Curió tem vasta lista de crimes impunes

Justiça brasileira rejeita ação contra ex-militar e reforça certeza de impunidadeÀs vésperas de completar 48 anos do Golpe Militar, um fato inédito ameaçou mudar os rumos da impunidade em torno dos crimes políticos cometidos por militares durante a ditadura no Brasil (1964-1985). Pela primeira vez, uma denúncia criminal foi apresentada contra um oficial do Exército por crimes cometidos durante a ditadura militar. O alvo da ação é o Major Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, acusado pelo desaparecimento de 5 militantes da Guerrilha do Araguaia, que ele ajudou a combater.

Curió é réu confesso da execução não apenas destes, mas de tantos outros guerrilheiros que lutaram no Araguaia. Em 2009, ele abriu seu arquivo pessoal sobre a Guerrilha ao jornal Estado de São Paulo (edição de 20/06). Os documentos revelados na ocasião detalham e confirmam a execução sumária de 67 integrantes do movimento nas bases das Forças Armadas na Amazônia.

Mas apesar de sua confissão e da longa luta de diversas entidades e movimentos sociais e políticos pela punição deste e de outros militares, a Justiça Federal do Pará rejeitou a denúncia contra Curió com base na Lei da Anistia de 1979. O Ministério Público recorreu da decisão.

Longa ficha criminal
Curió é ex-oficial do Centro de Informações do Exército e ex-agente do SNI (Serviço Nacional de Informações). Pelos bons serviços prestados à ditadura com o extermínio da Guerrilha do Araguaia, recebeu a Medalha do Pacificador em 1973 e 1975, concedidas pelos presidentes General Emílio Garrastazu Médici e General Ernesto Geisel.

Em 1980, Curió é nomeado interventor de Serra Pelada (PA) pelo ditador João Baptista Figueiredo, em função de seus conhecimentos sobre a região. À frente do garimpo, promoveu um regime de terror, corrupção, violência e superexploração contra os garimpeiros.

Três anos depois, foi eleito deputado federal pelo PMDB, quando recebeu do próprio Figueiredo a missão de acabar com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), na época ainda em formação. Mesmo com o fim da ditadura, a ficha criminal de Curió continuou a crescer.

Encastelado em Serra Pelada, travou uma guerra com grupos de garimpeiros pelo controle da Coomigasp, cooperativa que detém os direitos de exploração do ouro da região, e das mensalidades dos 45 mil filiados à entidade. Durante os conflitos, o dirigente da Coomigasp, José Elizio Oliveira foi executado com 11 tiros. As suspeitas, obviamente, recaíram sobre Curió.

Sua política autocrata também lhe rendeu o controle da cidade batizada de Curionópolis, que surgiu graças às atividades de Serra Pelada. Como não poderia deixar de ser, Curió foi prefeito do município por duas vezes, em gestões marcadas por várias denúncias de fraudes em licitações, uso indevido de verbas públicas, contratação de empresas fantasmas e uso de notas fiscais falsas.

Em 2008 teve o mandato de prefeito cassado por compra de votos e abuso de poder econômico. Um ano depois, foi condenado pela Justiça Federal de Marabá (PA) a devolver R$ 1,1 milhão aos cofres públicos por atos de improbidade administrativa e teve seus direitos políticos cassados por cinco anos.

Mas seu histórico de uso pessoal do dinheiro público é anterior. Durante a CPI do caso PC Farias, Curió admitiu ter recebido dinheiro de Paulo César, tesoureiro da campanha eleitoral de Fernando Collor, para bancar sua própria candidatura ao Congresso. Para completar a vasta lista de crimes impunes, em 2006, é levado a julgamento e absolvido da acusação de assassinato a tiros de um jovem de 16 anos, no município de Sobradinho (DF).

Dilma reafirma anistia a criminosos de Estado
Em um país governado por uma ex-guerrilheira, muitos Curiós andam à solta, certos de sua impunidade, exercendo cargos públicos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil a responsabilizar criminalmente os militares acusados pelos desaparecimentos ocorridos no Araguaia, mesmo assim, Dilma se nega a rever a Lei de Anistia, que impede a condenação de torturadores e seus mandatários.

A rejeição da Justiça Federal em aceitar a denúncia de um réu há muito tempo confesso comprova a conivência da presidente Dilma e do judiciário brasileiro com os crimes da ditadura. A punição dos torturadores passa pela luta contínua e direta pela revisão da Lei de Anistia e por uma Comissão da Verdade que não se limite apenas a investigar os crimes da ditadura militar, mas que tenha o poder para punir seus culpados. Este deve ser o objetivo central se quisermos que os criminosos e os setores da classe dominante que os apoiaram, financiaram e orientaram sejam coibidos a não repetir esse tipo de crime.