Cartaz de divulgação do filme
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Comédia de Lars Von Trier critica a falsa idéia da empresa como ‘família´ e do chefe como ‘amigo´ do empregadoNa comédia O grande chefe, atualmente em cartaz no Brasil, o diretor e roteirista dinamarquês Lars Von Trier destrincha a relação entre patrões e empregados e a ideologia corporativa, vendida pelos chefes aos seus funcionários, de que a empresa seria uma grande família. Para melhor explorar, os patrões se fazem de amigos, mascaram as relações antagônicas da luta de classes. Lars depõe tais máscaras usando humor e ousando na forma, como sempre faz em seus filmes.

O patrão imaginário
Ravn é o chefe de uma empresa, mas sempre se apresentou aos funcionários como sendo uma subchefia, dizendo que o verdadeiro chefe, o “grande chefe”, estaria fora do país. Simbolicamente, um ursinho de pelúcia (figura simpática e cativante) ocupava a cadeira do ‘grande chefe´ enquanto este viajava.

Todas as decisões impopulares Ravn joga nas costas de um chefe distante e inexistente. Portando-se como amigo, Ravn consegue conquistar o afeto dos funcionários, que inclusive lhe emprestam o dinheiro (25 mil cada um) com o qual a empresa é erguida.

Mas, para fechar um negócio e vender esta mesma empresa, Ravn precisa apresentar o “grande chefe” tanto ao comprador, o islandês Finnur, que não aceita negociar com terceiros, quanto aos funcionários, que devem ser comunicados de sua demissão, já que o futuro dono da empresa não aceitará trabalhar com a antiga equipe. Cabe ao ator contratado, Kristopher, fazer o papel de chefe e mostrar a cara nas situações constrangedoras das quais Ravn quer fugir.

Logo na primeira reunião com os seis gerentes, o chefe leva um soco de um deles e recebe várias reivindicações. Entre outras coisas, Kristopher acaba descobrindo as más intenções de Ravn, de vender a empresa e deixar os funcionários no olho da rua e de mãos abanando. Entretanto, com o decorrer da trama, a revolta de Kristopher se dissipa e ele passa a incorporar de fato seu personagem e assumir suas ideologias.

São simbólicos os ambientes externos em que Ravn se reúne com Kristopher: o carrossel de um parque de diversões, o zoológico, o cinema. O carrossel e o zoológico, ambientes infantis que remetem à ingenuidade e à inocência, contrastam com as descobertas do ator sobre os planos de Ravn. O cinema também se mostra como ambiente da ilusão e da ficção.

A arte e a ilusão
Neste ponto é importante ressaltar a relação que o roteiro estabelece entre a mentira do chefe e a ilusão da representação (no teatro, no cinema). Não é à toa que um ator é usado para enganar os funcionários. Não é à toa todo o debate cômico de Kristopher com Ravn sobre as técnicas de interpretação. Lars critica aqui a própria arte e sua relação dúbia com a realidade.

Para isso, Lars se coloca como narrador do filme, com falas que criticam o próprio filme e fazem o cinema se assumir como cinema. No início, ele anuncia: “aí vem um filme” ou “é só um passatempo”. Em outras passagens, o narrador-cineasta critica seu próprio “zoom primitivo e sem sentido”, mas também avisa que “a vida é como um filme do Dogma: inaudível, mas os diálogos são importantes”, citando ele mesmo e o movimento do qual é um dos principais expoentes. Mas, ao final, prevalece a visão crítica quando Lars se despede do expectador dizendo: “os que tiveram o que queriam merecem isto”. Mas, assim como Kristopher, que critica o improviso, mas improvisa, Lars critica o cinema para melhor fazê-lo.

Em todos os momentos que este narrador praticamente interrompe a história para fazer seus comentários, a câmera observa a empresa e os personagens pelo lado de fora, através das janelas do prédio. Assim, o cinema de Lars se assume como cinema no conteúdo, mas adquire contornos realistas na forma.

Na filmagem, Lars inova ao criar a Automavision, um computador que seleciona a posição da câmera, o enquadramento e o modo com que o som será registrado. Esta seleção gera as imagens internas no prédio da empresa que, vez ou outra, acabam, por exemplo, cortando a testa do personagem. Tais cenas se apresentam com planos estáticos e cortes bruscos, planos de poucos segundos, com seqüências tão recortadas que chamam a atenção. Esta estética de retalhos parece ser o clima de dentro da própria empresa. Já nas cenas externas, fora do escritório e de sua lógica claustrofóbica e retalhada, Lars permite tomadas mais longas e movimentação de câmera ou zoom.

O Grande Chefe é uma comédia que faz rir, critica a arte, o drama barato e os clichês sentimentais na interpretação do ator e nas tramas. Critica os patrões e suas falsas ideologias plantadas entre os trabalhadores.

FICHA TÉCNICA:
Título Original: Direktoren for Det Hele
Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 99 minutos
Ano de Lançamento: 2006 (Dinamarca, Suécia, Islândia, Itália, França, Noruega, Finlândia, Alemanha)
Direção: Lars von Trier
Roteiro: Lars von Trier
Montagem: Molly Marlene Stensgard
Produção: Meta Louise Foldager, Signe Jensen e Vibeke Windelov
Elenco: Jens Albinus (Kristoffer/Svend E), Peter Gantzler (Ravn), Friörik Pór Friöriksson (Finnur), Benedikt Erlingsson (Tolk), Iben Hjejle (Lise), Henrik Prip (Nalle), Mia Lyhne (Heidi A.), Casper Christensen (Gorm), Louise Mieritz (Mette), Jean-Marc Barr (Spencer), Anders Hove (Jokumsen), Lars von Trier (Narrador)

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