o partido revolucionário neste período somente com aqueles que estejam de acordo com um programa acabado”. E justifica sua estratégia porque “não está colocada na ordem do dia a tomada do poder político”. Ocorre que negar a necessidade de construir o partido, que é a expressão de um programa, é o mesmo que negar esse programa.

Qual seria então o sentido de relativizar a independência de classe e a construção de um partido revolucionário para uma corrente que reivindica a teoria da Revolução Permanente? Todo o relativismo anterior cai por terra quando, em suas teses para o Segundo Congresso do PSOL, o MES defende que “um dos novos desafios agora é romper com a dependência e subordinação do país em relação ao imperialismo. Esta hipótese se abriu. Não queremos dizer que se realizará, mas que está posta a luta pela sua realização como uma tarefa necessária historicamente e reforçada pela conjuntura de crise aberta no mundo e no Brasil”.

Se está posta essa possibilidade “agora”, então necessitamos de um “programa acabado” e de um partido revolucionário para essa possibilidade, como afirma o documento do MES anteriormente citado.

Mas as teses não dizem que o MES vai romper com o PSOL e construir um partido revolucionário. Pressupomos então que para o MES seria possível “romper com a dependência e subordinação ao imperialismo” sem expropriar a Vale, a Embraer, as empresas de telefonia e o sistema financeiro nacional, sócio menor do imperialismo. Enfim, sem que o poder político esteja colocado na ordem do dia. Assim, essa organização não anuncia somente a sua ruptura com a independência de classe, mas também com a teoria da Revolução Permanente.

Trotsky afirmou que “o significado do programa é o sentido do partido”. Por isso, tanto antes como agora, a defesa de um programa exige a construção de um partido.
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