Tragédia no Rio três meses depoisTrês meses da tragédia que destruiu a região serrana do Rio já se passaram. No último dia 12, para marcar a data, foi realizada uma manifestação em Nova Friburgo, cidade onde as chuvas fizeram mais vítimas. A população de Friburgo e Teresópolis foi às ruas para cobrar de Dilma e de Sérgio Cabral as promessas não cumpridas. Para saber como está a situação das vítimas, o Opinião entrevistou Maria das Graças, a “Graça”, viúva, mãe de três filhas, cozinheira industrial e moradora do bairro Jardim Califórnia, em Friburgo; e Luiz Salarini, professor das redes públicas estadual e municipal da cidade, que atua no movimento sindical e é militante do PSTU

O QUE VOCÊ PRESENCIOU NO DIA 12 DE JANEIRO?
Maria das Graças: Eu estava em casa, com a minha filha. Escutei, de madrugada, muito barulho. Rolavam muitas pedras, parecia que estava explodindo tudo. Eu chamei a minha filha e disse que queria ir para a rua, pois não estava aguentando ficar dentro de casa mas, quando olhei na janela, a água havia estourado o portão.
Pedras imensas rolavam em frente à nossa casa, arrancando paralelepípedos. Eu vi quando a primeira casa desabou, ouvi gritos de socorro, cachorros latindo e, de repente, a luz acabou. Não tinha como sair na rua para fazer nada…

O QUE TÊM FEITO OS GOVERNOS APÓS A TRAGÉDIA?
Maria das Graças: Só arrumaram o centro, voltou a ser um cartão postal. Mas os bairros populares estão como no dia seguinte, todos em ruínas. A tragédia ainda está presente na vida das pessoas. Qualquer chuva, qualquer trovão deixa as pessoas desesperadas. O povo está morando nas casas condenadas pela Defesa Civil porque não tem para onde ir.

Luiz Salarini: Uma nova tragédia se anuncia em Friburgo. Nossa cidade está sem governo. Forem três prefeitos em menos de três meses. Cada novo governante nomeia e demite aleatoriamente, faz acordos vergonhosos com as empreiteiras e não atende a população, agindo cada um com seu bando de saqueadores. O governo federal e o do estado se foram junto com a mídia. As empreiteiras escondem suas máquinas no matagal depois de fincarem suas placas com o logo das secretarias e do governo estadual diante de bairros destruídos e estradas intransitáveis.

E OS DESABRIGADOS, TÊM SE ORGANIZADO?
Luiz Salarini: Friburgo é um barril de pólvora! Estas são as palavras do presidente da Comamor, organização que congrega as associações de moradores de Nova Friburgo. Todos os dias há manifestações, ruas fechadas, cartazes e faixas debochando do trabalho dos governos e muita revolta, principalmente nos bairros mais pobres.

QUAL TEM SIDO A PARTICIPAÇÃO DOS MILITANTES DO PSTU NESTA SITUAÇÃO?
Maria das Graças: O apoio efetivo quem tem dado é o PSTU e a CSP-Conlutas. Buscando organizar as pessoas. Na hora em que o povo mais precisou, eles levaram alimentos, água e mantimentos. Eles montaram um comboio, com gente do Rio, Niterói e Baixada. Falaram para o povo não esperar muita coisa dos governantes, deram o exemplo do que aconteceu no Morro do Bumba.

Luiz Salarini: Lançamos a ideia da criação de um Fórum Sindical e Popular e fomos os maiores responsáveis para que este fórum ganhasse as ruas e se aproximasse dos atingidos. Assim, temos todo dia 12 de cada mês organizado atos. Não vamos deixar que eles façam o que fizeram no Morro do Bumba. A tragédia do descaso não vai acontecer aqui. Vai haver luta.

O ato do dia 12 de abril foi um momento vitorioso de nosso movimento. Centenas de pessoas de todos os bairros atingidos ocuparam a praça pública e em passeata seguiram até a prefeitura, onde foram recebidas pelo governo, que teve que fazer o que não fez até agora, que é ouvir a população. O ato permitiu dar a essas pessoas o direito de falar diretamente ao governo sobre sua situação, trouxemos a mídia de volta ao cenário que mudou muito pouco nestes três meses.

Dia de luta lembra um ano da tragédia no Morro do Bumba
O dia 6 de abril de 2011 entrou para a história da cidade de Niterói, antiga capital do Rio de Janeiro. Completou-se um ano da tragédia no Morro do Bumba, onde um deslizamento vitimou mais de 40 pessoas durante as chuvas, que deixaram mais de 200 mortos em todo o estado. O dia foi marcado por manifestações contra a privatização da Clin (Companhia de Limpeza Urbana de Niterói) e em apoio à paralisação de 24 horas dos profissionais de educação da rede municipal.

Da tragédia ao descaso
Os desabrigados que chegavam das várias comunidades, sendo a maioria crianças, carregando faixas, rapidamente lotaram a praça da Prefeitura Velha. Eram visíveis, no rosto das pessoas, as marcas de sofrimento e revolta pela difícil situação que estão vivendo. Muitos ainda encontram dificuldades para receber o dinheiro do aluguel social disponibilizado pelos governos estadual e federal, mas que não é repassado regularmente pela prefeitura. Para piorar, centenas de famílias ainda não conseguiram receber nenhum tipo de auxílio material ou financeiro, dependendo da solidariedade de amigos e parentes.

Os cerca de 300 manifestantes, apoiados por representantes de diversas entidades, partidos de esquerda e movimentos (como CSP-Conlutas, Anel, Sepe-Niterói, Sintuff, Aduff, DCE-UFF, PSTU e PSOL), se dirigiram à Câmara Municipal, onde, à noite, se realizou uma audiência pública sobre a questão dos desabrigados. Depois, foram para a sede da Prefeitura Nova, onde foi celebrado um ato ecumênico em memória das vítimas.

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