Médico preso por estupro choca o país e revela a omissão e a impunidade nos crimes contra as mulheresNo dia 16 de agosto, o médico Roger Abdelmassih, de 65 anos, foi preso acusado de estupro. Ele é referência no país em reprodução assistida, com uma lista de clientes que inclui várias celebridades, de Pelé a Roberto Carlos. Reportagem da revista Veja publicada em 2001 descreve o médico, famoso e bem relacionado, como o “doutor vida”, responsável por levar felicidade a inúmeros lares.

O que chocou o país, porém, não foi o fato de um médico famoso ter sido preso, mas o surpreendente número de vítimas que sofreram violência sexual em suas mãos. A denúncia do Ministério Público relata 56 casos envolvendo 39 vítimas de abuso.
De acordo com a denúncia, o médico violenta mulheres há pelo menos 40 anos, desde que começou a exercer a profissão, na década de 70. Antes da prisão, 65 pacientes já haviam procurado a polícia com denúncias contra o médico. Após a repercussão do caso, outras quatro relataram novos abusos.

Uma vida de crimes contra as mulheres
Como um médico pôde abusar de tantas mulheres sem que ninguém soubesse? Na verdade, foi revelado que as denúncias contra o médico são conhecidas pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) de São Paulo, o Ministério Público Estadual e a Polícia Civil há pelo menos 15 anos. Só em 19 de agosto, porém, o CRM anulou o registro profissional de Abdelmassih.

Os relatos dos abusos pelas vítimas revelam um padrão nos ataques. O médico aproveitava um momento a sós com a paciente em seu consultório para praticar o estupro. Em alguns casos, cometia os abusos após sedar a paciente.

Os depoimentos revelam a perplexidade das mulheres diante do ataque do médico. Da mesma forma, mostram como Abdelmassih utilizava seu prestígio, posição social e a própria função de especialista em reprodução para intimidar suas vítimas.

Abdelmassih chegou ao cúmulo de afirmar, cinicamente, que as denúncias eram fruto de alucinações provocadas pelo sedativo. Muitas mulheres hesitaram em denunciar o médico, pois isso poderia comprometer o sonho de conceber um filho. Até mesmo alguns maridos se sentiram intimidados para tomar alguma atitude contra o agressor. Os anos de violência perpetrados pelo médico deixaram um rastro de danos e traumas irreversíveis em inúmeras mulheres.

Reflexo covarde do machismo
O caso de violência choca pela crueldade e extrema covardia dos crimes.
Ao que tudo indica, foram quarenta anos de violência sexual contra pacientes. Impunes até agora. Difícil imaginar algum outro crime em que seu praticante pudesse ficar tanto tempo livre. O médico contou, claramente, com a omissão e a cumplicidade da Justiça e demais órgãos oficiais e profissionais.

Outro aspecto do escândalo revela também que a posição social não torna as mulheres imunes ao machismo. As clientes do médico pertenciam à classe média alta. Um tratamento de fertilização poderia custar R$ 30 mil ou mais. O caso é o reflexo do machismo em uma sociedade em que a mulher é vista unicamente como objeto sexual.

Questão de classe
Assim como o caso do vigia negro recentemente espancado no estacionamento do Carrefour revela que a opressão de raça permanece mesmo se a vítima tem uma condição social vista como superior, a opressão de gênero não é diferente.

Os crimes, por outro lado, fazem surgir outra questão. Se isso aconteceu com mulheres de classe média alta, o que não deve ocorrer diariamente com inúmeras mulheres pobres em consultórios médicos, no trabalho de diaristas, arrumadeiras e tantas outras nas periferias?

O status social, o moralismo de uma sociedade hipócrita e a impunidade certamente mascaram inúmeros Abdelmassih, assim como milhares de vítimas que sofrem em silêncio.

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