As populações originárias da América exigem o reconhecimento de que são povos indígenas e não “índios”. É fundamental que se considere esse nível de definição, já que é imensa a alteridade entre eles. O termo “índios” é genérico, encobre a diversidade e contribui para a neutralização da identidade, negando a possibilidade de eles serem reconhecidos como povos diferenciados. A sobrevivência dos povos indígenas passa pela preservação e fortalecimento de seus sistemas e organizações.
Como não há um censo indígena, os cômputos globais têm sido feitos, seja pelo CIMI (Conselho Indigenista Missionário), seja pelas agências governamentais (Funai e Funasa), ou pelo ISA, e apontam estimativas que variam entre 350 mil e 500 mil, com 180 línguas e dialetos e 220 etnias. Cabe ressaltar que, em 1500, existiam cerca de seis milhões de pessoas.

Nas décadas de 60 e 70, a idéia geral sobre a questão indígena era a da integração à sociedade nacional. Essa idéia baseava-se na crença de que se essas populações não fossem assimiladas, seria o seu fim. Ao contrário do esperado, o processo de incorporação do índio à sociedade nacional, resultaria não na assimilação da sua cultura, mas na imposição e incorporação de valores, com perversas conseqüências, como o uso crônico de bebidas alcoólicas.

Nos períodos seguintes, lutando pela sua recuperação, são vistos em alianças com os movimentos populares, debatendo políticas públicas, demarcação de terras, exigindo respeito a diversidade étnica e cultural. Declaram sua opção de decidir o próprio destino político, sem a intromissão de fatores alheios e pela auto-sustentação econômica das comunidades.

Desde o final do governo militar (período em que foram caladas as organizações indígenas e mortos vários seus líderes) – que o movimento indígena se rearticula e ganha proporções nacionais e internacionais. Porém, as políticas governamentais se caracterizaram pelas alianças com as oligarquias regionais e pelo favorecimento dos interesses dos latifundiários e das madeireiras. O decreto 1775/96, de FHC, estabelece o princípio do contraditório e abre um precedente para a revisão de decisões judiciais acerca das áreas indígenas em todo o Brasil, retardando a demarcação de terras. Nesse mesmo governo, foi “congelada” a proposta do novo Estatuto dos Povos Indígenas, e o órgão oficial da política indigenista, a Funai, foi burocratizado e sucateado ainda mais. Apesar de a nova Constituição assegurar os direitos indígenas em dois artigos – 231 e 232 –, os povos continuaram sendo desprezados em suas reivindicações.

A vitória eleitoral de Lula foi comemorada pelas organizações indígenas e pela grande maioria dessas populações. A expectativa de avanços nas demarcações de terras, do estabelecimento do diálogo com as comunidades – há muito tempo esperado –, do respeito aos artigos constitucionais e da aprovação do novo Estatuto dos Povos Indígenas foi muito grande. Entretanto, o governo Lula, em nome da governabilidade e das “reformas”, fez um amplo leque de alianças políticas com setores antagônicos aos interesses indígenas. É o caso da filiação do governador de Roraima ao PT. A filiação de Flamarion Portela, conhecido defensor dos interesses anti-indígenas, caracterizou-se por barganhas.

É nesse contexto que se deve entender a não homologação da área indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, e a indicação de um antropólogo para a presidência da Funai, ignorando uma justa reivindicação do movimento indígena, que exige um indígena para o cargo.

As escolhas políticas do governo só tendem a fazer retroceder as conquistas dos povos indígenas do Brasil e é uma comprovação de que nada mudou em relação aos governos anteriores. Sem contar o fato de que as negociações da Alca abrirão espaço para ações devastadoras para essas sociedades, por conta das disputas de áreas por interesses capitalistas. Permitir a implementação da Área de Livre Comércio supõe a lógica da propriedade particular, que, absolutamente, elimina o espaço dos povos da floresta.

Post author Elisabete Mascarenhas,
de São Paulo (SP)
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