É falsa a narrativa que coloca a fome dos mais pobres como centro para justificar o discurso de que o Brasil não pode parar
PSTU-PI

Geraldo Carvalho, professor da Universidade Federal do Piauí e militante do PSTU

Ao contrário do lema adotado pelo governo Bolsonaro, “O Brasil não pode parar”, afirmamos, o lucro pode parar de crescer, sim, em respeito à vida. O lema é adotado pelo governo para discordar da orientação política geral dos organismos internacionais e nacionais, incluindo seus principais ministros, em relação ao comportamento individual e coletivo durante a pandemia do corona-vírus.

Segundo essa concepção, a economia não pode parar senão quebra o país. A ideia é compartilhada por outros governos estrangeiros, particularmente, Donald Trump (EUA), Boris Jhonson (Inglaterra) e Daniel Ortega (Guatemala), além de mais uns dois ou três. Certamente, uma das frases mais repetidas no Brasil em tempos de coronavírus pelos desinformados em geral e, em particular, pelos seguidores das ideias plantadas nas redes sociais pelo gabinete do crime instalado no Planalto. Em essência, o que querem dizer essas pessoas? Lucro não pode parar de crescer, ou melhor dizendo, o capital não pode parar de se reproduzir, o trabalhador não pode parar de produzir o tutano (lucro) que alimenta os capitalistas.

O capital investido na produção não pode deixar de completar o seu ciclo: produção e circulação para a realização da mais-valia. Somente dessa forma o mais-valor, ou o valor excedente produzido pelo trabalho, chegará às mãos desses parasitas. Essa é, em essência, a preocupação por traz da ideia. Vejamos como Marx/Engels descrevem esse processo no capítulo 2, p. 67, do “O Capital”, ao iniciar a discussão sobre “A taxa de lucro”:

A fórmula geral do capital é D-M-D’; isto é, uma soma de valor é posta em circulação para dela se extrair uma soma de valor maior. O processo que cria essa soma de valor maior é a produção capitalista; o processo que a realiza é a circulação do capital. O capitalista produz a mercadoria não em razão dela mesma, não em razão de seu valor de uso ou para consumo próprio. O produto que o capitalista tem realmente em vista não é o produto palpável em si, mas o excedente de valor do produto, acima do valor do capital nele consumido.

O capitalista adianta o capital total sem levar em consideração os diferentes papéis que seus componentes desempenham na produção do mais-valor. Ele adianta todos esses componentes em igual medida, não só para reproduzir o capital adiantado, mas para produzir um excedente de valor sobre esse capital. Transformar o valor do capital variável por ele adiantado num valor maior é algo que ele só pode fazer por meio de seu intercâmbio com trabalho vivo, da exploração de trabalho vivo.

E ele só pode explorar o trabalho na medida em que adianta as condições para a realização desse trabalho – os meios e os objetos de trabalho, a maquinaria e a matéria-prima -, isto é, na medida em que utiliza, na forma de condições de produção, uma soma de valor de que dispõe; do mesmo modo, ele só é capitalista, só é capaz de promover o processo de exploração do trabalho, porque, como proprietário das condições de trabalho, ele se confronta com o trabalhador como mero proprietário da força de trabalho…” (O Capital, Livro III, 2017).

Parar a produção

A ideia de parar a produção de excedente (mais-valia), mesmo que parcialmente e por curto período (30, 60 ou 90 dias), tempo previsto pelos especialistas (burgueses liberais, diga-se de passagem) na pandemia da Covid-19 para o isolamento social, deixa os capitalistas ultraconservadores e seus agentes públicos tresloucados, a exemplo de Bolsonaro e alguns de seus ministros, que saem diariamente do palácio e dos ministérios em busca de espaço na mídia para difundir a ideia de que “o Brasil não pode parar”, que a pandemia não passa de uma “gripezinha”, que “alguns vão morrer mesmo”.

Mas, qual o problema, se a maioria desses já está à margem da racionalidade capitalista, apenas onerando o sistema de saúde e previdência? Afinal, segundo o ministro substituto do Mandetta, entre um jovem e um idoso, que morra o último. Nada mais cruel. No entanto, deve-se dizer que a burguesia e seu sistema econômico, político e social, já fazem essa escolha cotidianamente há séculos.

Eles sabem que a produção de excedente só é possível no processo de produção de mercadorias que, depois de produzidas necessitam ser vendidas no imenso mercado criado pela organização capitalista da produção. Portanto, se não há produção e venda não há como se efetivar a realização do excedente. Isso significa que o capitalista não vai lucrar como esperava, durante esse período. Afinal, como disse Marx, “o produto que o capitalista tem realmente em vista não é o produto palpável em si, mas o excedente de valor do produto, acima do valor do capital nele consumido”.

Essa ideia de que o único responsável direto por garantir a produção do excedente (aumento do capital adiantado), o trabalhador, está parado, é doloroso demais para aqueles habituados à expropriação incessante do trabalho alheio. Na consciência de Bolsonaro e seus seguidores/apoiadores, particularmente, as medidas de isolamento social, que em essência visam impedir descontrole da ordem estabelecida, isto é, o sistema da exploração capitalista, aparecem como medidas que colocam o trabalhador em situação de privilégio em detrimento da economia.

Esse tipo de narrativa, grosseira demais para ser difundida nos principais canais de comunicação aberta e fechada do país, é reproduzida especialmente nas redes sociais. Outro dia circulou um vídeo no WhatsApp, provavelmente uma fake news, bem ao gosto dos desinformados em geral sobre o assunto. Nele, um grupo de pessoas supostamente protestavam em um hospital do país que teria atribuído indevidamente ao coronavírus a morte de um familiar. Crentes dessa narrativa, justificam o suposto fato dizendo que em torno de 40% das mortes anunciadas pelo Ministério da Saúde são falsamente atribuídas ao novo vírus. Tudo isso, segundo essas pessoas, porque o que querem é derrubar o presidente para continuar a roubalheira no país. Dessa forma, esses setores do capital alimentam o espírito dos setores mais imbecilizados ao ponto de alguns arriscarem a própria vida.

É absolutamente falsa a narrativa que coloca a fome dos mais pobres como centro da preocupação para justificar o discurso de que o “Brasil não pode parar”. Caso fosse verdadeira, bastariam algumas medidas para solucionar a questão, por exemplo, direcionar a soma dos recursos destinados às empresas e bancos para os trabalhadores em situação mais vulnerável (mais de R$ 1 trilhão só para os banqueiros). Pegar os mais de 40% do orçamento que são dados mensalmente aos banqueiros em nome da dívida externa e destinar esses recursos às medidas de proteção da população trabalhadora, como o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), da saúde pública em geral e garantia de empregos. A vida vale mais que o lucro! Pelo fim da barbárie capitalista, por uma sociedade socialista!