Port-Salut, pequena cidade costeira ao sul da República do Haiti, se destaca por suas praias atraentes e sua paisagem de cartão postal. Há uma semana, porém, ganhou um novo elemento em sua reputação: pelo menos quatro militares uruguaios da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) estupraram Johnny Jean, um garoto, de 18 anos.

O ato ocorreu no dia 28 de julho de 2011, mas foi somente no final de agosto que ocupou os noticiários. Em parte, devido ao fato de o vídeo do crime ter sido difundido na internet. Os próprios militares filmaram a cena. E a utilizaram como filme para deleitarem-se com sua proeza. E o que é pior, na presença de jovens adolescentes da região, todos amigos da vítima.

Contexto de machismo e opressão
A violação de Johnny não é um fato acidental. Na verdade, menos de um ano após o desembarque da Minustah, no dia 18 de fevereiro de 2005, três “capacetes azuis” paquistaneses violaram uma garota de nome Nadége Nicolas. No entanto, apesar de se tratar de um ato criminoso, que causou a ira popular, sobretudo das organizações feministas, o caso segue impune e foi arquivado posteriormente.

Guerra aos mais pobres
Em todas as suas ações, a ocupação dirigida pela ONU aponta sistematicamente contra o povo empobrecido. Suas violações e seus assassinatos ocorrem nos bairros miseráveis como Cite-Soleil; contra as jovens mulheres e os indefesos jovens. Existe o caso muito conhecido do enforcamento de um menor de 16 anos, Gérald Gilles, em uma base militar dos “capacetes azuis” nepaleses em Carénage, Cap-Haitien. A Minustah tentou fazer esse crime passar como um suicídio.

Assim, como uma verdadeira força de ocupação, a Minustah utiliza a violação como arma de guerra. Humilha, explora, submete os mais pacíficos, que apenas entram em contato com ela para garantir sua sobrevivência, ou simplesmente porque são pobres; aqueles e aquelas que tiveram a infelicidade de viver em Cite-soleil e demais “zonas sem direitos”.

Opinião – Didier, como vocês avaliam o novo governo de Michel Martelly?
Didier Dominique – A eleição sob ocupação militar foi uma farsa. Nenhum dos 19 candidatos defendia os interesses do povo haitiano. Nenhum falou do salário mínimo, da ocupação militar.

Martelly era um deles, e um dos piores. Era um cantor muito famoso. Em sua campanha dizia que “os políticos não fizeram nada por nós, mentem, roubam, são corruptos. É preciso alguém novo, parecido a vocês.”

As pessoas votaram em Martelly repudiando os políticos clássicos, sem saber que estavam colocando alguém da ultra-direita. Ele apoiou o primeiro golpe de estado contra Aristides [em 1991] que matou cinco mil pessoas. Seu apelido é o mesmo do chefe da polícia Michel François, que comandou o massacre nos bairros populares. Esse genocida, sadicamente, colocou em si próprio o apelido “Sweet [doce] Micky”. Naquela época, Martelly já era cantor, apoiou o golpe e adotou o apelido desse bandido.

Martelly recebeu nas eleições o apoio da ultra-direita norte-americana, com a visita de Sarah Palin, do Tea Party. Já como presidente, nomeou como conselheiro o ex-ditador Jean Claude Duvalier, que voltou ao país. Martelly foi o que mais enganou o povo. Mas vai se desgastar logo, porque é da ultra-direita.

Um ano e meio depois do terremoto, o que se fez para reconstrução do Haiti?
Didier – Não se reconstruiu nada. Apenas se recolheram alguns escombros, em uma velocidade lentíssima. Os acampamentos seguem quase na mesma. Eram um milhão de pessoas acampadas, quatrocentos mil foram para interior, seguem 600 mil.

O que mudou foi para pior. Existe um plano, da Fundação Príncipe Charles, a quem foi entregue a planificação de reconstrução de Porto Príncipe. Dizem que a cidade tem três milhões de pessoas e devem expulsar dois milhões. A idéia deles é expulsar e deslocar essa gente para as zonas francas que estão construindo ao redor da capital. Já começaram. A polícia e a Minustah expulsaram violentamente 300 famílias, 1.600 pessoas do acampamento de Delma. Com cassetetes, armas de fogo e gases. Expulsaram mulheres grávidas e crianças, em três horas.

Como anda o movimento operário no Haiti?
Didier – Houve uma greve forte em agosto de 2009 dos operários têxteis de Porto Príncipe, em defesa de um salário mínimo de 200 gourdes [R$ 180]. Houve repressão duríssima, por três dias, da Minustah, com helicópteros, tanques em toda a cidade. Assim, a greve foi derrotada.

O Parlamento não votou o salário de 200 gourdes. Mas elevou o salário de $75 para $125 gourdes [R$ 112] em 2009. Depois, aumentou em $150 gurdes, em 2010; $175, em 2011; e $200 em 2012. Mas, hoje, não pagam nem os 150 gourdes ( R$135) da lei. E começam a haver greves pela aplicação da lei e do salário de $150 gourdes.

Na empresa canadense Gildan, com 600 operários, houve uma greve exigindo negociação salarial. Demitiram 200, mas os outros 400 seguiram em greve. Obrigaram a empresa a recuar e pagar os $150 gourdes, embora tenham mantido as demissões.

O que as tropas da Minustah estão fazendo no Haiti?
Didier – O povo haitiano tem claro o papel da Minustah. Não fazem nada para a população que supostamente vieram “ajudar”. Reprimiram brutalmente o levante da fome, em abril 2008. Houve sete mortos e muitos feridos. Reprimiram a greve operária de 2009. Os soldados da Minustah do Nepal trouxeram o cólera para o Haiti. Agora estão desalojando a população dos acampamentos. Nos muros de Porto Príncipe se lê: “Aba Minustah” [Abaixo a Minustah].

E a mobilização contra a Minustah pelo estupro do garoto haitiano?
Didier – Junto com outras organizações de luta, a Batay Ouvriyé foi um dos convocantes desse ato. Ao chegar a Champs de Mars, a movilização foi duramente reprimida pela polícia. Houve resposta com pedras e garrafas. Entretanto, foi finalmente dispersada com fortes golpes e gases lacrimogêneos que a polícia lançou até dentro do acampamento ao lado. Os estudantes da Faculdade de Etnologia, também presentes, foram perseguidos até dentro da própria universidade.

Post author Michaëlle Desrosiers e Franck Seguy, do Haiti. Entrevista feita pela redação do Opinião Socialista
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