Zé Maria, do PSTU, quer ruptura para evitar risco de Brasil `virar uma Argentina`Olímpio Cruz Neto e Leandro Fortes
Da Sucursal de Brasília

O metalúrgico José Maria de Almeida, 44 anos, paulista de Santa Albertina, tem a postura zen de um monge budista, mas a força retórica de um Leon Trostky. Candidato à Presidência da República pela segunda vez, representando o pequeno PSTU, Zé Maria é um misto de vendedor de esperanças e arauto do caos. “Se não houver uma ruptura total com o sistema, vamos caminhar para viver num país de terra arrasada, como a Argentina“, prevê. Dono de um slogan que tem como alvo a burguesia – Contra burguês, vote 16 – o candidato atira em tudo e todos. Dos adversários de sempre – banqueiros, FMI e o governo FH – até o ex-companheiro Luiz Inácio Lula da Silva. Um dos fundadores do PT, Zé Maria se diz decepcionado com o velho colega, com quem foi preso em 1981. Diz que o PT traiu o povo e que não toparia entrar para um eventual governo Lula. Apesar das palavras duras, não perde o bom humor. `Pode ser que eu não ganhe a eleição, mas se o (candidato tucano José) Serra continuar como está, pode empatar comigo lá embaixo“, brinca. Zé Maria tem 1% nas pesquisas. É dono de quase um milhão de votos. Nesta entrevista ao Jornal do Brasil, concedida em uma mesa do restaurante Beirute, tradicional reduto da esquerda brasiliense, o candidato da “esquerda para valer“ expõe seu diagnóstico da crise e diz que “o povo quer mudança“.

– O senhor gostaria de ser convidado para conversar com o presidente Fernando Henrique?

– Não e não iria se fosse convidado. O diálogo que queremos estabelecer não é com o governo FH, que quer uma transição na continuidade. O acordo que ele negociou com o Fundo Monetário Internacional e o que fez em parceria com alguns candidatos à Presidência da República foi, entre outras coisas, na base do compromisso da continuidade das premissas do modelo econômico do país hoje. Lamentavelmente até o Lula está apoiando esse acordo com o FMI. Que Serra, Garotinho e Ciro Gomes apóiem não nos espanta. São farinha do mesmo saco de FH; Lula deveria estar do outro lado da trincheira. Mas, infelizmente, parece estar aderindo à lógica da continuidade.

– O senhor é contra este ou qualquer acordo com o FMI?

– Este acordo é a continuidade de outros que têm o mesmo conteúdo. Nosso projeto tem como um dos centros a defesa da ruptura do conjunto dos acordos com o fundo, do não-pagamento da dívida e da retirada do Brasil das negociações da Alca. Romper é criar as condições para modificar as políticas econômicas que foram implementadas no nosso país. Romper com o ajuste fiscal, que levou a um enxugamento dos gastos públicos e à diminuição das verbas para a educação, para a saúde e para a moradia popular. E que leva à manutenção do patamar de juros na estratosfera como está hoje, à busca da obtenção do chamado superávit primário. Significa manter um crescimento econômico ridículo, na casa de 1,5%, 2%. E é a principal razão dos 12 milhões de desempregados nesse país.

– Os outros candidatos dizem que é possível fazer o país crescer e aprovam o acordo com o FMI. Uma coisa exclui a outra?

Exclui. É um contra-senso total. Eles dizem que não podemos dar o calote nos banqueiros internacionais, não podemos romper os acordos com o FMI porque senão vamos viver o caos. No entanto acordos como esses significam calote no povo brasileiro. Este ano, o país vai mandar US$ 26 bilhões para o pagamento de juros da dívida externa. Se continuarmos mandando para fora esse volume de recursos, não há dinheiro para investir em geração de empregos, educação

e saúde. Então o que os candidatos estão dizendo, que vão resolver o problema do emprego, da educação e da saúde, mas vão manter o pagamento da dívida, a obediência aos acordos feitos com o FMI, é uma mentira para o povo. Vão fazer a mesma coisa que o De la Rúa fez na Argentina.

– Como assim?

O que De la Rúa prometeu? Pagou a dívida e manteve os acordos com o FMI. E destruiu o país. Dizia que era o candidato do social, de oposição ao neoliberalismo. Prometeu priorizar o emprego, a saúde e a educação, e olhe o que fez. Aqui, o que está se preparando nessa transição negociada é levar o país à situação da Argentina, devastada por uma guerra.

– Não há diferença entre Lula, Ciro, Serra e Garotinho?

– A expectativa que se tinha era a que da parte de Serra, Ciro e Garotinho não houvesse de fato nenhuma diferença. Não só entre os governos deles, mas entre os governos deles e o atual. O que nos têm espantado é que o conjunto de alianças e compromissos que o Lula e a direção do PT têm assumido os coloca na mesma dimensão das outras candidaturas.

– O PT traiu o povo ao tentar chegar ao poder a todo custo?

– Tenho profundo respeito pela base militante do PT, que segue na luta conosco até hoje. Mas o PT se retirou da preparação do plebiscito da Alca enquanto sua base está nos ajudando a construi-lo. O que a direção do PT e Lula fizeram foi desertar das tarefas de construir uma alternativa de esquerda para o país.

Abandonaram o programa. O PSTU está apresentando um programa nessas eleições que é o mesmo da fundação do PT. A única mudança é o tema relacionado com a Alca, mais contemporâneo. O resto está tudo lá – a ruptura com o FMI, o não-pagamento da dívida, a estatização dos bancos e das grandes empresas, a nacionalização da terra.

Quem vota hoje no PSTU?

– Trabalhadores e jovens que querem, como nós, mudar as regras do jogo que organiza e norteia o funcionamento da sociedade. Queremos trabalhar para melhorar a vida do povo.

A retórica não é velha?

– Nossas idéias não estão fora de moda, podem até acabar sendo a última moda. No fim da década de 80, venderam a idéia de que o socialismo morreu. Caiu a antiga União Soviética, o leste europeu. Restou o livre-mercado. A solução dos problemas viria com a implementação do receituário neoliberal. Passaram-se 12 anos. O desemprego, a fome e a miséria aumentaram no mundo. Essa situação econômica e as condições sociais que gera é que vão levar uma parcela cada vez maior da população a olhar de novo para essas idéias radicais de transformação social.

– Vocês vão ser acusados do “quanto pior, melhor“.

– Estamos lutando justamente para que não fique pior. Se tivéssemos hoje o PT e Lula conosco nessa batalha, impediríamos o Brasil de chegar à situação da Argentina. Infelizmente, Lula está com uma crise de identidade.

– O senhor acha que é um equívoco do candidato ou de opção eleitoral?

– É mais profundo. É uma concepção que o PT vem assumindo aos poucos, ao longo dos anos, e que está dando um salto neste momento.

– Lula ganha essa eleição?

– É difícil prever. Acho que pode ganhar, mas ainda tem muita água para rolar por debaixo da ponte.

– Se ganhar, não é um ganho para o país, para a esquerda e o trabalhador brasileiro?

Ou não muda nada?

– Isso é contraditório. De la Rúa, na Argentina, foi apoiado por 90% da esquerda.

E o governo dele significou uma desmoralização, um desmantelamento, dos movimentos sociais. Foi um retrocesso político. – Mas são processos diferentes. – A repercussão de um governo Lula, se ele faz o que está dizendo que vai fazer, será mais grave para a esquerda brasileira do que na Argentina. Lá, a esquerda estava apoiando De la Rúa mas ele mesmo nunca foi da esquerda. O Lula é um dos líderes

políticos mais importantes do mundo. Conheço poucos que tenham o peso que ele tem num país do tamanho do Brasil. Então se isso levar a uma desmoralização da esquerda, é um problema. Agora, por outro lado, uma eleição dele libera forças sociais, vai haver mais luta do que hoje. O problema é se essas lutas vão ser com ele ou vão ser contra ele.

– Se fosse convidado, participaria de um governo Lula?

– Não. O que vamos dizer ao Lula, se ele ganhar, é que rompa os acordos que fez com a burguesia. E com o FMI. Deve parar de pagar dívida e expropriar os grandes empresários.

– Um governo Serra ou Ciro seria igual ao de Lula?

– José Serra aé o homem dos banqueiros.

– Mas ele não está bem nas pesquisas.

– O problema é que entre eles escolherem e o povo votar, a distância é grande. É o problema que ele tem nesse momento. Eu estava brincando que com esse 1%, pode ser que eu não ganhe a eleição, mas se o Serra continuar como está, pode empatar comigo lá embaixo.

Entrevista publicada no Jornal do Brasil de 19/08/02
http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/brasil/2002/08/18/jorbra20020818001.html