Egito: protestos contrários ao presidente Mursi dois anos após as revoltas que derrubaram Mubarak

Entre 1905 e 1906, o jovem revolucionário Leon Trotsky, sob o impacto da Revolução de 1905, formulou as bases de sua conhecida Teoria da Revolução Permanente. Nesse período, o pensamento hegemônico no marxismo russo se apegava à ideia de que a Rússia deveria, primeiramente, passar por uma revolução burguesa e consolidar o Estado democrático-burguês para, só então, pensar em uma revolução socialista. Essa ideia tinha implicações práticas, uma vez que se desdobrava no apoio e na submissão política dos socialistas frente aos liberais.

A partir de uma análise da formação histórica e econômica do Império Russo, Trotsky se colocou diametralmente contra esse paradigma. Para ele, a débil burguesia russa nasceu e se desenvolveu sob o patrocínio da autocracia czarista e, dessa forma, não constituía uma força revolucionária tal qual a burguesia francesa, por exemplo. Por outro lado, apesar de o proletariado russo constituir uma minoria em relação à população absoluta, a concentração industrial e o porte das indústrias possibilitaram a formação de um proletariado altamente combativo e revolucionário.

Assim, para Trotsky, a Rússia não precisaria necessariamente passar pelo período de consolidação burguesa, como pregavam os mencheviques por exemplo. Não precisaria e não poderia, uma vez que a burguesia russa seria “por natureza” reacionária. Trotsky rompeu com o menchevismo justamente nesse ponto, ou seja, ao propor que a revolução na Rússia deveria ser permanente, passando da fase burguesa ininterruptamente para a fase socialista. Dessa forma, mesmo as “conquistas tipicamente burguesas”, como liberdades civis e políticas, deveriam ser levadas sob a liderança do proletariado. Uma vez no poder, esse proletariado não trabalharia no sentido de manter sua própria exploração, ao contrário, iniciaria a fase socialista da revolução, expropriando os meios de produção e colocando-os sob seu controle.

As atuais revoluções no Oriente Médio[1], que ficaram conhecidas como a “Primavera Árabe”, revelam um forte descontentamento com os regimes políticos autoritários e opressores, que por muito tempo conseguiram conter pela força das armas os anseios populares. Na Síria, uma verdadeira Guerra Civil colocou o povo e diversas lideranças tribais em armas contra o regime de Bashar Al-Assad. Na Líbia, o descontentamento popular culminou na derrubada do governo do fossilizado Khadafi. No Irã, apesar de contida pela repressão, a insatisfação não é menor e isso ficou evidente na última eleição de Mahmoud Ahmadinejad. Iêmen, Tunísia etc. A revolução bate as portas. Mas, o caso mais emblemático, parece ser o Egípcio.

No Egito, apesar da derrubada do presidente Hosni Mubarak, as massas não abandonaram “a praça”, mostrando claramente sua insatisfação com as reformas na superfície política, com o poder que ainda desfruta o exército e com as condições sociais que esmagam o povo. O atual governo da Irmandade Muçulmana, presidido por Mohamed Morsi, tenta calar com a força das baionetas os gritos de “pão, liberdade e justiça social” que ecoa nas ruas. Nessa perspectiva, o Egito é um forte indicativo de que a luta do “povo árabe” por democracia é apenas a ponta do iceberg. A insatisfação é bem mais profunda e a “Primavera árabe” talvez não se detenha em sua fase de construção da democracia burguesa.

Líbia, Síria, Egito Irã, Iêmen, enfim, o que aqui chamamos de Oriente Médio são países caracterizados por economias extremamente dependentes do petróleo e com um proletariado relativamente especializado. Contam também, esses países, com importantes concentrações urbanas. A insatisfação com os regimes autoritários é agravada, ou mesmo despertada, pela péssima divisão da renda do petróleo. Nesse sentido, as contradições sociais parecem profundas demais e talvez não se resolvam com doses homeopáticas de liberdade política. Assim, estaria o “Oriente Médio” condenado a seguir o caminho das democracias ocidentais? A revolução política será inexoravelmente contida na democracia burguesa? Ou ao contrário, o desenvolvimento econômico e social dessa região pode abrir a possibilidade para uma nova e mais profunda forma de democracia, a democracia social pela revolução socialista?

A essas perguntas, só o tempo responderá. E se, por um lado, o porvir ainda não está escrito e comporta uma série de caminhos e possibilidades, uma lição a História ensina: as revoluções são eventos “abertos”, que tornam inevitável o que antes parecia impossível.

*Saymon Justo é mestre em História pela Unesp

[1] O conceito “Oriente Médio” utilizado aqui não é um conceito geográfico, como fica evidente. Sob esse termo refiro-me aos países tanto da Península Arábica como aos do norte da África. O que justifica tal generalização são algumas importantes semelhanças, como por exemplo, o fato de esses países sustentarem suas economias com a exploração do petróleo e seus derivados; a péssima distribuição da renda desse recurso natural; governos autoritários e no plano cultural o islamismo.