O processo que julga o mensalão, materializado nas acusações de corrupção e formação de quadrilha do ex-ministro José Dirceu, Gushiken, José Genoino, João Paulo e companhia, trouxe novamente às ruas as manifestações públicas de descrédito nas instituições do regime democrático brasileiro.

O Supremo Tribunal Federal (STF) é a mais alta instância do Poder Judiciário do Brasil e acumula competências típicas de Suprema Corte e Tribunal Constitucional. Sua função institucional principal é servir como guardião da Constituição Federal. A imprensa, em especial a Rede Globo, faz campanha em defesa do Poder Judiciário. Seus repórteres afirmam: “Os cidadãos democratas, honestos e decentes depositam suas derradeiras esperanças no Poder Judiciário. A sua falência significará a falência da democracia no Brasil.” Mesmo assim o Poder Judiciário é visto com desconfiança e a crença popular é que o desenlace de mais este caso termine em “pizza”.

Ultimamente isso não ocorre apenas com este poder. O Legislativo é visto como um “covil de ladrões” e o Executivo como o protetor dos chefes dos bandos. Até mesmo os setores que defendem o governo Lula admitem que a ética não é mais uma de suas bandeiras. Assim está o prestígio das principais instituições que garantem o “Estado de Democrático de Direito”, antros de corrupção, roubalheira, incompetência e resguardo dos ricos e poderosos, colocando em cores vivas a crise das instituições do Estado nacional.

Não poderia ser diferente. Afinal. o “mensalão” envolveu políticos, bancos e empresas estatais em um esquema de corrupção que tinha como finalidade beneficiar o Executivo, com a compra dos votos do Legislativo, capazes de garantir a maioria para a aprovação dos projetos do governo. Agora quem é chamado para julgar tal esquema é o Supremo Tribunal Federal formado por 11 juízes, 6 deles nomeados pelo chefe do Executivo, Lula. Aquele que deveria ser o primeiro da lista dos quarenta indiciados.

Sendo assim este processo não deve dar em nada, mesmo com o Supremo acolhendo a denúncia. O desfecho mais provável, depois das delongas processuais do volumoso e infindável processo, que deve adiar “sine die” a eventual sentença, será a consolidação de mais um ato de impunidade das elites.

A troca de mensagens entre a ministra Cármen Lúcia e o colega Ricardo Lewandowski, não só a respeito do teor das acusações em pauta, mas também do comportamento do ministro Eros Grau ao qual vincularam o voto a troca de favores com o poder Executivo demonstra que não há de imparcialidade no Judiciário.

Ainda mais com a firme determinação do presidente Lula, que sabia de todo esquema e estava de acordo com a sua existência, de abafar todo o caso.
O governo afirma que foi o que mais investigou na história do país. Mas a verdade é que foi o que mais tentou impedir a investigação, desde o primeiro escândalo de Waldomiro Diniz [ex-assessor do ex- assessor do ex-ministro José Dirceu flagrado negociando propina com empresários de jogos].

O PODER JUDICIÁRIO EXISTE COMO PODER COERCITIVO CONTRA A CLASSE TRABALHADORA
Vários analistas e intelectuais jurídicos de nossas academias crêem que vivemos em nosso país uma “aberração”. E que isso se deve fundamentalmente ao estado em que se encontram as instituições do Estado brasileiro totalmente corrompidas e incompatíveis com o regime democrático. Acreditam que, se o País tivesse uma estrutura jurídico-institucional que obrigasse a um mínimo equilíbrio entre os três poderes jamais a Nação estaria assistindo a essa escalada de escândalos, a pilhagem do erário e a impunidade, com o deboche e o descrédito dos poderes. Ledo engano. As instituições do Estado brasileiro são as clássicas instituições do Estado burguês em todos os países capitalistas que existem para oprimir e reprimir as classes mais exploradas e dão a base de sustentação deste sistema de roubalheira, corrupção e bandidagem.

Exemplos Internacionais é o que não faltam. Recentemente na França, escândalos de corrupção envolveram diretamente o Presidente do Conselho Constitucional, Roland Dumas, nomeado em 1995 por François Mitterrand, que com os protestos públicos forçaram-no a renunciar em março de 2000; na Alemanha, o Presidente do Tribunal Constitucional, Tomam Herzog, nomeado pelo conhecido chanceler da corrupção e da unificação imperialista das duas Alemanhas, Helmut Kohl, tinha estreitas ligações doutrinárias e profissionais com Theodor Maunz, fiel colaborador e inspirador intelectual da reorganização das forças neonazistas alemães e européias; na Itália, os juízes e procuradores da Operazione Mani Pulite Nr. 1 (Operação Mãos Limpas), considerados como heróis nacionais na luta contra a criminalidade organizada do aparelho de Estado, são os agentes mais suspeitos e corruptos da Operazione Mani Pulite Nr.2.

Na América Latina a Venezuela é conhecida internacionalmente por dezenas de processo de corrupção de juízes e na Colômbia, ministros de governo, juízes e procuradores tem ligações com os paramilitares de direita, ligados a Uribe, para citar alguns exemplos. Mesmo no principal país imperialista, os Estados Unidos, somente no governo Bush contou com vários escândalos. O envolvimento do vice-presidente Richard Cheney, um dos “falcões”, dono da petroleira Halliburton, em contratos sem concorrência de até US$ 15 bilhões no Iraque; o ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld renunciando acusado de beneficiamento pessoal na guerra do Iraque; o presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz, deixando o cargo em maio após um inquérito por questões éticas e agora o subsecretário da Justiça, Alberto Gonzales, acusado de afastar procuradores devido a razões políticas e de aprovar torturas aos presos de Guantánamo.

O JUDICIÁRIO COMO ÓRGÃO DE REPRESSÃO DE CLASSE
Isso ocorre por que mesmo em os chamados regimes democráticos burgueses ou o conhecido “Estado Democrático de Direito” são erigidos sobre a exploração assalariada e a dominação política do capitalismo contemporâneo. Por isso a função pública de julgar existe para em última instância para garantir o direito de propriedade e a repressão aos setores mais pobres e explorados da sociedade. Ele aparece revestido de suposta imparcialidade no julgamento dos casos e independente em face dos demais poderes do Estado.

Os artigos 1° e 2° da Constituição Brasileira de 1988, dispõem da seguinte forma :

“Art. 1°. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito. (…)

Art. 2° São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Mas a verdade é que a história da divisão e independência dos poderes procura obscurecer, em cada página de sua infindável literatura, a natureza mais autêntica da dominação política do Estado Burguês. A dominação militar e burocrática do Estado Burguês, em sua essência una e indivisível, entendida como o poder estatal efetivo e soberano “par excellence”, permanece, em princípio, intocada e unificada nas mãos da burguesia.

O Estado Burguês, concebido enquanto máquina estatal da burguesia dedicada à organização da violência não está colocado à disposição para divisão entre órgãos de poderes distintos e independentes. Para a manutenção de sua dominação política de classe, a burguesia necessita conservar sempre em suas mãos a unidade e a indivisibilidade do poder do Estado Burguês. E o Poder Judiciário é uma de suas instituições estratégicas.

* Asdrúbal Barbosa é professor de Política e Relações Internacionais e membro do Centro de Estudos e Pesquisas de Projetos Estratégicos (CEPEPO)