A crescente resistência militar questiona cotidianamente o poder dos invasores e limita ao máximo o controle que exercem sobre o país. “Quando viajei 112 quilômetros ao sul de Bagdá, em agosto último, só vi postos de controle abandonados ao longo das estradas cheias dos restos queimados de caminhões americanos e veículos policiais. Na verdade, com todos os seus milhões, seus soldados, seus serviços de inteligência e seus informantes, os invasores nem sequer podem controlar as principais ruas de Bagdá”, lembra o jornalista Robert Fisk. Até agora, em relação ao Iraque, tem se falado do “fantasma de Vietnã”. É preciso corrigir essa frase. A situação atual do Iraque já é comparável à desse país na segunda metade da década de 1960. Em vários aspectos. Primeiro: uma invasão militar que enfrenta uma resistência armada crescente, com apoio massivo, e está sendo derrotada, no sentido de que não consegue avançar (e, em muitos casos, retrocede) para obter um controle efetivo do país. Segundo: a ficção eleitoral que pretende travestir de “democracia” essa invasão. O reflexo dessa ficção na imprensa americana tem semelhanças surpreendentes com o Vietnã. Finalmente, a situação é similar na crise e na divisão que começa a corroer as tropas invasoras. Vejamos isto mais de perto.

A crise no exército americano
Como conseqüência inevitável de uma invasão que enfrenta uma resistência armada com apoio massivo, todo habitante do país ocupado (homem, mulher, ancião ou criança) é um inimigo potencial, que precisa ser derrotado porque não entende que “viemos para libertá-los”. É necessário, então, apelar para métodos cada vez mais cruéis: milhares de “suspeitos” presos, torturas, violações, ataques genocidas contra populações desarmadas. Estima-se em mais de 100 mil vítimas civis iraquianas devido à invasão e a ocupação. Mas cada um desses fatos aumenta o ódio ao invasor e o apoio à resistência e, com isso, a necessidade de aprofundar esses métodos, em uma espiral infernal, sem perspectivas de ganhar a guerra.

Ao mesmo tempo, cada vez mais soldados se negam a continuar nessa loucura. A divisão entre aqueles que entram na dinâmica genocida impulsionada pelos comandos e os que se quebram (por medo ou por consciência) se acentua. Jamail conta que, em seus contatos com soldados americanos, “descobri que a maioria deles estavam muito assustados e que sua moral dependia do tempo em que estavam aqui. Os que acabavam de chegar se mostravam arrogantes e seguiam as ordens. Os que estavam aqui há 6, 9 ou 12 meses demonstravam impaciência, apontavam suas armas contra qualquer pessoa e, às vezes, estavam drogados. Não quero generalizar e não digo que todos estivessem assim. Mas vi muitos que estavam, e me lembrei de tudo o que havia lido sobre o que ocorreu com a psiquê dos soldados americanos no Vietnã”.

Por isso, cada vez mais soldados americanos se recusam a ampliar sua permanência, depois de cumprir o primeiro ano de contrato. Nos EUA, muitos se negam a ir para o Iraque: já existem mais de 5 mil desertores e um crescente de “objetores de consciência”. Também caiu drasticamente o número de recrutamentos-contratos, o que dificulta uma substituição eficaz das tropas no Iraque que, como vimos, decaem sua moral na medida em que se amplia sua permanência. Esta crise afeta não só os soldados contratados como também os veteranos militares de carreira. Um exemplo, entre muitos outros, é o do sargento Jimmy Massey (com doze anos na Marinha), transformado em “objetor de consciência”. Frente aos crimes cometidos por sua unidade (incluindo o assassinato de crianças) disse: “Estamos cometendo um genocídio no Iraque”. Como expressão dessa crise, surgiram organizações como As famílias dos militares falam claro (integrada por familiares de soldados que combatem no Iraque) e Soldados veteranos contra a guerra, que exigem o retorno imediato das tropas. É importante recordar que a crise, a queda na moral e a divisão das tropas dos EUA foram alguns dos fatores centrais que contribuíram para a derrota do imperialismo americano no Vietnã.

Um processo ainda mais acentuado ocorre entre as forças de segurança nacional. O profundo ódio que recebem de seu povo é tal que não podem andar sozinhos com uniforme pela rua e são instruídos para que não digam em seus bairros qual é seu “trabalho”. Quando sofrem atentados, são tratados por seus patrões imperialistas como vítimas de segunda classe: enquanto os soldados americanos feridos gravemente são enviados para a Europa ou EUA para serem atendidos, eles devem conformar-se com os hospitais iraquianos, quase desmantelados e sem recursos. É o caso de um coronel da polícia iraquiana, gravemente ferido em um atentado durante as recentes eleições, que não pôde ser atendido nesses hospitais. Sua mulher se lamentava: “Pedi a ele que não abandonasse a casa, que não obedecesse aos americanos. Mas lhe disseram que devia morrer com seus compatriotas! Deus os castigue pelo que fizeram a meu marido! Deus os castigue pelo que fizeram ao Iraque!”.

Post author Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (www.litci.org)
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