"O Palhaço" mistura drama e comédia

Filme dirigido por Selton Mello traz um palhaço com crise de identidade em busca de um sentido para a própria existênciaCom a ajuda de um caminhão e dois carros velhos, o pequeno e pobre Circo Esperança viaja por cidades do interior de Minas Gerais. Nele, uma trupe de artistas sem eira nem beira leva riso e divertimento para as pessoas em troca do próprio sustento. A vida é difícil e repleta de limitações, como a de milhões de pessoas neste país. Porém, todos realizam o espetáculo com alegria e demonstram gostar do que fazem. Exceto um. Benjamim, vivido por Selton Mello, é o palhaço Pangaré. Ao contrário dos outros integrantes do circo, ele enfrenta um dilema diferente. No picadeiro, ao lado do pai Valdemar e também palhaço Puro Sangue, interpretado pelo genial Paulo José, Benjamim faz o público rir aos montes, mas fora dos palcos não consegue achar graça na vida que leva, pois lhe falta uma convicção: a de que realmente deseja ser um palhaço. É a partir daí que se desenrola a trama deste segundo filme dirigido por Selton Mello, que estreou em todo o Brasil no último dia 28 de outubro, mostrando que o jovem ator também é um diretor de talento.

Escrito por Selton Mello, em parceria com Marcelo Vindicatto, “O Palhaço” se mostra um filme melhor e mais sensível do que o angustiante e profundamente intimista Feliz Natal, primeiro longa-metragem do novo diretor. Na história do palhaço Pangaré, merecem destaque também as rápidas, mas muito marcantes participações de Jackson Antunes (cuja uma das falas resume a trama) e de Moacyr Franco, como um hilário delegado de polícia apaixonado por seu gato. Entretanto, a presença de Paulo José na pele do palhaço Puro Sangue é um capítulo à parte. O veterano ator rouba a cena em muitos momentos, principalmente naqueles em que não há diálogos, o que confere ao filme uma apurada dimensão de beleza e poesia.

Poesia e sensibilidade
Vencedor de quatro prêmios no Festival de Paulínia, “O Palhaço” mistura drama e comédia em doses adequadas para alcançar uma linguagem cinematográfica de forte apelo poético. Recriando um universo que oscila entre o realismo e a fantasia, o filme conta uma história que vai da tristeza à ingenuidade. Entre os problemas materiais enfrentados pelos artistas do circo, como a necessidade de um ventilador e de um sutiã GG, Benjamim vive um conflito existencial que o faz duvidar das próprias escolhas. A alegria transmitida por ele ao público não é a mesma que sente quando não está sob a luz dos precários holofotes. O palhaço Pangaré é triste porque não sabe exatamente se quer ser um palhaço. Um drama vivido pelo próprio Selton Mello, que chegou a pensar em abandonar a carreira de ator.

Tendo nas mãos apenas a certidão de nascimento, Benjamim parte em busca de respostas para as angústias que o atormentam. Inicia, assim, a procura de um sentido para a própria vida, ainda que muitas vezes pareça não saber o que procura. Amor? Alegria? Novas perspectivas? Ou apenas um refresco para o cotidiano sufocante da vida de viagens pelo interior do país (daí a obsessão pelo ventilador)? No fundo, talvez Benjamim busque reencontrar a vontade e a razão para realizar aquilo que melhor sabe fazer. Algo que justifique a insistência dos outros artistas e de seu próprio pai em levar à frente espetáculos cujas platéias não superam os 60 espectadores. Benjamim procura, portanto, retomar o sonho que embala tudo o que nós nos aventuramos a fazer e descobrir se sua felicidade está dentro ou fora do picadeiro.

Em “O Palhaço”, Selton Mello soube, como poucos, dar sensibilidade e simbolismo a sua história. Prova irrefutável disso é o oportuno nome do circo: esperança. Mesmo diante das mais diversas infelicidades, a trupe de artistas não perde a esperança de viver daquilo que sabe fazer. Outro exemplo marcante é a sutil conexão que há entre a crise existencial do protagonista e a inexistência de sua carteira de identidade, CPF e comprovante de residência. Em mundo que ignora sentimentos e sonhos, ter documentos de identificação que comprovem nossa existência parece ser a única possibilidade para sermos notados. Mas isso, evidentemente, faz parte de um mundo que vê os seres humanos apenas como números, esquecendo-se de que nós somos bem mais do que uma foto no Registro Geral.