Geovani Pereira, de Duque de Caxias (RJ)

Um triste histórico

A Baixada Fluminense corresponde a um conjunto de 13 cidades, que segundo o IBGE tem população de aproximadamente 3.651.771 pessoas. Outrora uma região construída por grandes fazendas que aos poucos se tornaram loteamentos, e/ou ao serem abandonadas foram ocupadas e transformaram-se em bairros, dando início a “um processo de urbanização” desigual de cidade para cidade.

Conhecida por mazelas acumuladas em décadas, a Baixada se construiu com falta de estruturas consideradas essenciais para a vida, entre elas: saneamento básico, hospitais, postos de saúde, habitação, transporte público, acesso a cultura, cinema, teatro etc. Constituída por uma população de maioria negra e muito carente, a população sofre principalmente com altos índices de violência, que é uma das marcas negativas que a região carrega.

Com exceção do centro das cidades, a periferia foi crescendo em sua maioria a partir de ocupações, e parte dessas, em momentos distintos, transformou-se em grandes favelas que hoje são dominadas pelo tráfico ou pelas milícias. Importa destacar, que na região o único poder do Estado conhecido pela população é a atuação da polícia, que atira primeiro e pergunta depois.

Isso contextualiza os altos índices de violência sofridos por jovens negros, o feminicídio e a morte de LGBTs, que batem recordes. Neste sentido é possível perceber a ausência de ação do Estado para diminuir esse quadro, que se preocupa apenas em acentuar a repressão policial. Tratando-se de políticas para mulheres, essa é quase nula. Na Baixada a quantidade de Casas Abrigo é insuficiente, e as poucas que existem não têm sequer estrutura para receber mulheres vítimas de violência doméstica.

Como dito anteriormente, o acesso à cultura na Baixada Fluminense é limitado; os poucos cinemas que existem são caríssimos, além de não se dispor de teatros decentes e abertos ao povo. Em grande parte da região a principal forma de expressão cultural da juventude atual é o Funk e também as batalhas de Hip Hop, que são extremamente marginalizadas e perseguidas pelo Estado policial.

Na saúde, a Baixada conta com pouquíssimos hospitais; há cidades, como São João de Meriti, que não possuem nenhum. Quando se tem hospital, falta tudo, desde um simples algodão ao profissional de saúde. Dependendo da especialidade médica, o trabalhador tem que esperar meses para conseguir fazer uma consulta. E quando consegue precisa enfrentar filas que se iniciam ainda de madrugada para garantir a vaga. Sabe-se ainda que os postos de saúde ou clínicas da família são verdadeiros cabides de emprego para apadrinhados políticos da região.

Quando se refere à educação, a história não é muito diferente, pois as escolas de educação básica oferecidas pela prefeitura são insuficientes, principalmente nos anos iniciais. Para conseguir vaga em creches nas cidades que contam com esse serviço é preciso entrar em um sorteio ou conhecer algum político. Esse mecanismo deixa, segundo os dados do Mapa da Desigualdade Casa Fluminense, cerca de 80% dos filhos da nossa classe sem creche, o que acaba impedindo que uma parcela importante, principalmente de mulheres, possa trabalhar fora.

Em cada cidade existe uma família que é uma espécie de cacique, que controla há décadas a política na região. Em Duque de Caixas os Washingtons Reis e a família Zito, em Nova Iguaçu os Borniers, em Nilopolis são as famílias de bicheiros e por aí vai. Quando não são eles que estão diretamente à frente das prefeituras são os seus satélites. Cidades como Nova Iguaçu e Belford Roxo já chegaram a ser governadas pelo PT e PCdoB, mas em nada se diferem das gestões anteriores. As prefeituras são usadas como um verdadeiro balcão de negócios que beneficia um pequeno punhado de famílias. São verdadeiros feudos e que quem ousa enfrentar muitas vezes paga com a própria vida.

Os índices de desemprego são alarmantes. Todo mundo tem alguém na família que está desempregado, e com a pandemia esses índices pioraram. Cerca de 40% dos trabalhadores estão na informalidade. Na região, a maioria dos empregos formais está no comércio, que nos últimos 20 anos, pouco a pouco, foi levando centenas de pequenos e micro empresários à falência, na medida em que as grandes empresas chegaram e se expandiram na região, aumentando ainda mais a exploração dos trabalhadores comerciários.

A maioria trabalha fora da região. Esses trabalhadores sofrem todos os dias no deslocamento para ir e vir do trabalho; aí o problema da mobilidade urbana se mostra com força. Os ônibus e trens nos horários de pico estão sempre lotados e os trabalhadores levam em média de 4 a 5 horas para se deslocarem de casa para o trabalho e do trabalho para casa, enfrentando não só as péssimas condições do transporte público, que além de tudo é caríssimo, mas também os intermináveis engarrafamentos, todos os dias. Por isso, a Baixada é conhecida como uma “região dormitório”

Maior vulnerabilidade na pandemia

Todo o descaso dos governos federal, estadual e municipal com os trabalhadores desta Região gerou as péssimas condições nas quais a população é obrigada a conviver, e que se acentuam de forma significativa com a pandemia da Covid-19.

O isolamento social nos bairros periféricos da Baixada na prática não existe. Aquele que tem emprego é obrigado pelo patrão a ir trabalhar, e a outra parcela – que não é pequena – vive na informalidade, e não pode ficar em casa para não morrer de fome. A situação também se agrava pelo fato de que uma grande parte das moradias não tem saneamento básico.

Os R$600,00 reais oferecidos pelo governo Bolsonaro é uma verdadeira esmola, para trabalhadores que precisam se alimentar, pagar aluguel e luz. Esse dinheiro é insuficiente, sem falar na grande burocracia que existe para que os trabalhadores tenham acesso ao auxílio. Filas intermináveis na Caixa Econômica e nas agências da Receita Federal geram mais aglomeração, pondo diariamente em risco a vida dos trabalhadores.

Essa situação gerou revolta popular em Belford Roxo e Duque de Caxias em que as massas, cansadas das filas na Caixa econômica, partiram para a ação direta exigindo agilidade nos pagamentos.

Em Duque de Caxias, a população se revolta com as longas filas no atendimento para receber o auxilio emergencial

O fechamento das escolas acentuou significativamente a miséria, já que uma parcela importante das crianças fazia suas principais refeições no horário escolar. Relembrando que a ajuda prestada pelo Estado a essas crianças até o momento é zero. Poucas prefeituras tiveram alguma iniciativa, como Duque de Caxias, que prestou um auxílio vergonhoso às famílias com o valor de R$50 reais por criança. Outras nada fizeram.

A questão é tão urgente, que hoje (06/05), são 12.391 casos confirmados e 1.123 mortes no Estado do Rio de Janeiro, conforme os dados da Secretaria de Estadual de Saúde. Ao compararmos a média em termos percentuais, veremos que o número de mortos é bem maior na Baixada Fluminense, com destaque para Duque de Caxias, pois o percentual de mortes em relação aos que contraíram a doença chega a quase 20%. Número quase três vezes maior que a média nacional. Como não existem testes em massa, não temos dúvida que estes números são bem mais alarmantes.

Em alguns hospitais, como o Moacyr do Carmo, localizado em Duque de Caxias, os corpos já se acumulam nos corredores, e diferente da situação do prefeito Washington Reis, que ao contrair a doença foi se tratar em um hospital privado na zona sul, os trabalhadores só têm o Sistema Público de Saúde, que já era insuficiente e agora já entra em colapso; tanto que, no município citado, a ocupação de leitos nas enfermarias e nas UTIs já chega aos 100%.

Só uma saída socialista pode superar essa situação

Não é verdade que a “Baixada em si” seja pobre. Há uma profunda desigualdade social. O município de Duque de Caxias é o 3º lugar no ranking da arrecadação no estado, e Nova Iguaçu é o 7º. Só que o dinheiro vai para os grandes políticos e empresários.

Existe um responsável pela situação caótica que estamos passando, e se chama capitalismo. Um sistema econômico que concentra a riqueza produzida socialmente por todos trabalhadores nas mãos de meia dúzia de burgueses, que como parasitas sobrevivem do nosso sangue e suor. Muitos perguntam o que fazer para mudar essa realidade. O que poderia substituir o capitalismo?

A única coisa que nos mantêm presos a esse sistema é a falsa ideia de que não podemos viver de outra maneira. É preciso romper com essas velhas ideias. O mais difícil já é feito pelos trabalhadores, que é produzir e distribuir a riqueza através do trabalho. Não precisamos que meia dúzia de burgueses administre o Estado. Não é verdade que eles são mais competentes que os trabalhadores. É só olhar ao redor que veremos isso. Não é uma utopia achar que os trabalhadores têm condições de governar.

Só teremos educação, saúde, cultura, emprego e segurança de qualidade quando os trabalhadores, através de conselhos populares ou outros organismos da nossa classe, como os sindicatos, tomarem para si a responsabilidade de gerir o Estado. Enquanto forem os burgueses a fazerem isso, serão os interesses deles que sempre estarão à frente e essa triste realidade nunca mudará.