Papa com o ditador Pinochet

O papa João Paulo II faleceu no sábado, 2 de abril, após longa agonia, explorada pela Igreja católica com a ajuda dos meios de comunicação de todo o planeta. O clima de comoção, principalmente entre os cerca de um bilhão de católicos no mundo, deve continuar. Aos que, hoje, sofrem a morte do papa como um dos seus, queremos recordar o papel de João Paulo II na direção da Igreja católica, abraçando não o povo, mas os ditadores, o imperialismo norte-americano e os setores mais conservadores do clero

Nas últimas semanas, surgiram livros, revistas e artigos biográficos, que, com raras exceções, enaltecem João Paulo II. Ele aparece como lutador pela paz e defensor dos povos oprimidos. Foi chamado de “o homem do século”, que “mudou o mundo”. Forma-se, assim, um mito em torno do papa, abrindo caminho, até, para sua canonização, ou seja, para que seja declarado como mais um santo da Igreja.

Escolhido para ser o líder da Igreja católica em 1978, o polonês Karol Wojtyla, que adotou o nome de João Paulo II, foi o primeiro papa não italiano em séculos.

Simbolicamente, pouco depois foi rezar no túmulo do fundador da organização ultra-reacionária Opus Dei, depois santificado pelo papa, deixando claro sua identidade com os objetivos do grupo, como o anticomunismo e a defesa de posições conservadores em matéria de comportamento moral, sexual e familiar.

Rapidamente, o papa assumiu uma postura política ativa, utilizando como principais instrumentos suas viagens pelos vários países, seus discursos e textos. João Paulo foi o papa da globalização, utilizando-se da mídia como nunca. As suas viagens moviam grandes massas, como nas três visitas ao Brasil.

`PapaDois anos depois de sua posse, Ronald Reagan chegaria à presidência dos EUA, com forte discurso conservador, iniciando um novo período de convergência entre o Vaticano e a Casa Branca, formando o que Richard Allen, presidente do Conselho de Segurança Nacional de Reagan, chamou de “a maior aliança secreta dos tempos modernos”.

Colaborando com a contra-revolução
João Paulo II atuou em dois pontos-chave da cena internacional na virada da década 70 para 80: Polônia e Nicarágua. Visitou a Polônia, em 1979, iniciando uma mudança na posição adotada até então pela Igreja, a de dialogar com o regime stalinista, o Vaticano passou a apoiar abertamente os grupos de oposição.

A ação do papa em conjunto com a CIA, como confirmou recentemente seu antigo diretor, o general Vernon Walters, tinha como objetivo contribuir moral e financeiramente com os setores da oposição que defendiam a restauração capitalista, contra os que combatiam a burocracia, mas defendiam a propriedade social. A justa luta do povo polonês contra o stalinismo foi conduzida, com o apoio do papa, para a restauração do capitalismo, por meio de Lech Valesa e da direção do sindicato Solidariedade.

Na Nicarágua, em 1983, o papa condenou a participação de padres no governo da Frente Sandinista e apoiou a cúpula da Igreja, que fazia oposição ao novo regime, inclusive promovendo o arcebispo de Manágua a cardeal. Novamente o Vaticano associou-se aos EUA em uma grande campanha contra os sandinistas, que contou com o envio de fundos da Agência de Desenvolvimento Internacional, órgão do governo dos EUA, para a oposicionista arquidiocese de Manágua.

Na sua visita a Cuba, em 1998, o papa tinha como objetivo, declarado por ele próprio, produzir os mesmos efeitos que sua visita provocou na Polônia, ou seja, auxiliar o processo de restauração capitalista.

Apoiando as ditaduras
Ainda na América Latina, o papado, antes e depois de João Paulo II, apoiou claramente as diversas ditaduras militares. No Chile, um dos grandes aliados do general Pinochet foi o arcebispo Angelo Sodano, núncio apostólico, ou seja, embaixador do Vaticano naquele país. Sodano, até a morte do papa, era a segunda autoridade do Vaticano, ocupando a função de secretário de Estado. A velha amizade com Pinochet levou o Vaticano a solicitar a libertação do ditador, quando este esteve detido na Inglaterra, a pedido da Justiça espanhola.

Na Argentina, os generais encontraram no núncio Dom Pio Laghi um leal parceiro, o que levou a Associação das Mães da Praça de Maio a processá-lo junto à Justiça italiana. Ainda nesse país, recentemente, o bispo capelão-mor do exército disse que os defensores do aborto deveriam ser jogados no mar – prática de que a ditadura se valeu para assassinar presos políticos –, tendo recebido total apoio do Vaticano após essa infame declaração.

Alguns artigos da imprensa procuram mostrar o papa como crítico tanto do socialismo como do capitalismo: nada mais falso. Para João Paulo II e o Vaticano, o socialismo, de maneira geral, é uma das “ideologias do mal”. Ao passo que as críticas ao capitalismo são pontuais, e, na maioria, tratam de questões como a perda dos valores religiosos na sociedade moderna, causadas pelo consumismo ou pela nova moral sexual.

Mesmo o discurso pela solidariedade mundial não passa de palavras vazias, sem atacar as causas da miséria ou da exploração. Afinal, um dos conselheiros do órgão encarregado de elaborar a doutrina social da Igreja católica, a Comissão de Justiça e Paz, é Michel Camdessus, ex-chefe do FMI.

Perseguição aos setores progressistas
Na América Latina, o alvo foi a Teologia da Libertação (TL) e os setores da Igreja ligados às lutas populares, acusados de introduzir temas marxistas no catolicismo. Um dos principais mecanismos usados foi a Congregação para a Doutrina da Fé (antigo Santo Ofício da Inquisição), dirigida pelo cardeal Ratzinger, um dos membros mais poderosos do Vaticano. Por sua iniciativa, muitos teólogos ligados à TL foram censurados, como Leonardo Boff, tiveram suas obras banidas ou foram proibidos de continuar ensinando em suas universidades.

Dessa forma, enquanto a TL, as Comunidades Eclesiais de Base e as pastorais sociais perderam espaço, movimentos como a Renovação Carismática Católica, da qual o Padre Marcelo é o mais conhecido representante, ganharam força.

Condenações ao aborto, à homossexualidade e aos preservativos: uma interferência criminosa da Igreja

João Paulo II também defendeu toda uma série de posições extremamente reacionárias sobre comportamento sexual. Mais do que posições pessoais, o papa expressava as posições defendidas pelo conjunto da Igreja católica.

Nesse ponto, novamente se percebe a afinidade do Vaticano com a Casa Branca, particularmente durante os governos republicanos de Ronald Reagan, de Bush “pai” e de Bush “filho”. Entre os vários temas, três merecem destaque: a ardorosa condenação do aborto, do uso da camisinha e da união civil entre homossexuais.
Em seu último livro, João Paulo II comparou o aborto, atualmente permitido em vários países, com as formas de extermínio praticadas pelos nazistas nos campos de concentração, e acusou as uniões entre gays e entre lésbicas de serem uma grave violação às leis de Deus e da natureza.

A condenação ao uso da camisinha só pode ser vista como uma atitude criminosa, já que é o único método conhecido para se prevenir a disseminação da epidemia da Aids.

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