Até mesmo os mais entusiastas defensores de Barack Obama se espantaram com o prêmio Nobel da Paz recebido pelo presidente norte-americano no dia 9 de outubro. O próprio Obama pareceu surpreso com a honraria que lhe garantirá dez milhões de coroas suecas, ou 1,4 milhão de dólares. A principal motivação não é financeira (a tradição manda que o prêmio seja doado), mas sim, o prestígio que acompanha a escolha.

A justificativa do Instituto Nobel foram os “esforços extraordinários por reforçar a diplomacia internacional entre os povos” e o “esforço” e “intenção” de Obama em promover a paz. Ou seja… nada.

Muitos não ousaram criticar a escolha, limitando-se a ponderar sobre o caráter “precipitado” do prêmio. Afinal de contas, é apenas o primeiro ano de governo democrata, eleito sob a uma enorme expectativa de mudança em relação ao seu antecessor, George W. Bush.

Tal argumento, porém, é bastante questionável. Apesar do pouco tempo no cargo, Obama já se mostrou um presidente atuante. A questão é que toda a sua política até agora aponta exatamente no sentido contrário de tudo o que possa significar a palavra paz, seja lá o que o comitê do Nobel entende por isso.

A paz de Obama
O ex-presidente Bush é pintado como um caipira tosco, conservador e idiota. Obama seria a sua perfeita antítese. Simpático, cosmopolita e inteligente, e, principalmente, negro, forma uma imagem de renovação que contagiou os Estados Unidos e grande parte do planeta. Um novo rosto, que o imperialismo buscava, após o questionamento da era Bush e o pântano que a principal nação do mundo se viu metida no Oriente Médio.

Não é, porém, precipitado dizer que o novo presidente manterá o caráter imperialista dos Estados Unidos. Uma das primeiras medidas tomadas por Obama assim que ocupou o cargo mais importante da Terra foi anunciar o reforço da guerra no Afeganistão. Em março, o presidente anunciou o envio de 21 mil novos soldados ao país ocupado há oito anos por tropas dos EUA e aliados. Recentemente, o jornal Washington Post denunciou que Obama planejava enviar outros 13 mil soldados ao front afegão, sem anunciar publicamente a medida.

Cerca de 65 mil soldados norte-americanos estão agora no Afeganistão. As tropas de Obama sofrem intensa resistência armada e a tão almejada “estabilização” do país está muito longe de ser alcançada. A tentativa de eleições em agosto sob a tutela do exército norte-americano, revelou-se um fiasco. A ONU e até mesmo o presidente reeleito confessam os sinais de “fraude generalizada”.

Já no vizinho Iraque, 124 mil soldados mantêm o país sob o controle ianque, apesar do governo fantoche local. A estratégia de Obama, conforme já anunciou inúmeras vezes, é mudar o foco da presença militar, do Iraque para o Afeganistão. Apesar disso, mantém tropas no Iraque, em uma ocupação que deve durar pelo menos até 2011.

A paz de Obama na América Latina
Não é apenas no Oriente Médio, porém, que Barack Obama dá mostra de sua excêntrica visão de paz. Em 2008 o então candidato e já favorito à presidência apoiou a idéia de Bush de reativar a chamada Quarta Frota da Marinha norte-americana. A Quarta Frota é um destacamento especial para patrulhar a costa do Caribe, América Central e América do Sul. Vai passar pertinho, inclusive, da recém-descoberta área do Pré-Sal no Brasil.

E, como se tudo isso já não fosse o bastante para promover a paz mundial, Obama teve a brilhante idéia de instalar bases militares norte-americanas em plena Colômbia. O acordo firmado pelo governo Obama e o presidente colombiano, Álvaro Uribe, garante a instalação de 7 bases militares, sendo 3 delas bases aéreas que permitirão aos EUA lançar aviões de ataque com capacidade de vôo para quase todo o continente.

Diante da política de guerra de Bush, uma das poucas mudanças até aqui foi o fechamento da base de Guantánamo, uma vergonhosa afronta aos direitos humanos, que os republicanos insistiam em manter, mesmo sob forte questionamento internacional. No entanto, quando se analisa o fechamento da base em meio a tantas outras agressões e intimidações aos povos do mundo, a medida parece não passar de uma jogada de publicidade.

Nobel: Um estranho conceito de paz
Apesar da perplexidade provocada pelo prêmio concedido a Obama, uma rápida olhada nos últimos ganhadores do prêmio dissipa qualquer estranheza. Em 2006, por exemplo, venceu o banqueiro Muhammad Yunus, criador do conceito de microcrédito, ou seja, financiamento à famílias pobres. Um cara que ficou bilionário às custas de juros de empréstimos aos miseráveis.

No ano seguinte, Al Gore venceu por seu “ativismo” contra o aquecimento global. A longa lista inclui o ex-líder soviético Gorbachev (em 1990) e Henry Kissinger (em 1973). Enquanto o soviético comandou uma ditadura que levou o país à restauração capitalista, Kissinger, um alto secretário dos EUA, esteve pessoalmente envolvido em golpes orquestrados pelo seu país na América Latina, nos anos 70.

Percebe-se, assim, o que o comitê do prêmio Nobel entende por “Paz”. É, certamente, o mesmo que as elites e os governos clamam, por exemplo, na Palestina. Ou contra a guerrilha e os sindicalistas na Colômbia. Ou mesmo no Haiti, onde o Brasil comanda uma invasão militar, com tanques e metralhadoras, substituindo os Estados Unidos. É a “paz” dos opressores sobre os oprimidos. A paz dos cemitérios.

Esse Nobel, Obama com certeza, tem merecido.