Um balanço da recente guerraJá se passaram semanas desde o precário cessar-fogo acordado no Líbano. Pouco depois do acordo, o primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, e o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, saíram a dizer que Israel havia ganhado a guerra contra os “terroristas” do Hizbollah. Mas essas afirmações triunfais chocaram-se com a dura realidade.

Cada vez fica mais claro que, apesar de toda a destruição que provocou nesse pequeno país, o exército sionista sofreu uma dura derrota diante do Hizbollah e do povo libanês e teve de se retirar sem conseguir nenhum de seus objetivos políticos e militares.

Ao definir o que ocorreu como “uma dura derrota” para Israel, devemos considerar vários fatores. Em primeiro lugar, a desproporção das forças em combate. Israel gastou nessa guerra US$ 9 bilhões, mobilizou mais de 30 mil soldados e utilizou a mais moderna tecnologia militar.

O Hizbollah utilizou, entre combatentes e reservistas, 6 mil homens com um armamento muito inferior. Apesar disso, Israel nunca conseguiu quebrar a capacidade militar do Hizbollah que, até o final do conflito, seguiu atirando mais de 200 foguetes e mísseis diários no território israelense.

Ao mesmo tempo, as tropas israelenses sofreram um alto número de baixas: oficialmente são reconhecidos 114 soldados e 52 civis mortos, mas algumas informações dizem que o número real de baixas é três vezes maior, assim como a destruição de numerosos tanques e equipamento militar.

Finalmente, havia décadas que Israel não via seu território atacado num conflito militar. O norte do país, inclusive Haifa, a terceira cidade israelense, foi permanentemente afetado pelos foguetes lançados pelo Hizbollah. O resultado foram milhares de pessoas que tiveram de abandonar suas casas e, pela primeira vez na história de Israel, a formação de acampamentos de refugiados.

Mas a melhor demonstração do verdadeiro resultado da guerra é o claro contraste entre a comemoração dos moradores do sul do Líbano quando voltavam a suas cidades, apesar de encontrá-las quase destruídas, e a grave crise política que se abriu em Israel.

Chamando as coisas por seu nome, a capa da tradicional revista semanal inglesa The Economist de 17 de agosto foi: “Nasrallah ganhou a guerra”.
No mesmo sentido, o jornal diário israelense Haaretz, fervoroso defensor do sionismo, insistiu que, para reverter essa realidade desfavorável e garantir a existência de Israel, é preciso começar reconhecendo que foram derrotados.

Saudamos a vitória do povo libanês e, junto com as massas árabes e muçulmanas, festejamos a derrota do exército sionista. Trata-se de um feito de imensa importância, porque coloca na ordem do dia a possibilidade de concretizar uma tarefa histórica: a destruição do estado racista e criado para preservar os interesses do imperialismo na região, como é Israel.

Por que foi possível?
O que ocorreu no Líbano não pode se explicar por meio de uma análise puramente militar. Israel é a quinta potência militar do mundo e possui tecnologia suficiente, bombas atômicas inclusive, para “apagar” o Líbano da face da Terra. É necessário, então, analisar politicamente.

O ataque israelense tentou dar uma resposta ofensiva a duas crises combinadas. A primeira é do conjunto da política de “guerra contra o terror” iniciada por Bush em 11 de setembro de 2001, totalmente atolada no Iraque e, agora, reaberta no Afeganistão. A segunda foi a crise da política dos Acordos de Oslo e da constituição da ANP (Autoridade Nacional Palestina), assim que o Hamas venceu as eleições. Olmert e Bush acreditaram que conseguiriam uma vitória rápida e contundente no Líbano que lhes permitiria começar a reverter essa crise.

Mas, como Bush no Iraque, a política de Olmert chocou-se contra o grande ascenso das massas árabes e muçulmanas, cuja expressão maior são as guerras de libertação nacional contra o invasor imperialista. É evidente que o Hizbollah desenvolveu uma força militar eficiente e que seus soldados combatem com valentia e determinação. Mas isso é a expressão mais visível da disposição de luta do conjunto do povo libanês que os apoiou e os defendeu.

Crise em Israel
Por se tratar de um país cuja essência é ser um Estado “policial” (criado para defender os interesses do imperialismo no Oriente Médio), a derrota política e militar no Líbano gerou uma forte crise em Israel e o governo de Olmert recebe críticas pela direita e pela esquerda.

Pela direita, criticam-no por não haver levado a guerra até suas últimas conseqüências, ocupando todo o território libanês para garantir a destruição do Hizbollah. Afirmam que foi essa indefinição estratégica que levou à derrota, como expressa uma solicitação de um setor de reservistas publicada pelo Haaretz. Ao mesmo tempo, importantes colunistas desse jornal lançaram uma campanha pedindo a renúncia de Olmert e seu governo e a convocação de novas eleições, como primeiro passo para reverter a crise. Segundo uma pesquisa do jornal Yediot Ahronot, 63% dos israelenses acham o mesmo.

Pela esquerda, um setor minoritário diz que foi um grave erro ter se metido numa guerra de alto risco, em vez de buscar uma solução negociada da questão dos soldados tomados reféns.

Mas Olmert não é o único a receber críticas. As altas patentes das forças armadas também foram fortemente criticadas. Os jornais dizem que o exército dividiu-se entre a “classe dos combatentes” (os soldados e oficiais que lutaram) e a “classe dos comandantes” que, inicialmente, dedicaram-se a promover suas “vitórias” na televisão israelense e, depois, quando já era claro o rumo desfavorável da guerra, começaram a colocar a culpa uns nos outros.

A imprensa também transmite a insatisfação crescente do resto do país contra a capital Tel Aviv que é, além de tudo, a cidade mais rica do país. Expressa que, além de não sofrer nenhuma conseqüência da guerra, ali vivem espécies de “yuppies”: os filhos da elite econômica, política e intelectual que usam as influências familiares para não ir combater e cumprir seu serviço militar nos cômodos escritórios do comandante em chefe, perto dos shoppings e do comércio mais luxuoso da cidade. Um general inclusive ameaçou revelar as estatísticas de soldados mortos para mostrar que quase nenhum era de Tel Aviv.

Não nos confundamos: a ampla maioria dos israelenses está a favor da destruição do Hizbollah e apoiou a guerra contra o Líbano, inclusive quando era claro seu caráter genocida. Tudo indica que, como reação à derrota, girarão à direita numa futura eleição apoiando o partido Likud contra o Kadima e o trabalhismo, base do atual governo de Olmert. Mas a derrota abriu essa profunda crise e ambas, como conclui o Haaretz, mostram que Israel é “um país vulnerável”.

A euforia árabe e muçulmana
A derrota das tropas sionistas gerou uma imensa alegria entre os povos árabes e muçulmanos. Um dirigente árabe expressou isso com muita clareza: “Durante anos e anos, aos árabes das gerações anteriores se disse que nada poderia ser feito contra a força de Israel. Agora todos os árabes estão despertando para a nova realidade.

Alguns milhares de combatentes irregulares, a maioria pouco armados, mas com vontade de luta, puderam enfrentar o monstro que tanto temiam, e conseguiram matar o dragão e seu pesadelo. O efeito da resistência firme dos soldados do Hizbollah ao exército de Israel será de enorme alcance (…) Muito além do Líbano, essa sensação está se alastrando como fogo num campo seco através de todo o mundo árabe e muçulmano (…) É uma sensação de poder que poderia eventualmente decidir no solo a sorte não só de Israel, mas também destes governos árabes, que são vistos por sua gente como os ‘vendedores’ da falsa idéia da impotência árabe para esconder sua própria impotência e corrupção…” (Ghayth Armanazi, The Independent, 11 de agosto)
Essa “sensação de poder” significará seguramente um grande impulso para a luta das massas árabes e muçulmanas, não apenas no combate a Israel, mas, como expressa o autor da citação, na luta contra os governos responsáveis por décadas de capitulação, especialmente os mais amigos de Israel ou do imperialismo, como os da Arábia Saudita, do Egito e da Jordânia. Podemos dizer que será também um incentivo para a luta dos povos iraquiano e afegão contra a ocupação imperialista de seus países.

Aumenta a crise do imperialismo
Para Bush e Olmert, o tiro saiu pela culatra e a derrota das tropas sionistas não fez mais que aumentar a crise do imperialismo no Oriente Médio. Exemplo disso é que, duas semanas depois do cessar-fogo, ainda não se pôde formar a “força de paz” de 15 mil homens prevista pela resolução 1701 da ONU.

Coerente com o papel de ferramenta do imperialismo cumprido por essa organização, a resolução não condenava a agressão israelense, nem a destruição provocada. Limitava-se a pedir o cessar-fogo e enviar os “capacetes azuis” ao lado libanês da fronteira.

Ao mesmo tempo, a ONU insistia no cumprimento de resoluções anteriores para “desarmar o Hizbollah”. O objetivo real da resolução é diminuir a derrota do exército israelense e que a “força de paz” estabeleça uma “fronteira humana” contra o Hizbollah. Por essa razão, somos contra o envio dessas supostas “tropas de paz” que, como sempre fizeram, só defenderão os interesses do imperialismo e de Israel.

Além desses objetivos, o certo é que o contingente ainda não pôde se formar porque muitos países convidados a enviar tropas recusaram-se a fazê-lo.

Também não está claro que país imperialista enviará o núcleo central da “força de paz” e a comandará. Como antiga potência dominante no Líbano e com intenções de retomar sua influência, os governo francês havia se comprometido a fazê-lo. Mas seus comandos militares recusaram a proposta porque ainda guardam na memória sua participação em outra força da ONU nesse país, na década de 80, que literalmente “voou pelos ares”. Agora a França enviará apenas um pequeno grupo de 200 soldados.

Estados Unidos e Grã-Bretanha darão apoio e materiais, mas não enviarão soldados. A Alemanha já antecipou que sua colaboração será com barcos e transporte. A Itália foi o único país imperialista que aceitou mandar um forte contingente (3 mil homens) e comandar a força. Mas agora condicionou seu envio a que Israel deixe de violar o cessar-fogo.

Por outro lado, países que aceitaram enviar soldados, como Indonésia e Malásia, foram questionados pelo governo israelense, já que são nações de maioria muçulmana que não reconhecem Israel.

Uma nova guerra é inevitável
O acordo de cessar-fogo no Líbano é bastante precário. Lamentavelmente, devemos dizer que tudo indica que uma nova guerra parece inevitável. As tropas sionistas, como uma fera ferida, já o violaram várias vezes e Amir Peretz, ministro da defesa israelense, declarou que “Israel deve se preparar para um segundo retorno ao Líbano” (Clarín, 21 de agosto).

Uma nova prova de que a origem das guerras e dos conflitos na região é o caráter de Israel de Estado policial armado do imperialismo. Em uma semana, um mês ou um ano, o Estado sionista voltará a atacar e já está se preparando para fazê-lo.
Uma nova mostra também de que não poderá haver paz nessa região do Oriente Médio até que Israel seja derrotado e destruído, definitivamente. A derrota que sofreu no Líbano demonstra que, com uma luta unificada das massas árabes e muçulmanas, isso seria possível.

O Hizbollah, pelo prestígio e pela influência que ganhou nessa guerra, tem uma grande responsabilidade para que se possa avançar nesse caminho. Por isso, as massas árabes e muçulmanas devem exigir do grupo que lidere essa luta.

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