Domingo, dia 16 de setembro. Um comboio atravessa as ruas do bairro sunita de Mansur, em Bagdá, levando diplomatas e funcionários norte-americanos. O comboio é escoltado por militares, mas também por seguranças privados da empresa Blackwater. Sem motivo aparente, os agentes da Blackwater passam a disparar contra pedestres, alegando que eles eram terroristas que montavam uma emboscada. O resultado: pelo menos dez civis inocentes mortos e cerca de outros 36 feridos.

Testemunhas dizem que os agentes de segurança atiraram indiscriminadamente contra civis. “Ninguém atirou neles, eles não foram cercados por homens armados nem foram alvo de explosão”, disse o iraquiano Hasan Salman à rede norte-americana de TV CNN. Segundo ele, os agentes bloquearam a rua e fizeram sinais para que os motoristas deixassem o local. “Quando fizemos o retorno, abriram fogo contra os carros”.
O caso provocou a revolta dos iraquianos. O governo fantoche do premiê Nuri al Maliki foi obrigado a retirar a licença da norte-americana Blackwater, uma tímida resposta à indignação causada pelos assassinatos. Mesmo assim, Condoleezza Rice, Secretária de Estado dos EUA, protestou.

Nada foi dito pelo governo iraquiano sobre outras empresas que contratam mercenários para atuar no Iraque. Tampouco se pronunciaram sobre as rotineiras violações aos direitos humanos da população, causadas pelas brutais ações desses mercenários em numerosas ocasiões.

Há muito tempo, como disse Robert Young Pelton, um dos muitos autores de livros sobre a Blackwater, que os agentes de segurança privados “usam metralhadoras como se fossem buzinas”. Entre dezenas de denúncias, o jornal “The Washington Post” relatou os acontecimentos envolvendo a Blackwater em seis outros incidentes violentos neste ano, que deixaram pelos menos dez iraquianos mortos, entre eles um jornalista.

Como se isso não bastasse, explodiram denúncias de que a Blackwater estaria embarcando armas e equipamentos militares para o Iraque de maneira ilegal, quer dizer, tráfico de armas.

Privatização da guerra
Os recentes assassinatos cometidos pelos mercenários expõem uma questão essencial para a guerra suja de Bush: a crescente presença de mercenários no Iraque.
Nos últimos anos, a presença de mercenários aumentou em proporções assustadoras. Atualmente, entre 100 mil e 130 mil mercenários são empregados em ações na ocupação. Bem mais equipados e com salários maiores, os mercenários já são quase tão numerosos quanto a tropa oficial, que atualmente tem cerca de 160 mil soldados no país.

Os mercenários foram – e continuam sendo – recrutados em antigas agências de repressão que entraram em colapso ou perderam sua importância. São, muita vezes, o tipo de gente que, por exemplo, trabalhou na polícia secreta da África do Sul, órgão cuja função era manter o regime do Apartheid, e até ex-militares chilenos da época de Pinochet.

A maior empresa fornecedora de mercenários é a Blackwater Security Consulting Company, cujo proprietário é o ex-militar e religioso conservador Erik Prince. O dono da Blackwater mantém relações muito próximas ao poder.

Na última campanha presidencial dos EUA, Prince foi um dos maiores doadores de Bush, segundo o “Wall Street Journal”.

Erik Prince foi recompensado pela sua “generosidade”. Atualmente, sua empresa tem perto de US$ 800 milhões em contratos com o atual governo. O empresário chegou a dizer que a Blackwater é “o Fedex dos Exércitos”: “Quando você tem pressa, não usa o correio normal, mas o Fedex. Nossa meta é ser o equivalente para o aparato de segurança nacional”, disse.

No site da Blackwater, sem constrangimentos, está exposto o lema da empresa: “to support security, peace, freedom, and democracy everywhere” (“para suporte da segurança, paz, liberdade e democracia em todos os lugares”).

Uma presença fundamental
O “negócio de mercenários” é, sem dúvida, um dos mais promissores da indústria bélica.

Esse contingente extraordinário, não só é importante para assegurar os “negócios” de empresários dos EUA na região, como é essencial para manter a ocupação norte-americana. Para manter sua guerra, Bush não pode prescindir das tropas mercenárias. Isso porque o serviço militar não é obrigatório nos EUA desde 1973, após o país amargar a derrota no Vietnã . Essa “falta” de soldados para cobrir os objetivos militares no Iraque e Afeganistão, para proteger os negócios dos investidores imperialistas, criou esse suculento negócio da guerra. Segundo o documentarista Nick Bicanic, autor de Shadow Company (A companhia fantasma), filme inédito no Brasil que denuncia a ação desse tipo de empresa, “nos meses após a queda de Saddam Hussein, os documentos colocam os números perto de 20 mil pessoas. Agora, superam 100 mil”.

Impunidade
Foi realizado de tudo para facilitar a ação repressiva dos mercenários. Logo após a ocupação, foram criadas leis no Iraque para que eles atuem na mais completa impunidade. Os mercenários são apenas regulados pela “Ordem 17”, assinada por Paul Bremer (funcionário de Bush que administrou o Iraque após a queda de Saddam) em junho de 2004, que os exime de serem julgados no Iraque por qualquer crime cometido. Se os militares norte-americanos, que respondem ao código de conduta do Pentágono e estão sujeitos às Convenções de Genebra, comentem toda ordem de crimes bárbaros e torturas (vide Abu Ghraib), pode-se imaginar o que fazem os mercenários protegidos pela total impunidade.

Aqui, mais uma vez, pode-se ver o envolvimento dessas empresas com a Casa Branca. Quem ajudou Bremer a promulgar essa lei foi nada menos do que Lawrence T. Peter, que preside atualmente a Private Security Company Association of Iraq, associação que reúne 50 empresas de segurança privada. Lawrence é também consultor do Pentágono na confecção de contratos a serem seguidos pelas mesmas empresas.

Apesar dos discursos do fantoche governo do Iraque, seria impossível manter a ocupação militar e, por conseguinte, a sustentação do próprio governo iraquiano, sem a presença dos mercenários no país. Mesmo assim, Bush continua se afundando cada vez mais, agora com seus mercenários.

Post author
Publication Date